“A Academia é mais uma vítima da pressão turística”, diz Susana. Em frente à Assembleia da República, mais de uma centena de pessoas se juntam esta quinta-feira na manifestação de entrega da petição para salvar a Academia de Amadores de Música. Alunos, encarregados de educação, professores, amigos da Academia.
Susana Correia tem na família uma ligação incontornável à Academia. É filha de um aluno, ex-aluna ela própria e também encarregada de educação de um aluno. Quando fala da Academia de Amadores de Música, não deixa de mencionar a importância “cultural, política e social” que tem no panorama da cidade. “A pressão é fortíssima, de grandes grupos económicos se apropriarem de prédios e pequenos comércios”.
Como encarregada de educação, espera que a entrega da petição volte a trazer para o espaço público uma solução para a Academia. “Estamos a falar de 300 alunos e muita gente envolvida, até porque prestam um serviço público”.
Lisboa
Petição quer salvar Academia de Amadores de Música do despejo sem alternativas
O filho de Susana é aluno do ensino articulado de música e está no quarto grau. Para o ano seria o último ano para ter o curso médio de música, mas a encarregada de educação não sabe se vai acontecer. “Provavelmente significa que vai interromper os estudos musicais, e era a última coisa que eu queria, porque é o último ano. É absurdo”.
A Academia de Amadores de Música vê a sua continuidade ameaçada pelo despejo das suas atuais instalações, na Rua Nova da Trindade. A sociedade imobiliária dona do imóvel, que comprou uma parte da massa falida do Grupo Espírito Santo, vendeu todos os outros espaços que detinha naquele edifício. Sem interesse por parte do governo e da Câmara Municipal de Lisboa, não há soluções à vista para uma instituição centenária da cultura de Lisboa.
A petição que foi entregue esta quinta-feira com mais de 8.000 assinaturas na Assembleia da República apela à necessidade de uma resposta para a continuação do espaço, e admite que “se a Academia de Amadores de Música não tiver o problema das instalações rapidamente resolvido, não se antevê como poderá assegurar o ensino da música no letivo de 2025-2026 aos 320 alunos que frequentam atualmente a Academia”.
“Temos de lutar para a academia salvar”, seriam habitualmente as palavras de ordem, mas desta vez são cantadas pelo coro de alunos da Academia. Eventualmente, trocam o cântico para cantar “Acordai”, de Fernando Lopes Graça. Entre esses alunos estão as filhas de Cláudia Borges, estudantes no primeiro e no terceiro grau. A encarregada de educação tem acompanhado a luta pela sobrevivência da Academia desde o início e está hoje na manifestação em solidariedade.
As suas filhas correm o mesmo risco que o filho de Susana. Sem o próximo ano letivo assegurado, as alunas poderão ter de abandonar o seu percurso de ensino musical a meio. “Continuo com uma esperança de que se consiga resolver as coisas, mas está tudo em risco”, explica. “As crianças estão empenhadas em seguir este percurso artístico, é preciso ponderar o risco de perder esse trabalho”.
Cláudia considera “triste” que “uma entidade tão antiga e com tanto peso na cultura portuguesa esteja em risco de se perder por não ter os apoios que deveria ter das entidades políticas”. Sublinha também o facto de a Academia de Amadores de Música estar há 140 anos no centro da cidade e de ter “um peso histórico” incontornável. “Este empurrar para fora do coração da cidade faz pensar um bocadinho para onde é que estamos a levar as nossas raízes e a cultura portuguesa”.
Foi pela solidariedade de encarregados de educação como Cláudia e Susana que se lançou a petição que agora é entregue na Assembleia da República. Quem explica isso é Maria João Abreu, que já fez parte da direção administrativa e já foi administradora pedagógica da Academia. Trabalha lá há trinta anos e neste momento é professora.
Maria João considera a situação “muito difícil e muito urgente”. Aproveita para lembrar que é uma instituição sem fins lucrativos, uma associação cultural com a medalha de mérito cultural. “Passaram por lá nomes muito importantes do nosso panorama musical como Carlos Bica e Maria João Pires”, diz.
“Há muito tempo que batalhamos com o problema das instalações. A nossa renda foi aumentada sete vezes, de 600 para 3.000 euros”, lamenta. “Até agora ainda não temos uma solução da Câmara Municipal de Lisboa, do ministério da Educação e do ministério da Cultura”.
A Academia vai ter de sair em julho de 2025 e está em risco de não conseguir abrir o próximo ano letivo. “Estão em risco 300 alunos mas também 40 professores e funcionários”, afirma a professora. “A Academia faz parte da vida da cidade, num sítio onde está também o Centro Nacional da Cultura, o Teatro da Trindade, o Teatro S. Carlos e estava o Conservatório. Fazemos parte de um círculo de cultura musical e de cultura no geral”.
Bloco condena desvalorização da cultura
Ricardo Moreira, vereador em substituição pelo Bloco de Esquerda na Câmara Municipal de Lisboa, esteve presente na manifestação, onde defendeu que “a solução pode ser simples”, que “a Câmara ajude a pagar a renda da Academia de Amadores de Música”.
“A Câmara apoia a WebSummit, apoia o festival Tribeca, porque é que não pode ajudar os alunos da cidade de Lisboa?”, interrogou. Ricardo Moreira lamentou que a Academia tenha de abandonar o edifício que ocupa há muitos anos.
Sobre o papel atual da Câmara Municipal, lembrou que “Carlos Moedas pediu ajuda ao governo para arranjar uma solução, disse que tinha uma solução que afinal não era uma solução, era um conflito com uma junta de freguesia”.
Também o líder da bancada parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, esteve presente na manifestação. Falando aos órgãos de comunicação, o deputado à Assembleia da República frisou a “necessidade encontrar uma solução”.
“A reflexão que temos de fazer é que cidades é que estamos a construir em Portugal”, disse. “Esperamos que quando a petição for agendada o problema já esteja resolvido. Isto só pode ser tratado como uma emergência pelo ministério da Cultura, pelo ministério da Educação e pela Câmara Municipal de Lisboa”.
O dirigente bloquista frisou que “a Academia de Amadores de Música não pode desaparecer”, porque se desaparecer, “desaparece uma parte da cidade de Lisboa, uma parte da nossa história, uma parte da cultura e da música portuguesa”.