Mobilização sem precedentes coloca Panamá na vanguarda da luta ambiental na América Central

21 de novembro 2023 - 10:11

A luta ambiental de massas no Panamá tem unificado diversos setores do país contra a mineradora canadiana First Quantum Mineral. Por Antonio Neto e Lucas Guerrero.

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Manifestação contra as minas no Panamá. Foto de Frente Estudiantil.

A aprovação, no último debate na Assembleia dos Deputados, em 20 de outubro, da Lei 406 que autoriza a mineração a céu aberto pela empresa privada canadense First Quantum Mineral (Minera Panamá) em território panamenho, foi a faísca que incendiou a floresta, pois desencadeou uma das maiores revoltas do povo panamenho. Durante semanas, milhares e milhares de pessoas saíram às ruas na Cidade do Panamá e nas capitais das várias províncias do país exigindo a revogação desta lei. Elas querem o fim da mineração, que, entre outras coisas, destrói a natureza, polui rios e lagos e tem causado doenças em massa na população das áreas de mineração. A mina que está a ser alvo dos protestos está localizada no Corredor Biológico Mesoamericano [1], que conecta os sete países da América Central e o sul do México.

De acordo com o relatório produzido por José Arcia para a Mongabay Latam [2]: “A concessão, outorgada pela lei contratual nº 9 de 25 de fevereiro de 1997, abrange uma área de 13.000 hectares, o que equivale aproximadamente a 60 vezes o tamanho do distrito da Capital. Não está claro que percentagem desse número foi alocada para o projeto de cobre que está a ser desenvolvido pela Minera Panamá, mas o estudo de impacto ambiental do projeto especifica a quantidade exata de terra afetada: 5.900 hectares, dos quais cerca de 5.500 hectares são florestas tropicais de planície, 320 hectares já foram devastados por “atividades antropogénicas” e 25 hectares correspondem a cursos de água e rios de água doce. Três grandes bacias hidrográficas estão dentro da área de influência da mineração: rio Petaquilla, rio Caimito e rio San Juan, sendo que os dois últimos, por sua vez, têm oito afluentes”.

Mas, além das terríveis consequências ambientais, a mineração a céu aberto tem consequências sociais e culturais para as populações vizinhas. A revogação desse contrato e a proibição da mineração a céu aberto em solo panamenho é a palavra de ordem que está a mobilizar o povo panamenho hoje e, se for bem-sucedida, será um enorme triunfo na luta ambiental. Desde que a Assembleia dos Deputados do Panamá aprovou a Lei 406 que endossa o contrato assinado em 1997, que foi declarado inconstitucional em 2017 pela Suprema Corte de Justiça. Milhares e milhares de pessoas, especialmente jovens, saíram às ruas para protestar contra essa lei.

Até agora, a mobilização obteve uma primeira vitória parcial, pois forçou não apenas a assembleia de deputados, mas também o governo de Nito Cortizo, a convocar uma sessão extraordinária da assembleia de deputados, aprovar um projeto de lei que proíbe a mineração a céu aberto em solo panamenho e revogar o contrato entre o Estado panamenho e a empresa Minera Panama (uma subsidiária da empresa canadense First Quantum Minerals). Mas as questões em jogo aqui vão além das aspirações do povo panamenho porque as corporações colocaram em cena uma equipa de lobistas (supostos especialistas em direito internacional) que conseguiram “convencer” a assembleia de deputados, que na sua segunda sessão (há três sessões) já tinha aprovado a revogação da lei 406 e a proibição da mineração, a submeter a última palavra sobre o assunto ao Supremo Tribunal, tirando das suas mãos o problema de tomar a decisão.

A assembleia sofreu muita pressão das ruas, a ponto de vários deputados terem de admitir publicamente o erro de terem votado a favor da lei 406, sob pena de não terem paz. Alguns deputados foram hostilizados pela população e foram proibidos de entrar em áreas onde tinham obtido seus votos anteriormente.

O carácter de massa do levantamento

Os protestos contra a Lei 406 e contra a mineração no Panamá estão espalhados por todo o país. No entanto, há pelo menos dois grupos principais na vanguarda das mobilizações. De um lado, estão os jovens e os ambientalistas que realizaram marchas massivas, convocadas pelas redes sociais e com uma liderança que, na sua maioria, está a viver as suas primeiras experiências. As convocações dos jovens não vêm dos sindicatos estudantis, seja de estudantes universitários ou do ensino secundário, as marchas e mobilizações são longas, muitas vezes começam pela manhã e não têm uma hora para terminar.

Por outro lado, há as organizações de trabalhadores, com os professores e docentes na vanguarda – em 2022 os professores já tinham realizado protestos gigantescos no Panamá [3] – organizados pela Frente Pueblo Unido por La Vida (Frente Povo Unido pela Vida, que inclui a ASOPROF – Associação de Professores, o Suntracs – Sindicato dos Trabalhadores da Construção, etc.).

No dia seguinte à aprovação da lei 406, os professores convocaram uma greve por tempo indeterminado. O mesmo aconteceu com os trabalhadores do setor de transportes. E como o MAS declarou num comunicado recente [4]: “os transportadores e os educadores decretaram uma greve por tempo indeterminado, até mesmo a CONATO, que não é exatamente conhecida pela sua atitude combativa e mobilizadora, está a falar em preparar a organização de uma greve nacional. Os trabalhadores do transporte em Penonome também fizeram o mesmo, o Colégio Nacional de Enfermeiras decidiu por greves escalonadas ao nível nacional, o que não tem precedentes.

Os trabalhadores da construção civil, que ainda não declararam uma greve por tempo indeterminado, têm cortado estradas e fechado ruas, antes e durante os intervalos de trabalho, uma participação regulada, devido à força que têm, mas, no final, uma ampla participação nos protestos.

Por outras palavras, o caráter de massa e generalizado deste aumento é demonstrado não apenas pelas marchas em massa nas ruas do país, mas também pela reação das pessoas no interior e na cidade, nas ruas, na sua vida quotidiana.

Unidade para conquistar a vitória

As marchas continuam a ser massivas e mantêm o seu carácter radical contra o contrato de mineração mas muitos de nós sentimos que o que é necessário é o que está a começar a ser gritado hoje nas ruas, cheias de jovens que estão a liderar os protestos, o grito de UNIDADE, UNIDADE. Isto é o que é necessário para vencer esta luta de uma vez por todas, com uma pressão decisiva contra o regime político e o seu governo do PRD de Nito Cortizo. É a unidade organizativa, na formação de um Comité Nacional de Coordenação das Lutas e Mobilizações, composto por representantes da Juventude Auto-convocada, pelos movimentos anti-mineração, peos movimentos ambientalistas que participam nos protestos, pelo movimento Pueblo Unido por La Vida, pela Alianza Nacional por los Derechos de los Pueblos Organizados (ANADEPO), pela CONATO, pelas organizações indígenas e camponesas, pelos setores populares organizados e as organizações políticas e cívicas que têm participado e apoiado esta ação do povo panamenho.

Vamos ter uma única voz para nos mobilizarmos maciçamente a nível nacional, uma única voz para lançar uma greve geral da produção e de todas as atividades laborais com duração de um dia no início e, se não houver resposta do Estado, convocaremos greves cada vez mais longas. Sem dúvida, com as massas nas ruas e com as paralisações gerais da produção, o Estado burguês terá de ceder e ouvir o clamor do povo. Devemos deixar claro que a luta não é apenas contra uma ou algumas das instituições do Estado burguês separadamente, não é apenas contra a Assembleia ou o Supremo Tribunal de Justiça ou o governo ou os partidos políticos tradicionais. É contra todos eles que se coordenam entre si e se reúnem secretamente para conspirar contra o povo.

Assim como eles agem de forma coordenada, o povo também precisa coordenar as suas forças para não desperdiçar sua energia em muitas lutas dispersas. Precisamos superar esta dispersão inicial e chegar a uma coordenação e a um programa mínimo, a fim de alcançar a vitória contra o contrato de mineração e enfrentar o futuro próximo de forma mais organizada e coordenada.


Antonio Neto é professor de Geografia na Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles de Porto Alegre. Lucas Guerrero é militante do MAS panamenho.

Texto publicado na revista Movimento. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.


Notas

[1] https://es.mongabay.com/2018/12/panama-mineria-bosques-del-corredor-bio…
[2] https://es.mongabay.com/
[3] Protestos dos professores.
[4] Ver declaração “A LUTA CONTINUA ATÉ QUE O CONTRATO DE MINERAÇÃO (LEI 406) SEJA REVOGADO” aqui.