Espanha quer dar à Mauritânia um quinhão do negócio de externalização de fronteiras

05 de fevereiro 2024 - 17:10

Europa continua a financiar os países de origem e de trânsito para delegar-lhes o controlo das fronteiras o mais longe possível do território europeu. E não tem qualquer pudor em negociar com governos conhecidos pelas violações dos direitos humanos a que sujeitam migrantes.

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Sara Prestianni, storie migranti.

Nos últimos três meses, o número de canoas a sair da Mauritânia em direção às Ilhas Canárias cresceu exponencialmente. Entre as mais de 6.000 pessoas que chegaram a estas ilhas no primeiro mês do ano, 83% tinham saído do país do noroeste africano. Nos primeiros dez meses de 2023, as autoridades espanholas presentes na Mauritânia terão evitado a chegada de, pelo menos, 7.000 migrantes às ilhas. Isto de acordo com o ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol. Espanha apoia a guarda costeira mauritana há mais de uma década com subsídios anuais, o último dos quais de 10 milhões de euros.

Neste contexto, a grande prioridade de Pedro Sánchez passa por conter ainda mais o fluxo de migrantes, delegando essa tarefa ao país do noroeste africano. E é exatamente por isso que o presidente espanhol visitará a Mauritânia acompanhado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, numa viagem em que o investimento em segurança, combate ao terrorismo e imigração irregular estarão em primeiro plano.

Fontes comunitárias, citadas pelo El País, avançam que Bruxelas está a preparar uma dotação de cerca de 200 milhões de euros para ajudar Nouackchott no controlo das costas e na gestão das centenas de milhares de migrantes e refugiados que vivem no país. O campo de Mbera, perto da fronteira, já conta com cerca de 100 mil pessoas, muito acima da sua capacidade, e estima-se que, nos últimos meses, tenham chegado ao país entre 50 mil e 60 mil pessoas, nomeadamente fugidas da guerra no Mali. Oficialmente, a Mauritânia acolhe cerca de 150 mil refugiados e requerentes de asilo. Tendo em conta que a dotação da União Europeia (UE) para combater a imigração “irregular” na Mauritânia foi de 12,5 milhões de euros para o período 2022-2027, estes fundos 200 milhões de euros representam um patamar completamente novo de financiamento.

A Mauritânia já teve oportunidade de apresentar o seu caderno de encargos no passado dia 11 de dezembro, numa reunião em Bruxelas. As despesas estimadas dizem respeito, sobretudo, a equipamentos e tecnologia para o controlo fronteiriço. E o país conta adquirir um estatuto mais próximo daquele que a Tunísia já conquistou. Ou seja, basicamente, reivindica um quinhão do negócio florescente da externalização de fronteiras.

Os países do Espaço Schengen têm aumentado a sua aposta em acordos bilaterais que permitam responsabilizar países externos pelo seu “trabalho sujo”. Exemplo disso é o acordo bilateral assinado com a Turquia em 2016, num valor total de 6 mil milhões de euros. E a UE tem vindo a deixar claro que quer continuar a seguir este caminho, firmando parcerias com países de origem e trânsito que possam servir de “tampão” à entrada de imigrantes no Espaço Schengen, e identificando “países seguros” para “despejar” imigrantes.

Em junho do ano passado, a Tunísia, principal ponto de partida das dezenas de milhares de migrantes que chegaram a Itália, também recebeu a visita de Von der Leyen, acompanhada por Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana. Após a viagem, foi anunciado um pacote de 1.000 milhões de euros para a recuperação financeira do país, no qual há uma dotação de 150 milhões exclusivamente para a imigração. Em contrapartida, as autoridades tunisinas são chamadas a apertar o controlo sobre as suas costas.

Outros milhões são despejados, para o mesmo efeito, na Líbia e Marrocos. Portanto, os negócios são firmados, sem pudor, com países conhecidos pelas violações dos direitos humanos a que sujeitam os migrantes. Agora é a Mauritânia, também conhecida pela detenção e expulsão sumária de migrantes.

“Não é a forma de enfrentar o problema, é um caminho aberto à chantagem. Quando querem dinheiro, abrem a torneira [para a saída dos migrantes]. Temos que procurar outras soluções”, lamenta fonte policial.

Se a UE abre os cordões à bolsa para travar os migrantes e todas as suas pretensões de procurar uma vida melhor, ou até mesmo de sobreviver, o mesmo não acontece quando se trata de financiar a ajuda humanitária.

Em 2023, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) reivindicou 30 milhões de euros para poder garantir o apoio dos migrantes, mas os doadores cobriram apenas dois terços das necessidades. Em 2024, as necessidades dispararam para 41 milhões. Para fazer face à emergência, as Nações Unidas e o Governo da Mauritânia aprovaram um plano de contingência de 11,4 milhões de euros no dia 11 de janeiro.