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Comissão de inquérito aponta caminhos para eliminar rendas excessivas

No fecho dos trabalhos, foi aprovada a maior parte das recomendações feitas pelo deputado bloquista Jorge Costa, com votos do Bloco, PS e PCP. Se cumpridas, essas medidas de governo e alterações legislativas permitirão descer a fatura elétrica ao longo de vários anos.
Foto Marco Verch/Flickr

A Comissão de Inquérito chegou a conclusões claras e recomendações concretas.

1. Ganhos ilegítimos sob os CMEC devem ser devolvidos

A Comissão de Inquérito confirmou que a manutenção do equilíbrio contratual dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) não foi respeitada em diversos pontos da nova legislação, tal como a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) preveniu, logo em 2004, antes da aprovação da lei. A ERSE contabilizou essas vantagens em 510 milhões de euros de rendas excessivas a corrigir.

Recomendação: Continuar a corrigir os ganhos ilegítimos permitidos pela lei dos Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) e a revisão da remuneração pelos CMEC para o período remanescente.


2. EDP tem de pagar para manter Sines

A lei dos CMEC, aprovada pelo governo PSD/CDS em 2004, permitiu a prorrogação da operação da central de Sines pela EDP para além do prazo do contrato original (2017) sem prever qualquer forma de compensação ao Sistema Elétrico Nacional (SEN). Segundo a ERSE, esta prorrogação (admitindo 2025 como prazo) é uma vantagem de 951 milhões de euros para a EDP.

Recomendação: O pagamento da compensação em falta deverá ser negociado com a EDP. Na ausência de acordo satisfatório, são recomendadas vias para impor a recuperação pelo Estado dos valores em causa.


3. Corrigir ganhos excessivos das eólicas

A produção eólica regista em Portugal uma rentabilidade mais elevada do que em países comparáveis. Este excesso de rentabilidade do setor (ou de determinados segmentos do setor) não pôde ser quantificado rigorosamente pela CPI.

Por outro lado, em 2013, o governo PSD/CDS vendeu aos produtores eólicos a opção por um novo sistema de remuneração futura para o período posterior à vigência das tarifas feed-in atualmente em pagamento. Até então, a lei previa cinco anos adicionais de remuneração à tarifa da última central licenciada. O regime de 2013 veio garantir uma remuneração que acompanhará o mercado dentro de uma banda entre os 68€ e os 90€/MWh e por dois anos adicionais. Em troca deste regime, os produtores aceitaram pagar uma “contribuição voluntária” (que totalizará 200 milhões de euros entre 2013 e 2021). A comparação entre os regimes anterior e atual demonstra a grande probabilidade de futuras perdas para o SEN, que atingem centenas de milhões de euros em diversos cenários plausíveis.

Recomendações: Reposição negociada do equilíbrio anterior ao decreto de 2013 com devolução aos produtores das “contribuições voluntárias” que pagaram até hoje. Em caso de recusa à negociação ou falta de um acordo satisfatório, o governo concretiza aqueles objetivos; quanto às vantagens obtidas pelos produtores por efeito dos ganhos de eficiência resultantes da demora da entrada em produção, a ERSE desenhará medidas para a sua recuperação.


4. Recuperar ganhos indevidos da EDP com dívida tarifária

A EDP é a entidade financiadora da dívida tarifária. A partir de 2011, com decisões dos governos Sócrates e Passos Coelho, os consumidores pagaram juros que acompanharam o custo de financiamento da EDP nos momentos de maior adversidade nos mercados financeiros. Porém, não se considerou a posterior evolução positiva dos mercados, o que permitiu à EDP ficar com todos os proveitos da titularização e venda dessa dívida. Estas mais-valias geraram lucros de 198 milhões de euros entre 2008 e 2017.

Recomendação: As mais valias das titularizações de dívida tarifária deverão ser partilhadas entre a EDP e os consumidores, pelo menos em 50/50, incluindo as operações de titularização realizadas no passado. De acordo com relatório, “não tendo sido ilegal, esta apropriação integral pela EDP é indevida e injusta, devendo ser corrigida”.


5. Eliminar subsídio às novas barragens

O mecanismo de garantia de potência, concretizado pelo PS em 2010 sob a justificação da segurança do abastecimento elétrico, nunca correspondeu a uma necessidade real do sistema. Das suas duas componentes, o incentivo à disponibilidade (101 milhões de euros entre 2010 e 2018) foi suspenso em 2018; o incentivo ao investimento (52 milhões de euros) mantém-se em pagamento.  

Recomendações: Terminar o incentivo ao investimento; manter suspensos todos os pagamentos a título de incentivo à disponibilidade, fazendo-os depender, no futuro, das necessidades identificadas pela Redes Energéticas Nacionais (REN) e confirmadas pela ERSE.


6. Redução da remuneração da interruptibilidade

O serviço de interruptibilidade remunera unidades industriais consumidoras de eletricidade em alta e muito alta tensão pela sua disponibilidade para interromper o seu consumo devido a necessidades do sistema. Desde 2010, ano em que o governo PS o incrementou, este serviço nunca foi usado e só recentemente foi submetido a testes, o que levou à eliminação de um conjunto de prestadores. Desde 2010, a remuneração do serviço de interruptibilidade custou aos consumidores 727 milhões de euros.

Recomendações: Imediata adoção de um teto para estes custos, atendendo às reais necessidades do SEN; Redução de custos no curto prazo, com a criação de regime concorrencial, desenhado por escalões de potência interruptível por unidade de consumo; Preparação de um novo quadro para este serviço, redimensionado considerando a integração de novos instrumentos de disponibilidade do lado da procura e da oferta.


Manipulação do mercado de serviços de sistema

Sob o regime CMEC, a EDP abusou da sua posição dominante para maximizar proveitos. Foram identificados ganhos abusivos entre 73 milhões (segundo ERSE e Direcção-Geral de Energia e Geologia) e 140 milhões de euros (Autoridade da Concorrência). O ganho excessivo deverá ser recuperado pelos consumidores, devendo ainda a EDP ser multada pelo ilícito cometido.

Por fim, a Comissão pronunciou-se ainda de forma clara pela defesa da lei, contra as tentativas da EDP de repercutir nas tarifas os seus custos com a tarifa social e com a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (através do “mecanismo de clawback”), bem como pela necessidade de aplicar as definições legais sobre a devolução pelos produtores renováveis de quase 300 milhões de euros de subsídios acumulados indevidamente.


Comissão identificou benefícios dados à REN

O pagamento dos consumidores à REN pela detenção de terrenos do domínio público criou uma rentabilidade de ativos estatais para valorizar a empresa em privatização e, mais tarde, da sua natureza 100% privada. Desde 2006, as rendas pagas à REN por terrenos do domínio público incluem 80 milhões de euros que a ERSE sempre contestou.

Outro privilégio identificado no inquérito foi dado em 2007 aos acionistas da REN (então Estado e EDP privada): em vésperas da privatização parcial da empresa, a REN recebeu a extensão gratuita da concessão da rede de transporte de eletricidade por sete anos adicionais. O valor económico deste benefício não está determinado, podendo, no caso do Estado, ter-se refletido na receita da subsequente privatização e sendo, no caso da EDP, acumulado como mais-valia.

Recomendações: eliminar a remuneração do ativo líquido dos terrenos estabelecida pela portaria 301-A/2013; apurar o valor económico da extensão gratuita do prazo de concessão da REN.


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