Nos últimos anos, as elites políticas e económicas europeias têm procurado forjar consensos que visam transformar a União Europeia num mero instrumento do belicismo e dos interesses transnacionais do insaciável complexo militar-industrial. A aposta nas indústrias de defesa e na construção de um exército europeu – qualquer que seja o seu modelo – como novos motores da integração económica e política da Europa é uma mera fuga para a frente e a resposta trágica dos governos da UE para as gravíssimas crises resultantes da governação económica de orientação liberal que procuram impor-nos como alternativa única para as nossas vidas. Ao mesmo tempo, desistem da autonomia estratégica europeia em favor da perspetiva e interesses norte-americanos na gestão dos conflitos globais, renunciam à diplomacia como instrumento racional de resolução de conflitos e à construção da paz, e condenam a política externa europeia a um futuro de irrelevância. Sim, esta estratégia das elites europeias é autoritária e afasta a UE do seu principal capital como projeto de integração: a construção da paz assente no respeito pelos direitos humanos, na equidade e solidariedade, e na coesão económica e social. Não é só uma estratégia profundamente perigosa para a democracia e os interesses da Europa e dos europeus; ela é altamente lesiva do aprofundamento das relações paritárias com o resto do mundo e fragiliza o projeto europeu, expondo-o à crítica crescente de amnésia colonial e de relativismo ético.
Demonstrando total falta de espírito crítico e sentido comum, a governação da UE repete os chamamentos às armas e a um conflito armado global, acompanhando-os de um crescente desprezo pelas armas da paz. Desdobra-se em manifestações de cumplicidade com governos de extrema-direita – como o de Israel – e as suas estratégias de guerra total contra povos que lutam pela dignidade e autodeterminação e pelo cumprimento dos direitos humanos mais essenciais. A resposta que se está a tornar padrão, de ambos os lados do Atlântico, é a crescente censura, repressão e criminalização do protesto pacífico e o ataque repetido às liberdades, direitos e garantias dos cidadãos. Ao mesmo tempo, as lideranças europeias desistiram de refletir sobre a sua responsabilidade na construção de um mundo mais sustentável, justo e equitativo, tomando decisões – ou abstendo-se da responsabilidade de as tomar – que contradizem os valores que proclamam e os próprios compromissos internacionais que assumiram. Sim, as lideranças europeias estão a ser cúmplices de múltiplas violências estruturais e a contribuir ativamente para o agravar das injustiças globais, para a degradação de uma ordem internacional assente em regras justas e a generalização da impunidade e do incumprimento do direito internacional.
Geram hoje extrema preocupação as movimentações das elites e governos europeus para forçar uma transformação radical da vida política e económica no espaço da União Europeia, em nome da necessidade e inevitabilidade de um conflito armado global, e em total divergência com as necessidades reais dos cidadãos. É particularmente perturbador assistir a como censuram e reprimem cada vez mais o debate democrático para imporem, pela porta das traseiras, uma economia de guerra e a militarização das fronteiras que conduzirá, inevitavelmente, à distopia da Europa fortaleza dependente da criação de inimigos internos e externos e do conflito permanente. O novo acordo europeu sobre migrações e asilo é um retrocesso civilizacional evidente ao violar direitos básicos, comprometer a solidariedade entre Estados europeus e externalizar responsabilidades inalienáveis na busca fictícia de ordem e segurança, produzindo e reproduzindo múltiplas violências nas suas fronteiras.
Desta forma, o Bloco de Esquerda deplora e repudia a política de extermínio sistemático do povo palestiniano nos territórios ocupados de Gaza e Cisjordânia, e aponta a cumplicidade imperdoável das instituições europeias, e da generalidade dos governos europeus, com os sucessivos massacres perpetrados pelas forças militares israelitas. O Bloco exige o cessar-fogo imediato em Gaza, o embargo de armas a Israel, a suspensão do acordo de associação UE-Israel e o fim imediato da ocupação israelita em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. O Bloco defende o reconhecimento imediato do estado da Palestina e o empenho direto da UE para alcançar a viabilidade do mesmo, e insta os governos europeus a apoiarem o processo instaurado pela África do Sul contra o estado de Israel, no Tribunal Internacional de Justiça, por claras violações da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. Só uma resposta firme da comunidade internacional contra a castigo coletivo imposto pelo estado de Israel aos palestinianos, a ocupação colonial da Palestina e o regime de apartheid que a acompanha poderá abrir as portas à libertação dos reféns nas mãos do Hamas.
O Bloco de Esquerda deplora e rejeita, sem ambiguidade, todas as formas de imperialismo, militarismo e colonialismo, bem como qualquer forma de modificar, pela força das armas, as fronteiras e os restantes fundamentos do sistema internacional. O Bloco deplora e repudia o recurso à força, por parte da Rússia, para projetar os seus interesses no Leste europeu, bem como o recurso à força pelo Azerbaijão no Cáucaso Sul, com a cumplicidade da Comissão Europeia e a sua política energética. O Bloco deplora e rejeita o desmembramento do Estado ucraniano, e defende um cessar-fogo imediato que permita pôr fim à chacina e iniciar negociações diretas, entre a Ucrânia e a Rússia tendentes à resolução política do conflito, de acordo com o direito internacional. O Bloco defende o direito dos povos à autodeterminação e apoia as pretensões de justiça dos povos saaraui, curdo e da Papua Ocidental. O Bloco defende um modelo de política externa em que a UE assuma um papel ativo no reforço da ONU e do multilateralismo eficaz, agindo como força positiva para a consolidação da paz e da transição ambiental justa, e não dos interesses extrativistas das elites liberais. O Bloco defende o regresso à mesa do diálogo entre estados europeus no âmbito da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Só o regresso ao espírito e compromissos da Ata Final de Helsínquia permitirá evitar um novo conflito devastador entre europeus e construir a segurança coletiva do continente. Sim, a nossa segurança nunca será alcançada à custa da insegurança dos nossos vizinhos, mas através de uma arquitetura política racional e inclusiva que defenda a paz como bem indivisível.