Já se esperava que o Banco Central Europeu (BCE) voltasse a subir as taxas de juro após a reunião que estava marcada para ontem (quinta-feira). Mas o ritmo da subida apanhou vários economistas e analistas de surpresa: o banco central anunciou um aumento das taxas de juro de referência de 0,75 pontos percentuais, a maior subida deste século.
É o segundo aumento das taxas de juro por parte do BCE nos últimos meses, depois de já o ter feito em julho. Com esta decisão, a taxa de depósito – isto é, aquela que é paga aos bancos comerciais pelos depósitos que têm no banco central – subiu de 0% para 0,75% e atingiu o valor mais alto da última década.
Depois de uma década de juros muito baixos, que facilitaram a obtenção de crédito por parte das famílias e das empresas, a política monetária inverteu-se. E não deverá ficar por aqui: no comunicado do banco central, pode ler-se que “nas próximas reuniões o Conselho do BCE espera continuar a aumentar as taxas de juro para abrandar a procura e proteger contra o risco de uma tendência de subida persistente nas expectativas de inflação”.
Como é que o BCE quer reduzir a inflação através dos juros?
A subida das taxas de juro, que tem sido levada a cabo pelos bancos centrais um pouco por todo o mundo, é apresentada como uma medida de combate à inflação. O raciocínio é o de que, para travar a subida dos preços, é necessário reduzir a procura na economia. Ao aumentar as taxas de juro, encarece-se o crédito, levando a uma diminuição do consumo e do investimento. O resultado é uma quebra da atividade económica e do emprego, o que eventualmente reduzirá a pressão sobre os preços.
Esta ideia parte do princípio de que a inflação é provocada por um “excesso” de procura face a uma oferta que não a consegue acompanhar. Se todas as pessoas quiserem consumir mais, mas não houver mais produtos para todas, a tendência é a de que os preços aumentem. No entanto, podemos dizer que é isso que se verifica atualmente?
A inflação tem estado sobretudo concentrada na energia e nos bens alimentares. Nestes setores, o problema não é a procura, mas sim a oferta: as disrupções causadas pela guerra na Ucrânia, as sanções e contra-sanções aprovadas pelos países e o clima de enorme incerteza fizeram disparar os preços de matérias-primas como o petróleo, o gás, o trigo ou os fertilizantes utilizados na produção agrícola. Reduzir a procura não resolverá o problema. A própria presidente do BCE, Christine Lagarde, disse-o em abril: “Se eu aumentar as taxas de juro, isso não vai reduzir os preços da energia”. E ontem reafirmou que, “se a causa é predominantemente da oferta e dos preços da energia que continuam a disparar, isso é um trabalho para outros”. No entanto, o banco central está a seguir esse rumo.
Que impactos é que a decisão tem na maioria das carteiras?
A decisão do BCE tem um impacto direto nas carteiras de muitas famílias, uma vez que as taxas de juro de referência influenciam a evolução das taxas Euribor, afetando as prestações dos créditos à habitação. Nos últimos meses, a subida das Euribor já tem feito aumentar as prestações da habitação e o cenário pode agravar-se.
Mas o risco da nova política monetária do BCE é o de induzir uma recessão na Zona Euro. Ao comprimir a procura, reduzindo o consumo e o investimento, a subida das taxas de juro afeta a atividade económica e o emprego. Mais uma vez a própria presidente do BCE reconheceu-o: “Estamos à espera que a economia abrande substancialmente durante o resto do ano”, prevendo “alguma subida do desemprego”. Apesar disso, os riscos de provocar uma nova recessão não parecem impedir o banco central de se preparar para mais aumentos das taxas de juro nos próximos tempos.