A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, admitiu esta semana que será necessário proceder a “uma intervenção de emergência e uma reforma estrutural” no mercado europeu da energia, estando convocada uma cimeira extraordinária do Conselho Europeu para o próximo dia 9 de setembro. O motivo para esta urgência prende-se com os preços da energia, que dispararam desde o início da guerra e têm constituído um foco de dificuldades para a maioria das famílias e das micro, pequenas e médias empresas.
“Os preços da eletricidade em alta estão a expor as limitações da atual configuração do nosso mercado de eletricidades, desenvolvido para diferentes circunstâncias”, disse Von der Leyen, que reconheceu que "precisamos de um novo modelo no mercado de eletricidade que realmente funcione” e sublinhou ainda a necessidade de “acabar com a dependência de combustíveis fósseis russos”.
Como funciona o mercado da energia?
O mercado energético funciona com base na lógica dos custos marginais de produção. No mercado grossista, as empresas produtoras apresentam a sua oferta de eletricidade e o preço de venda para cada hora do da, em função da procura prevista. As várias ofertas são ordenadas, do preço mais baixo até ao mais alto, e vão sendo adjudicadas até cobrir a procura. O ponto de equilíbrio determina a fatura da eletricidade.
As energias renováveis fixam um preço muito baixo porque têm custos operacionais muito baixos e querem garantir que a sua oferta é escoada, pelo que o preço em cada momento é normalmente determinado pelas outras fontes de energia. Num artigo publicado no Esquerda.Net, Miguel Heleno, investigador em sistemas de energia, explica de forma resumida o que está em causa: “No mercado diário de eletricidade, o que dita o preço é a última central a ser despachada. Isto significa que, em algumas horas do dia, quando há sol e vento, são tipicamente as barragens as últimas a ser despachadas, o que faz com que todos paguemos o preço da eletricidade ao custo da produção hidroelétrica. Porém, noutras horas do dia, se for necessário que alguma central de ciclo combinado entre no sistema, toda a eletricidade é paga ao preço do gás natural.”
Ou seja, “mesmo que haja 95% de produção renovável barata e só 5% de gás natural caro no sistema, é o combustível fóssil que dita o preço da energia”, como explica Miguel Heleno. A invasão russa da Ucrânia acentuou este problema, uma vez que a União Europeia se encontra muito dependente dos combustíveis fósseis russos, cujos preços dispararam em resultado da guerra e das sanções. Como o preço de mercado da eletricidade é muitas vezes ditado pelo gás, como explicado acima, as faturas dispararam.
Mudanças de fundo só no próximo ano
A Comissão Europeia nunca quis alterar as regras deste jogo, usando o argumento de que o sistema gerava maiores lucros para as energias renováveis e incentivaria a aposta na sua produção, mesmo que o mercado tenha falhado neste objetivo.
Embora a Comissão Europeia se prepare para apresentar uma proposta nas próximas semanas, as mudanças de fundo deverão ser deixadas para uma fase posterior. A informação foi avançada pelo porta-voz principal da Comissão, Eric Mamer, que explicou que a instituição “está a trabalhar em duas questões diferentes: uma intervenção de emergência a fim de aliviar algumas das questões que surgiram no setor da energia tendo em conta a agressão da Rússia contra a Ucrânia e as perturbações nos fornecimentos à Europa e o efeito que isso teve nos preços e na Europa, em particular nos preços do gás e, portanto, também nos preços da eletricidade e, em segundo lugar, uma reforma mais estrutural do modelo de mercado da eletricidade”.
Alguns meios de comunicação avançam a possibilidade de a proposta inicial incluir medidas como a imposição de limites aos preços da eletricidade (limitando as receitas dos produtores) e a definição de orientações comuns para a tributação dos lucros extraordinários das grandes empresas. A medida, defendida pelo Bloco apesar das críticas do centro e da direita, já tinha sido incluída no pacote de instrumentos que a Comissão recomendou aos países da União Europeia em março deste ano.
No entanto, não parece ainda haver vontade para alterar a estrutura do mercado energético, sendo que as decisões sobre esta matéria já foram adiadas para o início do próximo ano. A aposta dos líderes europeus parece continuar a ser a de estabelecer metas de poupança de gás natural que não resolvem os problemas de fundo. Para a eurodeputada Marisa Matias, “a Comissão Europeia está disposta a considerar instrumentos de emergência, como o racionamento obrigatório de energia, mas recusa-se a considerar a energia como um direito e a proteger as pessoas de lógicas de mercado ineficazes e perigosas”.