O próximo governo tem de ter uma certa vontade de conflito com Bruxelas

23 de fevereiro 2016 - 16:39

Nacho Álvarez, um dos responsáveis pela área económica do Podemos, foi entrevistado pelo esquerda.net na conferência "Por um plano B para a Europa", em Madrid.

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A entrevista pode ser lida na íntegra em baixo, ou vista em vídeo aqui.

Como está atualmente a situação política em Espanha?

Bom, a situação política neste momento em Espanha é sem dúvida entusiasmante, temos uma opção histórica de formar pela primeira vez, em muitos anos, um governo ao serviço da maioria social, ao serviço das pessoas. Mas isto acontece se o Partido Socialista tomar a decisão que tem que tomar e decidir se vai apertar, de alguma forma, a mão que lhe estende o Podemos, que lhe estende a Izquierda Unida e que lhe estende o Compromis, para formar um governo de coligação com as forças pela mudança e com as forças do progresso.

Ou se, por outro lado, o Partido Socialista continua a negociar com as forças da direita para formar um governo de geometria variável, um governo de geometria variável que o Partido Socialista pretende formar com o apoio, por um lado da direita com o Ciudadanos, e por outro lado com a esquerda com o Podemos.

Pensamos que esse governo não é possível e não vamos apoiá-lo. Pensar que por um lado podes desenvolver a política económica, e por outro lado a política social não é realista e, em realidade, o que advoga é repetir as experiências fracassadas do passado.

Se o Partido Socialista estiver definitivamente disposto a confrontar Bruxelas e a dizer que o ritmo de redução do déficit tem que ser o que a nossa economia necessite, e não o que Bruxelas estipule, então aí nos encontraremos e será possível desenvolver um governo de mudança que reverta os cortes na saúde, educação e em I&D

Pensar que o social-liberalismo é a saída se o Partido Socialista quiser, de alguma forma, recuperar uma via nitidamente socialdemocrata, então pode encontrar-nos porque assim, de alguma forma, poderemos desenvolver um programa que facilite a recuperação económica se ponha ao serviço do conjunto da cidadania. Se o Partido Socialista estiver definitivamente disposto a confrontar Bruxelas e a dizer que o ritmo de redução do déficit tem que ser o que a nossa economia necessite, e não o que Bruxelas estipule, então aí nos encontraremos e será possível desenvolver um governo de mudança que reverta os cortes que houve na saúde, e que houve na educação, os cortes que houve em I&D, que possibilite, portanto, uma nova política económica ao serviço da maioria social.

Essa é a situação neste país neste momento; é possível mudar, é possível um governo ao serviço da maioria social, e contudo, se isto se faz o se não se faz, vai depender fundamentalmente da direção na qual se mova o Partido Socialista. Se ouve os pedidos maioritários, ou se defrauda novamente esses pedidos, pactuando com a direita.

Quanto tempo têm para concluir o processo?

Bom, formalmente, nos próximos dez dias tem que se tomar essa decisão o debate de tomada de posse vai decorrer na primeira semana de março e portanto, nessa semana o Partido Socialista terá que se ter decidido. Apesar de, na realidade depois temos até ao dia 2 de maio para que definitivamente se forme um governo, ou que convoquem novas eleições. Ou seja, o tempo corre contra as necessidades de mudança, há urgência, mas há ainda tempo para negociar esse governo de mudança.

Quais são os pontos de política económica defendidos pelo Podemos?

O Podemos neste momento está a pôr em cima da mesa a necessidade de uma mudança de política económica. Uma mudança que pensamos que é necessária, e, além disso, pensamos que é viável, que é possível. Defendemos fundamentalmente três eixos.

Acabar com a austeridade significa não apenas terminar com os cortes, significa terminar com esta situação em que o investimento público não cresce.

Em primeiro lugar, há que acabar com a austeridade. Acabar com a austeridade significa não apenas terminar com os cortes, com a ideia que é preciso fazer cortes, e significa também terminar com esta situação em que o investimento público não cresce.

Consideramos, e propusemos, um pacote de expansão fiscal de 24.000 milhões de euros por ano que facilite, não só a recuperação económica, mas sobretudo de forma a que a recuperação económica se faça em benefício da maioria social e que sirvam para reduzir las desigualdades do nosso país, para que se faça a mudança de modelo produtivo para propiciar a transição energética.

Ou seja, definitivamente há que pôr os orçamentos gerais ao serviço das necessidades da maioria do país. Contra o déficit público, pensamos que há déficits mais importantes, sobretudo o déficit de emprego. Temos que reduzir o ritmo de desemprego muito mais rapidamente e isso exige uma mudança em temos da austeridade fiscal e da política fiscal que se tem vindo a vindo executar até agora.

Contra o déficit público, pensamos que há déficits mais importantes, sobretudo o déficit de emprego. Temos que reduzir o ritmo de desemprego muito mais rapidamente e isso exige uma mudança em temos da austeridade fiscal e da política fiscal que se tem vindo a vindo executar até agora.

Em segundo lugar, pensamos que há um segundo pilar fundamental, que é o pilar que tem a ver com as mudanças nas relações laborais. É preciso revogar a reforma laboral, é preciso voltar a um marco laboral mais equilibrado no qual a negociação colectiva volte a jogar um peso importante. Pensemos que de Espanha nos últimos anos saíram mais de três milhões e meio de pessoas da negociação coletiva e os salários caíram drasticamente e, portanto, necessitamos reverter essa situação.

Isto exige não só revogar a reforma laboral, exige ir mais além e ir mais além neste momento quer dizer atacar fundamentalmente as bases da precariedade, exigir que não se possa, como defendemos no nosso programa, renovar contratos temporários num prazo superior a um ano e isto é possível, não depende de Bruxelas, que não tem por que o autorizar, depende fundamentalmente da política nacional, e pensamos que se pode perfeitamente desenvolver e levar a cabo.

Em terceiro lugar, Espanha precisa de alterações estruturais. São várias as alterações estruturais que necessita, mas alguns são muito evidentes. A primeira de elas é uma reforma fiscal. Espanha, de acordo com o seu tamanho económico, tem um nível de tributação de 90.000 milhões de euros por ano abaixo da média europeia, de acordo com o tamanho económico.

Por isso pensamos que é possível uma reforma fiscal que permita recolher mais no nosso país, mas fazê-lo de uma forma progressiva, garantindo que o aumento da suficiência fiscal é à custa dos rendimentos mais altos e dos rendimentos empresariais e de novo isto não depende de Bruxelas. Este é o parlamento nacional e é a soberania nacional que pode definir um governo de mudança definitiva se se levar a cabo, ou se não se leva a cabo, e pensamos que se pode levar a cabo, que é possível, exatamente da mesma forma que utilizar estes recursos das contas públicas para propiciar uma mudança no modelo produtivo do país.

Não podemos continuar a pensar que o desenvolvimento de Espanha passa por um modelo de construção e de bolha imobiliária; precisamos de garantir reindustrialização do nosso país e fazê-lo, em particular, permitindo que a competitividade não caia sobre os salários.

Não podemos continuar a pensar que o desenvolvimento de Espanha passa por um modelo de construção, de sol e de bolha imobiliária; precisamos de garantir reindustrialização do nosso país e fazê-lo, em particular, permitindo que a competitividade não caia sobre os salários, mas que sobretudo caia sobre a ganância.

Isto vai supor que a Europa impeça o desenvolvimento desta política económica, mas eu acho que não, acho que Espanha tem margem, neste momento para propiciar esta mudança na política económica, que depende fundamentalmente dos enquadramentos nacionais e que, portanto, tem que ser empurrada e tem que ser desenvolvida, e, além disso, acho que Espanha tem que ter, ou o próximo governo, em concreto, um certa vontade de conflito com as instituições de Bruxelas, não podem ser as instituições de Bruxelas a definir quais têm que ser os pilares fundamentais da política do nosso país, temos exemplos em outros países europeus, o caso francês ou o caso italiano, onde os governos de alguma forma informaram Bruxelas sobre quais eram prioridades nacionais e esse é o caminho que pensamos que tem que seguir também o próximo governo em Espanha.