Nos últimos meses, o debate público tem sido marcado pelo tema da inflação. A subida acentuada do nível geral de preços, que começou com a pandemia mas agravou-se com o início da invasão russa da Ucrânia, está a desestabilizar a maior parte das economias e tem impactos diretos nas nossas carteiras. O principal setor onde a inflação se tem concentrado é o da energia e vale a pena olhar para o que se tem passado.
Porque é que os preços da energia estão a subir?
Os preços da energia já estavam a aumentar de forma acentuada desde o ano passado. Para isso, contribuiu a reabertura gradual das economias após o confinamento e o facto de a oferta de combustíveis ou eletricidade não estar a acompanhar a maior procura. No entanto, a guerra agravou substancialmente esta tendência.
A dependência da União Europeia face às importações de combustíveis fósseis da Rússia é parte importante da explicação: a economia russa era fornecedora de 47% das importações de carvão da UE, 41% das de gás natural e 27% das de petróleo. Com o início da guerra, o avolumar de sanções e a ameaça de um corte de fornecimento por parte do governo de Putin, os preços dos combustíveis como o petróleo ou o gás dispararam nos mercados internacionais.
Além disso, o facto de o mercado energético se encontrar dominado por um conjunto de grandes empresas permite-lhes aproveitar o atual contexto para aumentar as margens de lucro. As principais empresas da energia têm registado lucros astronómicos nos últimos meses. Em Portugal, a Galp viu os seus lucros aumentar 153% nos primeiros seis meses do ano.
Comparação da receita líquida das petrolíferas nos segundos trimestres de 2021 (cinza) e 2022 (preto), em milhares de milhões de dólares.
Como é que isso afeta as nossas carteiras?
A subida dos preços do petróleo fez aumentar os preços de combustíveis como a gasolina e o gasóleo após a pandemia. Apesar de o Governo ter aprovado reduções extraordinárias do ISP (Imposto sobre produtos petrolíferos), os preços continuaram a subir. A Entidade Nacional do Setor Energético (ENSE) tem alertado para o aumento das margens das gasolineiras.
Por outro lado, a escalada dos preços do gás fez disparar as faturas da eletricidade. Isso acontece devido à estrutura do mercado da energia, explicada aqui. Na prática, o preço do gás influencia o preço que pagamos pela eletricidade proveniente não apenas de gás, mas também de outras fontes, como as energias renováveis. Esse cenário permitiu a empresas como a EDP acumular enormes ganhos.
Em resumo, as faturas da luz e do gás no mercado liberalizado têm aumentado substancialmente, ao mesmo tempo que subiram os preços que pagamos pela gasolina ou pelo gasóleo nas bombas. Num contexto em que os salários continuam praticamente estagnados, a perda de poder de compra está a atingir a maioria dos trabalhadores e pensionistas.
Que medidas é que podemos aplicar?
A tributação dos lucros extraordinários registados no setor é uma medida que permite repor alguma justiça social. Num contexto em que a maioria das pessoas está a perder poder de compra e as contas da luz ou do gás estão cada vez mais caras, é justo que as grandes empresas que estão a lucrar com a crise sejam chamadas a contribuir. As receitas podem ser utilizadas para financiar apoios e aumentos salariais. Além disso, a possibilidade de as famílias regressarem ao mercado regulado do gás é positiva, mas insuficiente. O controlo de preços deve ser equacionado, sobretudo no que diz respeito a consumos essenciais.