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Power to the People: Conferência discutiu alternativas ao modelo energético

O grupo da Esquerda no Parlamento Europeu organizou esta terça-feira uma conferência para debater alternativas ao modelo energético atual, no âmbito da sua campanha "Power to the People".
Foto The Left/Flickr

Esta terça-feira realizou-se em Bruxelas uma conferência organizada pelo grupo parlamentar The Left (A Esquerda) para debater em várias frentes o modelo energético atual, as suas falhas, alternativas e possíveis modos de organização popular. A discussão dividiu-se em três painéis: o que está de errado com o nosso modelo de energia, como pôr um fim à chantagem pelo consumo de gás (russo) e como alcançar um modelo de energia mais justo e adequado. O grupo está empenhado na construção desta campanha há meses, sendo este um dos vários eventos produzidos. 

O primeiro painel centrou-se no desequilíbrio de forças entre os grandes grupos produtores de energia e os consumidores finais. Por um lado, Pascoe Sabido, investigador e membro da Corporate Europe Observatory (CEO), abordou o lóbi da indústria fóssil, e em particular do gás, junto da Comissão Europeia. 

UE apoiou gasodutos após anexação da Crimeia

Deu o exemplo paradigmático da Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão de Gás (ENTSO-G, na sigla em inglês), cujo papel é avaliar as necessidades de gás da UE e propor projetos de infraestruturas. A partir de 2014, com a anexação da Crimeia, a UE apoiou gasodutos com o Azerbaijão e terminais de GLP para abastecer gás dos EUA. No entanto, as mesmas empresas que construíram essas infraestruturas, como a Snam, a GRTgaz, Fluxys, Enagás e National Grid, fazem parte da ENTSO-G. No total, entre 2013 e 2020, a UE gastou 4,5 mil milhões de euros em 44 novos projetos deste género e 90% destes foi canalizado para empresas membro desta. 

O outro lado da moeda é o crescente fenómeno de pobreza energética. A UE estima que 35 milhões de pessoas não conseguem manter a sua habitação devidamente aquecida durante o inverno. Nesta linha, Josep Babot Barbero, membro da Alianza contra la pobreza energética, partilhou a sua experiência na promoção de assembleias populares em que as famílias vulneráveis podem discutir e relatar as suas situações concretas. A ideia é um afastamento de um modelo assistencialista - não se pode regular pobreza energética sem a participação ativa das famílias. Demarcou ainda que a transição energética não pode ser feita a todo o custo. Por exemplo, uma política pública de promoção da eficiência energética do parque habitacional terá que proteger os residentes de possíveis despejos ou aumento de rendas como consequência da valorização do património.  

É preciso garantir independência de qualquer fornecimento de gás

A eurodeputada Cornelia Ernst, do Die Linke alemão, abriu o mote à segunda ronda do debate frisando que a esquerda tem de defender a independência de qualquer fornecimento de gás e fontes de energia fóssil, não apenas face à Rússia. Deu como dois exemplos os projetos de gás aprovados na lista de projetos de interesse comum da Comissão Europeia e recentemente a taxonomia ter sido revista de forma a considerar o nuclear e o gás fontes de energia verdes.

Raphael Hanoteauxm, membro da E3G, apresentou as conclusões de um relatório recentemente produzido que estuda como alcançar a independência do gás russo até 2025. Sublinha três pontos: dois terços dessas importações podem ser substituídas através de fontes limpas de energia e medidas de eficiência energética, não são necessárias mais infraestruturas de transporte de gás e a utilização de carvão não precisa de ser estendida como alternativa. 

Lóbi europeu do gás não apoia corte à importações russas

Barnaby Pace, da Global Witness, explicou como os principais grupos do lóbi do gás não apoiam o corte às importações russas.  A Eurogas, associação de empresas de produção e distribuição, conta com a presença da Sociedade Russa de Gás e a Gas Infrastructure Europe inclui várias subsidiárias da Gazprom Germania e da Astora, ambas ligadas à gigante estatal russa Gazprom. 

No último painel, Vera Weghman, investigadora na Greenwich University, apresentou o relatório da Public Services International Research Unit sobre os efeitos da liberalização do setor energético nas últimas décadas. A partir dos anos 1990, a UE promoveu a abertura ao mercado defendendo que terminaria os oligopólios estatais, aumentaria a concorrência e diminuiria assim os preços. Cada Estado-Membro entrou neste processo em vagas e escalas diferentes. No entanto, não se verificou uma descida dos preços, os oligopólios estatais desapareceram, mas para dar lugar a oligopólios privados, e houve uma perda de emprego significativa nestes setores.  

Portugal aparece com especial enfoque por, juntamente com o Reino Unido, ter a sua rede de distribuição de eletricidade completamente privatizada. Na maior parte dos países europeus esta é pública ou está em regime de parceria público-privada. No caso português deve-se a uma exigência da troika em 2011.  

A investigadora defendeu a produção descentralizada para melhor aproveitar os recursos locais, promover emprego e evitar desperdício no transporte. Sublinhou que para isso é essencial a detenção pública da rede. 

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