Desde maio de 2023, existe uma “presunção de laboralidade” para reconhecer um contrato de trabalho aos trabalhadores das plataformas. Acresce que a legislação em vigor estipula, inclusive, que a Autoridade para as Condições do Trabalho deve fazer ações inspetivas e, nos casos em que as empresas não regularizem as situações de incumprimento da lei sinalizadas, o Ministério Público deve avançar para tribunal. É neste contexto que, atualmente, 861 processos estão em apreciação em tribunal, e aguardam desfecho final.
Entretanto, as plataformas digitais Uber Eats, Bolt Food e Glovo pressionam cada vez mais os seus trabalhadores, impondo condições de sobre-exploração.
Em declarações recentes à SIC, o estafeta Hans Donner explica que começa a trabalhar por volta das 6h ou 8h da manhã e que não tem “hora para voltar para casa”. Depois de “três ou quatro horas” de sono, muitas vezes, “volta para a rua porque o dia anterior foi fraco”. Mesmo com uma carga horária elevadíssima, depois de pagar impostos, em alguns meses, o estafeta não chega a amealhar o salário mínimo.
“Não temos como nos defender”, frisa, por sua vez, outro estafeta. Alex Pedroso chega a falar em “trabalho escravo” e lembra que os próprios custos dos combustíveis e dos equipamentos necessários para trabalhar saem dos bolsos de cada um. As plataformas são ainda acusadas de maltratarem os estafetas e de bloquearem as suas contas sem sequer os ouvirem.
É, neste contexto, que, esta próxima sexta-feira, dia 22, os estafetas param em todo o país para exigir um pagamento mínimo de 3 euros por entrega e compensações por cada quilómetro percorrido.
A paralisação, a acontecer entre as das 18h e as 0h, não é inédita em Portugal. No passado dia 21 de fevereiro, os estafetas também exigiram melhores condições de trabalho e remunerações dignas. Numa mobilização que não mereceu o destaque na comunicação social, os trabalhadores bloquearam alguns dos principais pontos de fornecimento, nomeadamente as recolhas em vários McDonald’s das principais cidades do país. As retaliações não se fizeram esperar, com as plataformas a ameaçarem “desativar permanentemente” os trabalhadores, impedindo-os de aceder à aplicação.
E as intimidações para tentar travar a paralisação desta sexta-feira também já se fazem sentir. As empresas estão a incitar os seus “parceiros a denunciar estafetas que violem os termos e condições das plataformas”.
Mas o movimento Estafetas em Luta deixa uma certeza: “Ameaças não vão nos parar, todos juntos pelo direito a livre manifestação”.
Precários Inflexíveis apoiam luta dos estafetas
Numa publicação nas redes sociais, a Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis (PI) escreve que “os estafetas unem as suas vozes em protesto contra um conjunto de condições laborais insustentáveis”.
Os PI defendem que “é imperativo que se estabeleça um padrão de remuneração adequado, para que estes trabalhadores sejam capazes de sustentar uma vida digna, que reflita o esforço físico e mental exigido pelo trabalho e que demonstre a sua valorização no contexto económico atual”.
A força e imprescindibilidade dos trabalhadores das plataformas
Desde há muito que o Bloco de Esquerda se bate pelo reconhecimento do direito ao contrato de trabalho com as plataformas e colocou o PS sob fogo, expondo as contradições entre as posições dos socialistas no Parlamento e no Conselho Europeus e as suas posições a nível nacional.
Num artigo de opinião publicado no Expresso, “Uma greve de quem não pode fazer greve”, o deputado bloquista José Soeiro congratula esta nova mobilização dos estafetas.
“Nos lugares da maior exploração, há sempre formas de resistência. Onde se forja o despotismo digital, inventam-se também solidariedades. Nos mecanismos de maior desconstrução das proteções coletivas do trabalho, há sempre uma força dos de baixo que encontra os seus modos de emergir. Se o mundo digital continua a depender do trabalho vivo, este encontra também as formas de demonstrar a sua força e imprescindibilidade”, escreve José Soeiro.