Entrevista

Manon Aubry: “Existe uma coligação já estruturada da direita e da extrema-direita”

07 de maio 2025 - 17:38

Em entrevista ao Esquerda.net, a eurodeputada da França Insubmissa Manon Aubry fala sobre os processos de aliança entre a direita tradicional e a extrema-direita na União Europeia, sobre a influência de Trump e a resposta da esquerda.

porDaniel Moura Borges

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Manon Aubry
Manon Aubry. Fotografia de Gabriela Carvalho

Na semana passada, o partido de extrema-direita no Reino Unido venceu as eleições autárquicas, ficando à frente do Partido Trabalhista. Na Roménia, a extrema-direita também venceu a primeira volta das eleições presidenciais. Nos Estados Unidos das América, Donald Trump aproveita o seu segundo mandato para aprofundar a política de desigualdade.

Em entrevista ao Esquerda.net, Manon Aubry, eurodeputada da França Insubmissa, fala sobre a aliança entre a direita e a extrema-direita na Europa, a influência de Trump e a forma como a esquerda se pode organizar para vencer.


Não só na União Europeia, mas em toda a Europa - como o provam as eleições autárquicas no Reino Unido - a extrema-direita continua a crescer. Como é que as instituições da UE estão preparadas para enfrentar este crescimento? 

A realidade é que não só as instituições da União Europeia não estão preparadas para combater a ascensão da extrema-direita, como fazem parte do problema. Basta olhar para a Comissão Europeia. Von der Leyen, que conta com o apoio de Meloni, prefere fazer acordos com Orbán do que com a esquerda, e essa é a realidade. Isso tem consequências na agenda política da Comissão, porque a prioridade número um é a chamada concorrência. E, para isso, estão a fazer uma aliança de facto entre a direita e a extrema-direita. E a extrema-direita adora fronteiras, exceto quando têm de as derrubar entre a direita e a extrema-direita. Essa fronteira já foi derrubada no Parlamento Europeu, já foi derrubada nas instituições da União Europeia, já foi derrubada em vários países. Em Itália, na Finlândia, na Suécia. Nesses países, a direita e a extrema-direita já estão a colaborar entre si. 

Que efeitos é que isso tem a nível da União Europeia em termos de políticas concretas?

Nota-se pela obsessão que a extrema-direita tem, por exemplo, contra os imigrantes. Agora é a obsessão da União Europeia. Estão a elaborar uma nova diretiva sobre o assunto, embora a última diretiva nem sequer tenha sido implementada. E querem tornar ainda mais difíceis as condições para entrar na UE. Mas, ao fazer isso, estão a violar uma série de direitos humanos. O facto de deterem menores longe dos pais, por exemplo. Mas essa colaboração tem consequências nas políticas migratórias, nas políticas climáticas, nas questões sociais. Tem consequências em tudo. E seria ingénuo pensar que não existe diante de nós uma coligação já estruturada formada pela direita e pela extrema-direita. Portanto, ou acordamos agora, ou vamos deixar o comboio passar. 

Como é que o segundo mandato de Trump impacta estas alianças já existentes entre a direita e a extrema-direita na União Europeia e as lideranças europeias?

Poderíamos pensar que a ofensiva de Trump a nível diplomático contra a Gronelândia, ou com a guerra comercial teria pressionado a UE a pensar de forma um pouco mais independente. Mas, em vez disso, a UE está apenas a seguir cegamente os EUA e a chantagem que Donald Trump está a fazer. Está apenas a aceitar as condições de Donald Trump e é muito óbvio que não está a usar as ferramentas que poderia usar. Em vez disso, está a prometer vender mais produtos aos EUA, tornando-nos mais dependentes. O caminho normal teria sido construir a nossa independência. É, de alguma forma, uma oportunidade perdida para a União Europeia construir a sua própria soberania e a sua própria independência. E isso provavelmente tornará a UE ainda mais vulnerável nos próximos anos. 

Ouvi Mélenchon dizer que a esquerda está a perder terreno em muitos sítios, e que a França é uma exceção. Como é que a Aliança da Esquerda Europeia para o Povo e o Planeta (ELA) procura contrariar isso?

Temos várias prioridades. Uma delas é criar uma solidariedade concreta, o que significa que partilhamos boas práticas, partilhamos experiências. Sei que tem sido útil, por exemplo, para a campanha porta-a-porta do Bloco de Esquerda. Fico muito feliz por podermos aprender uns com os outros, com o sucesso de algumas das campanhas porta-a-porta que temos feito. Penso que a solidariedade também funciona na prática. Estive esta semana na Polónia a levar pílulas de aborto, para um país onde o aborto é proibido. Por isso, precisamos de organizar concretamente a solidariedade contra a extrema-direita que está a atacar os nossos direitos. 

De que tipo de organização falas?

Por exemplo, precisamos de fazer – e é algo que quero realmente construir - um observatório da extrema-direita. Tudo o que a extrema-direita está a fazer em toda a União Europeia. Porque seguem padrões semelhantes. São aliados do capital e dos capitalistas. São aliados dos mais ricos, porque os mais ricos sabem que a extrema-direita não quer tributá-los. Mas isto tem de ser estudado, porque se eles conseguem organizar-se, nós também temos de conseguir. Nós, enquanto esquerda europeia, também. E, por último, é obviamente importante apoiarmo-nos mutuamente em campanhas como a que estamos a realizar neste momento com o Bloco.

Daniel Moura Borges
Sobre o/a autor(a)

Daniel Moura Borges

Militante do Bloco de Esquerda.