Espanha

Candidato das teorias da conspiração nas redes rouba eleitores ao Vox e elege três eurodeputados

11 de junho 2024 - 14:13

Luis Pérez, conhecido como Alvise Pérez nas redes sociais, foi assessor do Ciudadanos em Valência antes de projetar as suas mensagens racistas e “conspiranóicas” no seu canal de Telegram, que conta com mais de 400 mil seguidores.

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Alvise Pérez a receber o prémio da organização extremista Hazte Oír em 2021
Alvise Pérez a receber o prémio da organização extremista Hazte Oír em 2021. Foto Hazte Oír/Flickr

A grande surpresa da noite eleitoral das europeias espanholas foi o resultado do novo partido Se Acabó La Fiesta, com cerca de 800 mil votos (4,58%) e a eleição de três eurodeputados, ultrapassando partidos como o Podemos e o Junts e ficando pouco atrás da coligação de esquerda Sumar. O surgimento de um partido com um discurso ainda mais extremista à direita contribuiu também para a queda do Vox, que passou de 12,4% nas legislativas do ano passado para 9,6% este domingo.

O Se Acabó La Fiesta (SALF) é um partido unipessoal construído em torno de um influencer da ultradireita espanhola com um discurso anti-migrantes e antifeminista que apela sobretudo aos jovens do sexo masculino, com uma retórica de quem se considera um herói da luta contra a corrupção e o sistema, no qual inclui também o Vox. O seu líder é Luis Pérez, conhecido como Alvise Pérez e que usa desde há anos as redes sociais para espalhar mensagens de ódio, mentiras e desinformação para a sua bolha crescente de seguidores no Telegram, que já são mais de 400 mil.

Nascido em Sevilha em 1990, Pérez entrou na política pela mão dos liberais e tornou-se militante do Ciudadanos, do qual foi assessor no Parlamento valenciano, chegando a chefe de gabinete do ator e deputado Toni Cantó. Já nessa altura eram notícia os seus posts racistas e islamófobos na rede social Twitter, bem como os insultos e mentiras sobre dirigentes políticos da esquerda. O Ciudadanos, que em 2019 elegeu 8 eurodeputados e desapareceu por completo na eleição deste domingo, afirmava que os posts de Alvise Pérez representavam apenas a sua opinião pessoal, mas foi-lhe retirando espaço até ser afastado do cargo.

Em seguida, dedicou-se à comunicação política digital e à colaboração com setores da ultradireita espanhola. Trabalhou em campanhas financiadas pelo Hazte Oír, o ramo espanhol do Citizen Go, organização com financiamento da extrema-direita cristão norte-americana. Entre as ações do grupo, destacaram-se as intimidações a mulheres às portas das clínicas que praticam a interrupção voluntária da gravidez. Alvise Pérez chegou mesmo a receber um prémio em 2021 da Hazte Oír, organização que também esteve ativa nas concentrações pela demissão de Pedro Sánchez.

Pandemia foi o filão para as mentiras e desinformação que lhe deram fama

Algumas das mentiras que publicou nas redes causaram-lhe dissabores na justiça e Pérez não escondeu que o objetivo da sua campanha nestas eleições era conseguir a eleição e dessa forma a imunidade parlamentar que o proteja dos casos que tem pendentes em tribunal. Um deles teve como vítima a ex-alcaldesa de esquerda de Madrid, Manuela Carmena, a quem Pérez acusou durante a pandemia de ter recebido um ventilador pessoal em casa enquanto as pessoas faziam fila à porta dos hospitais. Pela publicação falsa, um tribunal condenou-o a indemnizar a antiga autarca mas Pérez recorreu da decisão.

Ainda durante a pandemia, publicou outra mentira sobre o então ministro da saúde e candidato às eleições catalãs, que se tinha recusado a fazer um teste PCR antes do debate televisivo entre candidatos por não ter sintomas. Pérez publicou um suposto teste positivo de Salvador Illa que afinal era falso, como reconheceu depois em tribunal. Outros casos de mentiras e difamação contra políticos de esquerda deram origem a mais queixas e colocaram Alvise Pérez no topo da lista de candidatos com mais delitos ou escândalos identificados no projeto 'EU Misconduct Investigation’.

Afastado do Twitter por publicar informação falsa e ofensas, as mentiras e desinformação online continuaram a alimentar o seu canal de Telegram, inventando por exemplo uma suposta fraude eleitoral com os votos por correspondência nas eleições do ano passado.

Juntamente com outros influencers da ultradireita, como o líder do Desokupa, foi um dos promotores das manifestações em frente à sede do PSOE reclamando a demissão de Pedro Sánchez no passado mês de novembro. E como costuma acontecer com estas figuras, não perdeu tempo para monetizar a causa, através da venda de merchandising no seu canal aos apoiantes. O negócio rendeu-lhe dinheiro mas também dissabores com a justiça, ao revelar-se que o site onde vendia as t-shirts bandeiras e outros materiais tinha uma falha de segurança que deixava visível a identidade e dados bancários dos compradores. Numa destas manifestações noturnas, Alvise Pérez também foi criticado pelos próprios seguidores por ter ido jantar enquanto a polícia carregava sobre os manifestantes que tinha convocado para o protesto.

As suas mensagens no Telegram, que suscitam sempre milhares de reações, são uma mescla de notícias “que os media não querem que vejas”, embora sejam sempre copiadas das publicações desses mesmos media, com promessas de colocar na prisão o atual primeiro-ministro, os imigrantes, os corruptos, pedófilos e violadores. Além disso, tem publicado também peças de processos judiciais sob segredo de justiça, o que indica alguma ligação ao submundo jurídico-policial espanhol.

Em campanha, à falta de cobertura dos meios de comunicação, Alvise Pérez dirigiu-se à sua “bolha” do Telegram para replicar o discurso discriminatório e recheado de mentiras que lhe trouxe a fama, prometendo também sortear o seu salário de eurodeputado. No último dia fez um comício em Madrid, vestido com o seu merchandising e empunhando um megafone para denunciar o “roubo” dos impostos para o Estado, prometer a prisão de Pedro Sánchez e a deportação ou prisão dos imigrantes e afirmar que a Saúde e Educação em Espanha são as piores da Europa e que os imigrantes vivem melhor que os espanhóis, enquanto se distribuíam os boletins de voto do partido para que os apoiantes os levassem para a mesa de voto e assim evitassem a “manipulação” por parte do Estado.

Melhor votação dos jovens em cidades médias

Nos estudos feitos no dia das europeias sobre a distribuição do voto, verifica-se que apesar de ser superior em zonas com maior desemprego, a votação em Alvise Pérez é homogénea entre os diferentes escalões de rendimento. Por região, o melhor resultado foi na sua terra natal, a Andaluzia, onde foi o quarto maior partido com 6,2%. Os piores resultados foram no País Basco (1,7%), Galiza (2%) e Catalunha (2,8%).

Os municípios com idade média mais jovem e entre 50 mil e 100 mil habitantes deram a este partido votações acima dos 5% e foi nas províncias do Sul que Alvise Pérez obteve o melhor resultado. Também aqui, captou sobretudo o voto dos homens jovens e adultos até aos 44 anos e eleitores do Vox nas últimas legislativas. Os mesmos estudos apontam a correlação entre a subida do SALF e a queda do Vox desde as eleições de julho. Por exemplo em Murcia, o Vox caiu seis pontos, de 21,8% para 15,9% e o SALF obteve 6,6%.