Em 27 de dezembro de 2023, Andrew Tate, ex-campeão de kickboxing e auto-proclamado rei dos masculinistas, publicou um tweet dirigido diretamente à ativista ambiental Greta Thunberg: depois de se gabar de possuir 33 carros desportivos com motores poluentes, acrescentou: “Por favor, envia-me o teu endereço de e-mail para que te possa enviar uma lista completa da minha coleção de carros e as enormes emissões de cada um deles”.
A resposta de Greta Thunberg tornou-se viral: “Sim, por favor, esclarece-me. Envia-me um e-mail para para [email protected]. A troca mordaz reflete uma forma de ceticismo climático e de militância anti-ecológica muito difundida entre os chamados masculinistas, defensores da posição de domínio dos homens sobre as mulheres e as minorias de género.
A desinformação ligada ao aquecimento global nunca esteve tão difundida: um estudo de 2023 do CNRS mostrou que no X, antigo Twitter, as contas céticas em relação ao clima estavam a aumentar. De acordo com este estudo, os céticos do clima representam 30% das contas que discutem o ambiente online.
“As populações mais reacionárias ou reticentes em relação à ideia de alterações climáticas, nomeadamente nos Estados Unidos, são os homens brancos conservadores”, explica Mathieu Colin, investigador da Cátedra UNESCO de Prevenção da Radicalização e do Extremismo Violento, especializado no radicalismo político e religioso. “Outros estudos mostram que se trata de pessoas que ocupam posições de poder bastante elevadas e que gozam de um certo prestígio: há uma questão de preservação do poder em jogo no ato de negar as alterações climáticas”.
Negacionistas climáticos e pró-QAnon
Por isso, não é surpreendente que os defensores mais fervorosos da masculinidade tradicional vejam a ecologia como uma perda de tempo, uma perda de privilégios ou uma conspiração. “Para os masculinistas e a extrema-direita, há uma ordem social patriarcal branca a preservar, que dominou a sociedade ocidental e o planeta. Trata-se, portanto, de salvaguardar as estruturas de poder e as tecnologias”, afirma o investigador Mathieu Colin.
O estudo do CNRS de 2023 sobre as contas negacionistas climáticas no X centrou-se em particular num perfil, o de Elpis_R, com 25.000 seguidores. Este homem espalha desinformação sobre o aquecimento global e as questões ambientais, misturando retórica de movimentos conspirativos americanos como o QAnon.
Em particular, Elpis defende a teoria de que a atual desregulação climática se deveria aos ciclos naturais de aquecimento do planeta, que seriam normais e teriam presentes desde o início da nossa era. Defende igualmente a ideia de que as políticas climáticas são o resultado de um desejo de controlo por parte dos governos e das multinacionais.
Esta desinformação faz lembrar o ceticismo climático da extrema-direita. “São meios que acreditam que as alterações climáticas são, acima de tudo, uma agenda globalista e que representam uma hipocrisia total por parte dos seus dirigentes. Ou afirmam que os estudos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas] ou da ONU se baseiam numa falsa ciência, porque outros estudos os contradizem”, explica Mathieu Colin.
A leitura feminista do negacionismo climático
Esta estratégia retórica também está a funcionar nos círculos masculinistas. Por exemplo, Andrew Tate não hesita em pôr em causa o próprio princípio do aquecimento global, apontando a hipocrisia dos líderes que “compram casas junto ao mar” quando a subida do nível do mar deveria estar a engoli-los.
Tudo isto é acompanhado de teorias da conspiração. Andrew Tate afirma regularmente que as políticas climáticas são uma “criação do Matrix” (uma teoria da conspiração inspirada no filme Matrix e recuperada pelos círculos de pensamento masculinistas, segundo a qual as pessoas são geralmente enganadas por “uma elite”). Para o ex-kickboxer, as políticas climáticas seriam um instrumento de controlo das populações.
O argumento é partilhado por alguns influenciadores franceses de extrema-direita com conotações virilistas, como o Youtuber Papacito, personagem de Ugo Gil Jimenez. Este homem foi condenado, a 26 de abril, por “insultos públicos homofóbicos e provocação pública para cometer um ataque voluntário à integridade de uma pessoa”, na sequência de um vídeo. Num outro vídeo publicado no TikTok, Papacito questiona a ideia de aquecimento global, antes de afirmar que “de qualquer maneira a mudança climática vai passar [...], as populações estão completamente domesticadas, por isso agora tudo vai passar”.
Em 2018, a investigadora Cara Daggett, professora de ciência política na Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos, propôs uma leitura feminista do ceticismo climático, utilizando o termo “petromasculinidade”: a produção e o consumo de combustíveis fósseis seriam elementos centrais da identidade masculina dominante, particularmente mobilizada na extrema-direita [1].
Nas produções dos masculinistas no YouTube, X, Instagram e TikTok, as ligações entre masculinidade e consumo de combustíveis fósseis misturam-se. Andrew Tate e Alex Hitchens, um francês que se intitula “treinador de sedução”, apresentam modelos semelhantes de masculinidade: roupas luxuosas, charutos, carros desportivos e sucesso financeiro.
“Quando se tem poder, tem-se total confiança em mantê-lo. Há uma obsessão em preservar o poder financeiro e o poder que lhe está associado", assinal Carine Pionett, investigadora independente especializada em estudos de género e ecologia política.
Outra questão que excita a muitos defensores da masculinidade tradicional é o consumo de carne. Em 2022, as deputadas ecologistas Sandrine Rousseau e Marine Tondelier foram vítimas de assédio cibernético em massa, depois de terem lembrado que o consumo de carne tinha um impacto no planeta. “Existe uma ligação entre o patriarcado e a pressão sobre os recursos naturais. Há comportamentos virilistas que têm um impacto maior no planeta e que também são maus para a vida em sociedade", afirmou Marine Tondelier, provocando uma onda de comentários insultuosos e respostas sob a forma de fotografias de bifes em churrascos.
“Para os movimentos masculinistas, comer carne torna-se quase um ato de identidade para salvaguardar a masculinidade. Comer carne está intrinsecamente ligado à ideia de masculinidade”, constata o investigador Mathieu Colin. Nos círculos masculinistas, não se hesita em chamar aos homens pró-feministas “homens soja” e os homens vegetarianos ou veganos são abertamente ridicularizados, afirmando-se que comer carne vermelha aumenta os níveis de testosterona.
Uma ecologia misogina e xenófoba
“A extrema-direita também foi construída sobre a ideia de glorificação da masculinidade, como uma glorificação da figura do guerreiro”, recorda Mathieu Colin. Assim, estas nebulosas, por vezes heterogéneas, acreditam que terão de lutar contra a ideologia dominante, a do progressismo e da triagem dos seus resíduos. No entanto, nos últimos anos, os ativistas masculinistas da direita e da extrema-direita têm vindo a desenvolver online o seu próprio discurso sobre a ecologia.
Julien Rochedy, ex-diretor da Frente Nacional da Juventude e notório anti-feminista, fala de ecologia em vídeos publicados no YouTube e no Instagram. Defende a ideia de que a ecologia não deve ser deixada à esquerda.
“Na extrema-direita francesa, existe a ideia de preservar o território como forma de preservar a identidade francesa, mas também as tradições”, explica o investigador Mathieu Colin. Na sua investigação, tem-se interessado pelo ecofascismo, que joga com um imaginário de natureza mitificada e glorificada, “com uma ligação orgânica entre a terra, um território, um povo e uma raça”.
Neste imaginário, desenvolvido por uma parte da alt-right americana, a preservação do território nacional é conseguida à custa de outras populações consideradas inferiores, que devem ser repelidas ou mesmo eliminadas. Esta ideologia não se limita aos Estados Unidos.
Em França, o Tenesoun, um grupo de ultra-direita descendente do Bastion Social, um movimento neofascista dissolvido em 2019 pelo governo, pretende agora fazer “ecologia de base” [2] e distribui panfletos nos mercados sobre isso.
Nestes grupos neofascistas, “a ideia de uma forte binaridade de género está presente, com um homem que é a mão armada da civilização e uma mulher que protege o lar e permite que a raça se perpetue”, analisa Mathieu Colin. Mesmo quando se vestem de verde, os grupos masculinistas e de extrema-direita não escondem a sua xenofobia e misoginia.
Publicado originalmente no Basta. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.
Notas
[1] Ver o livro de Cara Daggett Pétromasculinité. Du mythe fossile patriarcal aux systèmes énergétiques féministes, Wildproject, 2023.
[2 ]Lire também a investigação do Mediapart.