Nos últimos meses, o debate público tem sido marcado pelo tema da inflação. A subida acentuada do nível geral de preços, que começou com a pandemia mas agravou-se com o início da invasão russa da Ucrânia, está a desestabilizar a maior parte das economias e tem impactos diretos nas nossas carteiras.
A inflação tem-se concentrado sobretudo nos setores da energia e dos bens alimentares. No entanto, há outra área em que a subida dos preços está a ter um enorme impacto: as prestações dos créditos à habitação. Neste caso, o impacto é indireto e menos óbvio, mas os riscos são preocupantes.
Porque é que as prestações das casas estão a subir?
As prestações dos créditos à habitação estão normalmente associadas às taxas Euribor, cuja evolução depende das taxas de juro de referência do Banco Central Europeu (BCE). Ora, a inflação levou o BCE a decidir inverter a política monetária dos últimos anos e começar a aumentar as taxas de juro. Com isso, as taxas Euribor também têm aumentado significativamente: a média da Euribor a 12 meses, o prazo mais utilizado nos empréstimos contratados na última década, subiu de 0,99% em julho para 1,25% em agosto, bem acima dos valores negativos que registava no ano passado.
Evolução no último ano da taxa Euribor a 12 meses.
Como é que isso afeta as nossas carteiras?
Para quem tem empréstimos com taxas de juro variáveis, o impacto já começou a fazer-se sentir e deverá agravar-se nos próximos meses. O jornal Público apresenta um exemplo: um empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos, associado à Euribor a 12 meses acrescida de um spread de 1%, terá um aumento da prestação mensal de 124,37 euros, passando de 448,9 euros para 573,20 euros. Ao todo, o aumento do custo anual é de 1492,44 euros.
As famílias portuguesas são das mais afetadas por este novo cenário, dado o peso que têm os empréstimos com taxa variável no crédito total. Os dados do BCE mostram que, em julho, 68% dos novos empréstimos à habitação em Portugal tinham taxa variável ou taxa fixa apenas no primeiro ano, muito acima da média da Zona Euro (17,9%).
Portugal é o 7º país da Zona Euro onde a taxa variável é mais prevalente, o que deixa as famílias mais vulneráveis à mudança de política do BCE. O mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, publicado em julho pelo Banco de Portugal, nota que “a proporção de empréstimos à habitação com taxa variável é de cerca de 90%” em Portugal. O relatório avisa ainda que “no atual enquadramento macroeconómico e geopolítico, conjugado com a expectável subida das taxas de juro de mercado, a situação financeira dos particulares pode deteriorar-se, aumentando o risco de incumprimento.”
Além disso, o risco da nova política monetária do BCE é o de induzir uma recessão na Zona Euro. Ao aumentar as taxas de juro, o banco central torna o crédito mais caro e, com isso, reduz o consumo, o investimento e o emprego. A própria presidente do BCE, Christine Lagarde, reconheceu-o: “Estamos à espera que a economia abrande substancialmente durante o resto do ano”, prevendo “alguma subida do desemprego”.
Que medidas é que podemos aplicar?
É preciso ter em conta que isto acontece num contexto em que os cinco maiores bancos em Portugal viram os seus lucros aumentar 78% nos primeiros seis meses do ano, tendo também aumentado as comissões bancárias que cobram aos clientes. Na verdade, os bancos lucram com a subida das taxas de juro, uma vez que existe uma diferença cada vez maior entre os juros que cobram pelos empréstimos e os que pagam pelos depósitos.
O Bloco defende que estes lucros devem ser socializados para permitir financiar apoios às famílias. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, do Público/Renascença, Catarina Martins disse que “é possível apoiar as pessoas que têm crédito à habitação através dos próprios lucros excessivos da banca, que teve neste ano e meio lucros de 2800 milhões euros, já depois de pagar todos os impostos. Há aqui uns lucros muito avultados do sistema financeiro que podem e devem reverter para programas que apoiem as famílias com crédito à habitação.”