Nos últimos meses, o debate público tem sido marcado pelo tema da inflação. A subida acentuada do nível geral de preços, que começou com a pandemia mas agravou-se com o início da invasão russa da Ucrânia, está a desestabilizar a maior parte das economias e tem impactos diretos nas nossas carteiras. Um dos setores mais afetados por isso é o dos bens alimentares, refletindo-se nas contas do supermercado. Vale a pena perceber porquê.
Porque é que os preços dos alimentos estão a subir?
Há mais do que um fator que explica o aumento dos preços no setor dos bens alimentares. O mais óbvio é o da guerra: a disrupção provocada pelo início do conflito está a afetar bastante a produção de alimentos e a sua distribuição nos mercados internacionais. Isso acontece porque a Rússia e a Ucrânia são dois dos principais exportadores de cereais como o trigo (que é incorporado em diversos outros alimentos, como o pão) e de fertilizantes utilizados na produção agrícola. Com a guerra, as cadeias de distribuição destes produtos foram extremamente afetadas.
Os países mais prejudicados são os do Sul Global, por serem os mais dependentes destas importações para satisfazer as necessidades da população. Em 2020, os principais importadores destes produtos eram o Egito, a Turquia, o Bangladesh, a Indonésia, o Paquistão e o Iémen. Foi isso que levou António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, a concentrar os seus esforços na resolução do embargo aos bens alimentares. Em agosto, Guterres visitou o porto de Odessa, no sul da Ucrânia, e apelou não apenas à libertação dos cereais e fertilizantes produzidos no país, defendendo também a possibilidade de alimentos russos acederem aos mercados globais fora de sanções. “Sem fertilizantes em 2022, pode não haver comida suficiente em 2023”, afirmou.
Além do impacto da guerra, há outro fator que influencia os preços dos alimentos: o poder de mercado dos grandes supermercados. O facto de o setor do retalho ser dominado por um pequeno conjunto de grandes empresas permite-lhes aproveitar a inflação para fixar preços muito elevados e aumentar as margens.
É isso que tem acontecido em Portugal nos últimos meses. Só nos primeiros seis meses de 2022, a Jerónimo Martins (dona do Pingo Doce) viu os seus lucros aumentar em 40% face ao mesmo período do ano anterior, ao passo que a Sonae (dona do Continente) teve um aumento dos lucros de 89%.
Como é que isso se reflete na nossa carteira?
A transmissão destas variações de preços internacionais para os preços que os consumidores pagam não é linear e depende do tipo de produtos em questão. No entanto, se olharmos para a evolução dos preços dos produtos normalmente consumidos nos supermercados, já é possível ver uma subida acentuada nos últimos meses.
De acordo com os dados mais recentes do INE, o preço dos óleos alimentares aumentou 36,2% entre fevereiro e agosto deste ano. As carnes de aves estão 25,1% mais caras e a carne de porco 23,4% mais cara. As frutas registaram uma subida dos preços de 13,7%, os produtos de padaria, bolachas e biscoitos custam mais 12,5% e o leite, queijo e ovos ficaram 10,3% mais caros. Também o pão (8,8%) e o peixe (8,7%) encareceram significativamente desde o início da guerra.
Isto significa que estamos a pagar mais pelo que consumimos, apesar dos salários não estarem a acompanhar. Os gastos nos supermercados também cresceram face ao ano passado: totalizam quase 6 mil milhões de euros nos primeiros sete meses do ano, um aumento de 5,8% face ao mesmo período do ano anterior. Só em julho, as vendas no retalho alimentar subiram 12,9%, muito por culpa da subida dos preços.
Que medidas é que podíamos aplicar?
A tributação dos lucros extraordinários registados no setor é uma medida que permite repor alguma justiça social. Num contexto em que a maioria das pessoas está a perder poder de compra e as contas do supermercado estão cada vez mais caras, é justo que as grandes empresas que estão a lucrar com a crise sejam chamadas a contribuir. As receitas podem ser utilizadas para financiar apoios e aumentos salariais.
A regulação dos preços também é uma medida a ser discutida. Em Espanha, a ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, propôs a limitação dos preços para um cabaz de bens alimentares essenciais. Tendo em conta o poder de mercado das grandes cadeias de distribuição, que pagam preços baixos aos pequenos produtores e cobram preços mais elevados nos supermercados, a regulação pública serve para travar preços especulativos e proteger o poder de compra das pessoas.