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O longo pavor do PS perante o lóbi das plataformas digitais

A primeira posição do PS sobre a regulação da atividade de plataformas como a Uber, a Glovo ou a Bolt, foi apresentada na versão inicial da Agenda do Trabalho Digno em outubro de 2021, replicando a presunção de laboralidade proposta pelo Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, uma série extensa de indícios para facilitar o reconhecimento do contrato de trabalho com as plataformas digitais. Essa proposta não previa a figura do intermediário. No trabalho em plataformas digitais, o intermediário é uma empresa - muitas vezes a própria unipessoal do estafeta - que assume o vínculo ao trabalhador e assim liberta a plataforma de qualquer responsabilidade laboral e contributiva.
Em junho de 2022, quando entregou no parlamento a proposta de lei da Agenda, o Governo desfigurou os indícios de laboralidade inicialmente previstos, reescrevendo a proposta original e introduzindo nela (sob aplauso das multinacionais do setor) a figura do intermediário.
Em setembro, o grupo parlamentar do PS propôs uma alteração à proposta do Governo que, mantendo o intermediário, melhorava parcialmente os indícios e introduzia a responsabilidade solidária entre “operadores intermédios” e plataformas - as segunda teriam que responder também por eventuais abusos cometidos pelos primeiros. O Bloco colocou o PS sob fogo, expondo as contradições entre as posições dos socialistas no Parlamento e no Conselho Europeus e as suas posições a nível nacional.
O PS acabou por entregar, a 15 de dezembro de 2022, uma nova proposta (a quarta versão para o mesmo tema), em que mitiga a presença do intermediário, sublinhando que a relação laboral é, em princípio, com a plataforma e clarificando que, caso esta alegue haver um intermediário, terá de ser um tribunal a decidir qual é, afinal, o empregador.
Bloco consegue incluir TVDE na presunção de laboralidade, clarificar direitos e intervenção da ACT
Depois de adiamentos, foram votadas e aprovadas três propostas importantes do Bloco. A primeira, alarga ao regime dos TVDE a presunção de contrato de trabalho entre plataforma e trabalhador, frustrando assim os esforços dos operadores intermediários que (com a Autoridade de Mobilidade e Transportes do seu lado) tinham defendido que a nova "presunção de laboralidade" não se aplicaria ao sector, por este obedecer a uma lei específica.
Foi aprovada também uma proposta do Bloco que clarifica direitos resultantes do reconhecimento do contrato: acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho e igualdade e não discriminação.
Finalmente, uma vez que a aplicação desta presunção e o reconhecimento do contrato dependem da iniciativa do trabalhador ou da inspeção do trabalho, no primeiro ano de vigência da nova lei será realizada uma campanha extraordinária da Autoridade para as Condições de Trabalho, que pode acionar o reconhecimento do contrato no setor das plataformas digitais. Ao fim de um ano, a ACT terá de apresentar um relatório, a discutir publicamente, com número de inspeções realizadas e contratos celebrados.
O PS rejeitou várias outras propostas do Bloco sobre este tema, incluindo a que obrigava as plataformas a terem um espaço físico em Portugal, para atendimento público e com pelo menos um trabalhador para esse efeito.
Avanço na presunção de contratos com a plataforma, com manutenção mitigada de operador intermédio
O Bloco votou a favor de todos os números do artigo em causa que previam o contrato de trabalho com a plataforma e votou contra os pontos que mencionavam o intermediário. A direita e o PCP votaram inicialmente contra todas as normas que procuravam regular o trabalho em plataformas, argumentando, em ambos os casos, que a lei existente é suficiente para regular esta nova forma de prestação de trabalho. Nesta perspetiva, bastaria a presunção de laboralidade já prevista no art. 12.º do Código do Trabalho. Mas é sabido que as plataformas escapam facilmente a esses indícios pré-digitais e é por isso que, na realidade, não há contratos. O PSD, além de querer manter a lei atual sem alterações, invocou a necessidade de aguardar pela diretiva europeia antes de qualquer alteração à lei portuguesa. O Bloco opôs-se a estes dois argumentos.
No início de fevereiro, a proposta de Diretiva Europeia sobre esta matéria foi aprovada no Parlamento Europeu, tendo o voto favorável de toda a esquerda europeia. Na verificação final dos votos no parlamento português, o PCP solicitou a alteração do seu sentido de voto, deixando o voto contra e passando a abster-se nas normas relativas às plataformas.
Empregadores passam a ter de informar trabalhadores sobre uso de algoritmos e inteligência artificial
Foi aprovada uma proposta do Bloco que prevê o dever de informação, por parte do empregador, sobre “os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisão sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional”. Além do Bloco, teve os voto favorável do PS, o voto contra do PCP e a abstenção do PSD. O PCP argumentou ser “contra os algoritmos”, embora depois viesse a mudar o sentido de voto para abstenção, relativamente à inclusão desta norma nos artigos relativos a CT e sindicatos. Ora, é evidente que só pode cumprir-se o direito de informação das organizações dos trabalhadores sobre os algoritmos se houver dever de informação por parte do empregador.
Empresas terão de informar Comissões de Trabalhadores e consultar sindicatos sobre algoritmos
Foi aprovada, assim, a proposta do Bloco que prevê a inclusão, no direito à informação das comissões de trabalhadores (art. 424.º), os “parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial”, que são crescentemente usados na distribuição da atividade e até na manutenção ou não do emprego. PS votou a favor e PCP e o PSD abstiveram-se. Uma redação no mesmo sentido foi ainda incluída, por proposta do PS, no art. 466.º do Código, relativo à "Informação e consulta de delegado sindical”. Assim, os sindicatos passam a ter de ser obrigatoriamente consultados também nestas matérias da gestão algorítmica da atividade. A proposta foi aprovada com voto a favor do PS e Bloco e abstenção do PSD e do PCP.
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