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Exploração de imigrantes: Bloco reuniu denúncias e entregou queixa à PGR

Catarina Martins entregou uma queixa ao Ministério Público a partir de denúncias recolhidas sobretudo na recente vaga de imigração timorense. Relatos mostram como os angariadores praticam abusos dos direitos humanos e laborais destas pessoas com a cumplicidade das empresas agrícolas que os empregam.
Catarina Martins à saída da Procuradoria Geral da República. Foto Miguel A. Lopes/Lusa

Catarina Martins foi esta terça-feira à Procuradoria Geral da República entregar uma queixa sobre os abusos laborais e de direitos humanos que sofrem muitos imigrantes que chegam a Portugal e ficam na mão dos angariadores que vendem a sua força de trabalho a grandes explorações agrícolas.

"Temos recebido um enorme número de denúncias de situações que não só são de quebra absoluta das regras do trbalho em Portugal, mas até dos mais básicos princípios dos direitos humanos". E foram essas denúncias compiladas pelos ativistas do Bloco na área da imigração que deram origem a esta queixa. Os relatos mostram como "as maiores empresas agrícolas do sul do país - gigantes nacionais e multinacionais - recorrem de forma reiterada em épocas de pico a angariadores de mão de obra que não cumprem o básico dos direitos humanos e dos direitos do trabalho a que o nosso país obriga", explicou Catarina Martins aos jornalistas.

"Tivemos acesso a dezenas de contratos de trabalho que preveem horários de trabalho acima de 60 horas, em que não é pago o mínimo que é previsto por lei, em que não há nenhuma pausa semanal", mas também de "situações em que as pessoas lhes veem retirado à cabeça o pagamento que era suposto receberem para pagar o alojamento onde são obrigadas a ficar e que têm condições infrahumanas" ou de quem fica sem os seus documentos "porque os documentos ficam nas mãos dos angariadores".

"Não basta dizer que as coisas estão mal, é preciso que haja investigação", sublinhou Catarina. Por essa razão, "sem prejuízo do trabalho que fazemos no Parlamento para garantir que politicamente se responde a esta situação, achámos que devíamos trazer todos os dados para que o Ministério Púbico possa fazer o seu trabalho".

As denúncias recolhidas dizem respeito sobretudo a casos ligados à vaga de imigração mais recente vinda de Timor-Leste, "até porque permite identificar angariadores que eventualmente não estariam antes noutros casos que já foram denunciados para podermos contribuir com eventuais dados novos para o trabalho do Ministério Público e da justiça portuguesa", prosseguiu a coordenadora do Bloco, acrescentando que entre as denúncias recolhidas "há casos que mostram o enraizamento que esses angariadores e essas práticas vão tendo ao longo dos anos e em várias comunidades, e há novos angariadores que aparecem com novas vagas de imigração".

Além da responsabilizaçao criminal dos angariadores por estes abusos, Catarina Martins apontou também o dedo às grandes empresas de agricultura que "são objetivamente cúmplices ou vivem objetivamente do trabalho de angariadores de mão de obra que não cumprem a lei. E isto é um fenómeno que atinge milhares de pessoas e que não pode continuar impune. Tudo o que sabemos entregámos à Procuradoria Geral da República".

Questionada sobre a evolução das respostas a situações como a de Odemira, que ganhou projeção pública durante a pandemia, Catarina respondeu que há muito por fazer e que é necessário "pensar se tem sentido a forma como as instituições portuguesas, das forças de segurança às repartições de finanças e ao SEF lidam quotidianamente com estas pessoas quando elas se sentem inseguras em fazer valer os seus direitos". Muitas vezes "a agressividade das instituições faz com que as pessoas migrantes não tenham coragem de denunciar elas próprias estas situações", lamenta.

"Achar que é normal alojar pessoas em contentores, fechar os olhos à quantidade de pessoas que vêm trabalhar em momentos de pico e não ter nenhuma resposta sobre como é que cá chegam e onde vão viver é uma irresponsabilidade política", defendeu a coordenadora bloquista, chamando a atenção para as zonas do Alentejo que viram a população aumentar quer sazonalmente quer em permanência. Nestas zonas, além de habitação digna são precisos serviços públicos que atualmente, "das escolas aos centros de saúde, não têm capacidade para responder" à procura.

“Há um claro padrão de violação de elementares direitos de trabalhadores em situação de fragilidade”

Na queixa endereçada à Procuradora-Geral da República, o Bloco de Esquerda denuncia “factos relativos a alegadas irregularidades e ilegalidades levadas a cabo por empresas que operam em Portugal na contratação e/ou angariação de mão de obra imigrante, bem como práticas que poderão constituir violações de Direitos Humanos”.

No documento, é referida a forma como grandes empresas de agricultura intensiva utilizam mão de obra imigrante fornecida por angariadores, sobretudo no pico das campanhas. Estes últimos praticam todo o tipo de abusos, fugindo facilmente às suas responsabilidades.

Na queixa são ainda relatados os esquemas a que as empresas utilizadoras recorrem para evitar a aplicação da regra legal da responsabilidade solidária, que impõe a prévia condenação da empresa angariadora (com trânsito em julgado) como condição necessária para a sua responsabilização criminal e financeira. “Perante uma ação fiscalizadora e policial, as empresas utilizadoras têm todo o interesse em facilitar a fuga dos angariadores para os países de origem (muitas vezes fora da UE e/ou com os quais não há acordos de extradição)”, escreve o Bloco.

O partido descreve as ilegalidades praticadas pelas empresas, que passam, por exemplo, pelo pagamento das “horas trabalhadas”. Ou seja, qualquer que seja o valor mensal estabelecido no contrato (quando este existe), a remuneração final fica quase sempre aquém do salário mínimo. Ou ainda pelo alojamento de trabalhadores em condições desumanas ou em casas/contentores de sua propriedade ou de terceiros, deduzindo das remunerações, à cabeça, 100/150 euros mensais e expulsando as pessoas quando o trabalho acaba.

No documento são igualmente elencadas práticas respeitantes à obtenção de documentos oficiais para os trabalhadores imigrantes, como por exemplo o número de identificação fiscal (NIF), ou à submissão junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da manifestação de interesse com vista à obtenção de título de residência. As empresas angariadoras cobram elevados valores pelos documentos, sem declarar estas transações, e, em alguns casos, não chegam a entregá-los. No caso da manifestação de interesse, capturam os dados de acesso ao processo individual, o que, além de ilegal, prejudica gravemente os imigrantes, que perdem o acesso aos seus processos e às convocatórias e comunicações do SEF.

No processo de obtenção de NIF, são indicadas moradas potencialmente falsas junto das autoridades portuguesas. Segundo foi relatado ao Bloco de Esquerda, várias das empresas angariadoras apresentam a mesma morada fiscal, morada essa que é também, muitas vezes, indicada aos serviços da Segurança Social e do SEF como endereço do trabalhador. Além de anúncios que circulam na internet, existem igualmente relatos que indiciam que as empresas angariadoras são dispensadas, sem que se perceba porquê, das regras gerais do agendamento prévio impostas aos cidadãos. Em algumas situações, não é possível ainda confirmar a presença e/ou a autorização do imigrante para efeitos de obtenção de NIF.

O Bloco dá ainda conta de várias irregularidades e ilegalidades contratuais detetadas no setor agrícola, em contratos celebrados com trabalhadores imigrantes de origem timorense. O partido enfatiza a existência de “um claro padrão de violação de elementares direitos de trabalhadores em situação de fragilidade”. Ao que “acrescem as condições desumanas em que muitos destes trabalhadores são albergados, entre outras violações de direitos humanos”.

PCP quer ouvir ACT, SEF e Segurança Social sobre situação dos imigrantes

Duante as suas jornadas parlamentares esta terça-feira em Beja, o PCP anunciou que vai requerer uma audição parlamentar com a ACT, o SEF e a Segurança Social sobre a situação dos imigrantes em Portugal, considerando que se está a viver uma “realidade desumana” no país.

Os deputados comunistas encontraram-se com a Cáritas de Beja , cujo presidente, Isaurindo Oliveira, disse à agência Lusa que a instituição recebe mais de mil pessoas por ano, destacando os “problemas sociais, de emprego, de alimentação”, aos quais a Cáritas está com dificuldades em dar resposta, por não ter “alimentos para dar”.

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