EUA

Da OMS ao Infarmed, todos negam associação de Trump entre paracetamol e autismo

24 de setembro 2025 - 10:21

O presidente dos EUA veio fazer uma associação não confirmada pela ciência entre uso do paracetamol na gravidez e autismo. Desde médicos a colégios da especialidade, a farmacêuticas aos reguladores de saúde da UE, britânicos e nacional, a ligação é rejeitada.

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Trump e Robert F. Kennedy no seu anúncio.
Trump e Robert F. Kennedy no seu anúncio. Foto de FRANCIS CHUNG/POOL/EPA.

Donald Trump surgiu esta segunda-feira ao lado do seu secretário da Saúde, o conspiracionista anti-vacinas Robert F. Kennedy, para ligar o consumo de paracetamol na gravidez ao autismo. Começou a sua conferência de imprensa dedicada à saúde a dizer que “o acetaminofeno (princípio ativo do paracetamol) pode associar-se com um risco muito elevado de autismo”. Recomendou assim “firmemente” que as mulheres “limitem o seu uso durante a gravidez a menos que seja necessário do ponto de vista médico, como uma febre muito alta”.

O presidente norte-americano não apresentou quaisquer dados médicos em apoio da sua ideia mas alegou ainda que “o aumento meteórico do autismo” só acontece porque “é algo artificial, algo que estão a tomar”.

E, apesar de ter feito esta associação, também anunciou o lançamento de uma iniciativa de investigação sobre as causas do autismo financiada com mais de 50 milhões de dólares.

Na mesma conferência de imprensa, o diretor da FDA, Administração para a Alimentação e os Medicamentos, o trumpista Marty Makary, anunciou a aprovação da leucovorina, uma variante do ácido fólico que tem sido utilizada medicamente em casos de anemia e alguns cancros, como medicamento que supostamente reduziria os sintomas do autismo. A FDA cita como justificação desta decisão um estudo feito em 40 pacientes que sofrem de um transtorno metabólico raro, a deficiência cerebral de folato. Algumas pessoas autistas sofrem dos sintomas desta doença.

Makary sugere que “o autismo pode ser devido a uma reação auto-imune a um recetor de folato no cérebro que não permite que esta importante vitamina chegue às células cerebrais”.

Muitos na comunidade científica duvidam das conclusões e dizem que devem ser feitos mais estudos. É o caso de Brian Lee, da Universidad Drexel e um dos investigadores que participaram num estudo com 2,5 milhões de bebés suecos durante vinte anos e que descartou a ligação entre paracetamol e autismo. Em declarações citadas pelo El País, o especialista diz que “as provas existentes a favor da leucovorina como tratamento ou alívio dos sintomas autistas são notoriamente prematuras. Apenas houve um punhado de estudos muito pequenos e que apresentam dúvidas metodológicas. Não se deveriam basear recomendações terapêuticas nestes indícios muito preliminares. Faz falta mais investigação”.

Trump também disse que como medida de prevenção defendia o espaçamento de vacinas, outra afirmação sem base científica. Esta enquadra-se na obsessão do seu secretário da Saúde com as vacinas.

Respostas imediatas nos EUA

Ainda antes do anúncio de Trump sobre o autismo já a Kenvue, fabricante do Tylenol, o paracetamol comercializado nos EUA, tinha lançado um comunicado a rejeitar a ideia de que possa haver efeitos nocivos para as grávidas do uso do seu fármaco. Assegura-se que “o acetaminofeno é a opção mais segura para aliviar a dor nas mulheres grávidas em qualquer momento em que o necessitem ao longo da gestão”.

A farmacêutica garante que “sem ele, as mulheres enfrentam opções perigosas: ou sofrer (sem ajuda) sintomas como a febre que são potencialmente nocivos tanto para a mãe como para o bebé, ou recorrer a alternativas que acarretam maiores riscos”.

Também o Colégio Americano de Obstetras e Ginecólogos garante que o Tylenol é seguro tanto para as grávidas quanto para os seus bebés: “não se deve assustar as pacientes grávidas sobre os muitos benefícios do acetaminofeno, que é seguro e uma das poucas opções que as grávidas têm para aliviar a dor”, escreve em comunicado Christopher Zahn, diretor clínico da associação.

OMS, Bruxelas e Infarmed também reagem

Em conferência de imprensa em Genebra, também o porta-voz da Organização Mundial de Saúde, Tarik Jasarevic reagiu às declarações de Trump, salientando que “as provas continuam a ser inconsistentes” relativamente à ligação entre o uso de paracetamol na gravidez e o autismo. Advertiu, porém, que todos os medicamentos devem ser utilizados com precaução durante a gestação e sempre acompanhados dos conselhos de um médico ou outro profissional de saúde.

Jasarevic reagiu ainda à ideia de Trump de espaçamento das vacinas vincando que a OMS propõe um calendário de vacinação infantil baseado em avaliações científicas rigorosas, reivindicando que este permitiu salvar pelo menos 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos. Quando as vacinas são atrasadas ou interrompidas sem uma revisão científica “há um forte aumento do risco de infeção não apenas para a criança mas também para a comunidade em geral”.

A Agência Europeia de Medicamentos comentou igualmente o caso escrevendo que “as provas disponíveis não encontraram nenhuma ligação entre o uso de paracetamol durante a gravidez e o autismo”, assegurando que esta substância deve ser usada quando necessária durante a gravidez e que a política da União Europeia sobre o uso de paracetamol na gravidez não mudou. Até porque as compilações de “um grande número de dados” sobre mulheres que utilizaram paracetamol na gravidez “não mostram risco de malformações no feto nem nos recém-nascidos”. Também o regulador de saúde do Reino Unido veio garantir que o uso do paracetamol é seguro.

Em Portugal, o Infarmed fez o mesmo. À TSF, a diretora de farmaco-vigilância do Infarmed, Márcia Silva, garantiu que “não há nenhum novo risco associado” ao uso da substância durante a gravidez. Os dados disponíveis permitem concluir, afirma, que “não existe evidência que permita estabelecer qualquer relação entre a toma do paracetamol durante a gravidez e autismo ou questões do neurodesenvolvimento em crianças”.

Esclarece ainda que “quando começar a surgir estas questões, a nossa preocupação é sempre transmitir qual é o último e melhor conhecimento científico, para deixar as pessoas descansadas com base em evidências científicas”.

Para além disso, este organismo e o regulador europeu “continuarão a monitorizar a segurança dos medicamentos que contêm paracetamol e a avaliar rapidamente quaisquer novos dados que surjam”.

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