A União Europeia está a usar o seu orçamento para ajuda ao desenvolvimento para externalizar o controlo da migração a países africanos. Esta é a principal conclusão de um relatório da Oxfam, ao revelar que seis das 16 atividades identificadas pela ONG dedicadas a questões migratórias na Tunísia, Líbia e Niger "infringem potencialmente as normas sobre ajuda ao desenvolvimento". As atividades em causa representam 600 milhões de euros dos cerca de mil milhões de euros do total de fundos analisados.
Ao financiar atividades que põem obstáculos à migração em vez de apoiar vias de migração segura e regular ou projetos que potenciem o crescimento económico através da migração, a UE pode estar a infringir as normas internacionais que regem a ajuda ao desenvolvimento. Por exemplo, a OCDE determina que "as atividades que negligenciam os direitos das pessoas deslocadas e dos migrantes não podem ser consideradas ajuda ao desenvolvimento", aponta a Oxfam.
"O orçamento europeu para a ajuda ao desenvolvimento já é escasso. Mas a UE gasta cada vez mais esse dinheiro para travar o fluxo de migrantes e continuar a construir a Europa Fortaleza" em vez de os usar para a sua verdadeira finalidade, que é travar a pobreza, explica Cristina Fernández-Durán, especialista em assuntos migratórios da Oxfam Intermon.
No caso do Niger, apenas uma das oito atividades analisadas apoia a migração segura e regular. Na Líbia, nenhuma das ajudas destinadas a questões migratórias serve para apoiar essa migração segura para a Europa. A UE ajuda a comprar embarcações e treino para a guarda costeira líbia que interceta as pessoas migrantes no mar e as traz de volta ao país e depois usa os fundos de ajuda ao desenvolvimento para evacuar essas pessoas que ali são vítimas de inúmeras violações dos direitos humanos.
Na ausência de vias de migração regular, o deserto entre o Niger e a Líbia faz parte das rotas mais perigosas para as pessoas migrantes. As autoridades que controlam a região serão responsáveis por mais 60% dos abusos físicos contra mulheres migrantes. "Mas apesar deste péssimo historial em matéria de direitos humanos, a UE está a destinar fundo de ajuda ao desenvolvimento para essas autoridades", denuncia Anissa Thabet, Coordenadora de Mobilidade Humana da Oxfam para o Norte de África.
O diretor da Oxfam Níger, Konate Papa Sosthène, diz que as políticas da UE no país "estão a provocar uma crise humanitária na fronteira com a Argélia". Enquanto o financiamento europeu serve para travar as pessoas que querem chegar à Europa, a pobreza extrema no país afetava 4 em cada 10 pessoas em 2021, aponta.
A falta de transparência na utilização destes fundos é outra das preocupações da Oxfam. "O Parlamento Europeu devia ter acesso a essa informação e garantir que cada euro do orçamento de ajuda ao desenvolvimento da UE se gasta corretamente", defende Cristina Fernández-Durán, concluindo que esse dinheiro devia servir para o que foi destinado: acabar com a pobreza.