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Portugal e Espanha opõem-se ao plano europeu de racionamento de gás

Esta quarta-feira a Comissão Europeia avançou com um pacote de racionamento energético intitulado “poupar gás para um inverno seguro”. O planeamento de uma redução concertada, primeiro voluntária e depois obrigatória, era expectável. Os últimos meses têm sido marcados por sucessivas ameaças de corte de fornecimento de gás pela Rússia, e mais recentemente receava-se, ainda que não se tenha verificado, que a intervenção no gasoduto NordStream fosse aproveitada por Moscovo para estancar por completo o abastecimento.
A Comissão propõe um Plano Europeu de Redução da Procura de Gás que fornece aos Estados-Membros linhas gerais de atuação na sua poupança e cria um novo regulamento com o intuito de reduzir a utilização de gás na UE em 15% até à próxima primavera. Estima que estas medidas podem conter impactos económicos equivalentes até 4% do PIB. Por oposição, se nenhuma medida for posta em ação, prevê que o bloco comunitário possa perder até 1,5% do PIB se o inverno for severo.
No entanto, pelo impacto económico que uma poupança no gás implica, os Estados-Membros têm sensibilidades diferentes. Por exemplo, para a Polónia, com maior capacidade de armazenagem de gás suficiente para o inverno, ou países como Portugal e Espanha, menos dependentes do gás russo, a posição face a um corte obrigatório no consumo é mais delicada.
"Somos contra a imposição de metas de redução obrigatórias. O mecanismo de solidariedade não deve levar a uma redução na segurança energética de nenhum estado membro", defendeu a ministra polaca do Clima, Anna Moskwa, antes do anúncio da proposta.
O que a Comissão propõe
O Plano avançado pela Comissão assenta em três princípios orientadores: substituição, solidariedade e poupanças. Primeiro, está em causa o alargamento das alternativas de fontes energéticas. Ainda que dê primazia a fontes de energia renováveis, a Comissão sublinha a necessidade temporária de utilizar combustíveis fósseis, como o carvão. Para além disso, e seguindo a linha do que vários Estados-Membros têm estado a fazer, sublinha a compra (conjunta) de gás ou GNL a outros países fornecedores, como os EUA, Noruega, Azerbaijão, Catar, Egito, Israel e Argélia.
Segundo, destaca a necessidade de ser uma atuação concertada. Independentemente da especificidade energética nacional, todos os países devem reduzir o seu consumo para que os restantes possam aceder ao excedente criado, não tendo necessidade da dependência russa. Para tal, insiste ainda na criação de mais infraestruturas de transporte de gás.
Por fim, avança com linhas orientadoras para fomentar a poupança, com a ideia de que todos os setores, incluindo os agregados familiares, repensem o seu consumo e como podem conter o desperdício. As sugestões vão desde campanhas de sensibilização aos consumidores até instrumentos de mercado que compensem as indústrias que de forma voluntária utilizem menos gás.
Segundo a Comissão, o objetivo é “salvaguardar o fornecimento aos agregados familiares e utilizadores essenciais como hospitais, mas também indústrias que são decisivas para o fornecimento de produtos e serviços essenciais para a economia e para as cadeias de fornecimento e competitividade da UE”.
Por sua vez, o novo regulamento prevê que, caso seja declarado situação de emergência, os Estados-Membros são obrigados a reduzir o consumo de gás a nível nacional em 15% (face à média entre 2017 e 2021) entre 1 de agosto e 31 de março. A ideia é aumentar o nível de armazenamento europeu e criar uma almofada de segurança para situações de emergência.
A Comissão tinha já o poder de declarar uma situação de emergência através do regulamento existente relativo à segurança do aprovisionamento de gás prevê três níveis nacionais de crise - alerta precoce, alerta e emergência. O alerta da União “pode ser desencadeado quando existe um risco substancial de uma grave escassez de gás ou de uma procura de gás excecionalmente elevada”.
Nesta situação, e segundo o novo regulamento, exige-se que “os Estados-membros atualizem os seus planos de emergência nacionais até ao final de setembro para mostrar como tencionam cumprir o objetivo de redução, e devem informar a Comissão sobre os progressos realizados de dois em dois meses”.
A Esquerda no Parlamento Europeu critica proposta
Como reação à comunicação da Comissão, o grupo parlamentar A Esquerda criticou a linha tomada por continuar a negligenciar a vulnerabilidade dos agregados familiares e não avançar com medidas de controlo de preços.
A eurodeputada Marisa Matias reagiu defendendo que “A Comissão Europeia está disposta a considerar instrumentos de emergência, como o racionamento obrigatório de energia, mas recusa-se a considerar a energia como um direito e a proteger as pessoas de lógicas de mercado ineficazes e perigosas”.
Já na conferência Power to the People, organizada pelo grupo a 17 de maio, os oradores convidados tinham levantado pontos importantes, como as decisões de construção de infraestruturas de transporte de gás e GNL serem decididas pelo próprio lóbi da indústria, ou a viabilidade de redução de dependência do gás russo através de fontes limpas de energia e medidas de eficiência energética, sem necessidade de mais investimento em infraestruturas de transporte de gás e utilização de carvão.
Para além disso, a Comissão refere no prelúdio da sua proposta que “a transição para a energia limpa e a segurança do abastecimento vão de mãos dadas”. Sublinha que o pacote Fit-for-55 elimina progressivamente a dependência de combustíveis fósseis e reduz o consumo global de energia da UE através do aumento da eficiência energética”. No entanto, o movimento ambiental e A Esquerda, foram bastante críticos do seu resultado final, votado recente e parcialmente no Parlamento Europeu, com especial foco na revisão do mercado de carbono.
Ainda nesta linha, vale a pena mencionar o parco orçamento alocado ao chamado Fundo Social Climático, desenhado para financiar medidas na área da pobreza energética, como investimento renovação do parque habitacional, aumento do acesso a transportes públicas, apoios diretos às famílias, etc. A Comissão sublinha a importância do aquecimento em casa como uma das potenciais fontes de poupança dos consumidores, sem mencionar a falta de investimento nesse sentido.
Alemanha apela a solidariedade, Portugal e Espanha recusam plano
A Alemanha conta com a solidariedade dos países menos dependentes do gás russo, mas Portugal e Espanha já recusaram a implementação da proposta da Comissão.
A ministra espanhola para a Transição Ecológica, Teresa Ribera, recusou a ideia: “A nossa solidariedade seria muito mais útil se podermos usar as nossas infraestruturas para levar gás ao resto dos europeus”, acrescentando “Não podemos assumir um sacrifício desproporcionado sobre o qual nem nos pediram opinião prévia”.
No governo português, João Galamba, secretário de Estado do Ambiente e da Energia, expressou a mesma visão “Toda a lógica do racionamento solidário pressupõe sistemas interligados e parece que a Comissão Europeia se esqueceu dessa realidade”. Considera caricato que “um país que foi prejudicado anos e anos por não ter interligações”, e que “teve de comprar sempre o gás mais caro”, seja agora “chamado a um mecanismo de solidariedade que pressupõe interligações”.
Para além disso, menciona que, “ao contrário dos franceses, holandeses ou alemães”, os portugueses não têm um mecanismo muito fácil para reduzir consumos “que é baixar o termóstato”, até porque o consumo doméstico representa menos de 10% do total.
O Plano da Comissão será discutido no Conselho de Energia da União Europeia da próxima terça-feira.
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