Uma reportagem publicada esta semana no Guardian mostra uma vez mais como a desinformação se transformou também num negócio para burlar os que acreditam nas mais variadas teorias da conspiração. Os autores destas páginas e grupos nas redes sociais dedicam-se sobretudo a explorar os debates que mais dividem a sociedade norte-americana, embora vivam muito longe, em países como o Vietname, Bangladesh ou Roménia.
O último exemplo foi o dos protestos no Canadá contra as restrições aprovadas pelo Governo no combate a pandemia, com os manifestantes a bloquearem a cidade de Otava. O Facebook anunciou ter encerrado dezenas de grupos e páginas com conteúdo relacionado com os protestos, mas não devido ao extremismo ou às teorias de conspiração que propagava. A razão era tratar-se de esquemas lucrativos para os autores, ao publicarem supostas notícias que encaminhavam o seu público para sites recheados de anúncios.
Ouvido pelo Guardian, um especialista do Digital Forensic Research Lab do Atlantic Council confirma que "pode ser um negócio muito lucrativo para pessoas do outro lado do mundo estarem a observar atentamente o ambiente político nos EUA e Canadá e procurarem capitalizar as tendências de cada momento". Emerson Brooking acrescentou que "há muito a lucrar com estas operações" cujo sucesso é medido não por semear a discórdia mas ao maximizar o rendimento publicitário.
Mas além do lucro recolhido pelos autores dos sites, que em termos absolutos pode chegar a alguns milhares de dólares mensais - um montante bem acima do rendimento médio nos países onde vivem - o efeito de propagação do alcance da mensagem torna-se rapidamente num eficaz modo de financiamento das causas que promovem. Mais uma vez, o caso dos protestos de Otava é um bom exemplo, com mais de seis milhões de euros recolhidos através da plataforma GoFundMe, que entretanto decidiu cancelar a recolha e devolver o dinheiro aos doadores. Depressa foi arranjada outra solução: a plataforma GiveSendGo, muito usada por grupos da extrema-direita nos EUA, que em poucos dias recolheu um montante parecido.
Depois do ensaio de Otava, próximo passo é a caravana nos EUA
Esta "caravana da liberdade", cujo bloqueio foi entretanto desmantelado pela polícia, foi organizada por conhecidos conspiracionistas canadianos, mas o financiamento e apoio político vem sobretudo do outro lado da fronteira, com o próprio Donald Trump a exprimir o seu apoio em recentes comícios.
Uma reportagem do portal Grid sobre os grupos no Facebook de apoio aos protestos de Otava descobriu que alguns dos principais eram administrados a partir de uma conta roubada a uma mulher do estado norte-americano do Missouri. Mas também que outros dois dos maiores grupos, que atraíram 170 mil membros em poucos dias, eram geridos por uma empresa de marketing digital no Bangladesh, que apelava ao financiamento através do GiveSendGo.
Quanto a este financiamento vindo sobretudo dos EUA, a análise do Grid aponta que a maior parte das dezenas de milhares de doações são anónimas e de valor abaixo dos cem dólares. Mas há dezenas de doadores que fizeram questão de publicar mensagens associadas a movimentos de extrema-direita e conspiracionistas como o QAnon.
Canais televisivos identificados com a direita norte-americana, como a Fox News, têm dado espaço aos políticos que surgiram em apoio aos protestos canadianos e que apelam mesmo importação do modelo da "caravana da liberdade" para as cidades dos EUA. E uma presença habitual nos últimos dias nos estúdios da Fox News tem sido a de Brian Base, que pretende organizar uma caravana da Califórnia até Washington, com arranque marcado para 4 de março. O grupo de Facebook que criou juntou 130 mil membros, mas foi apagado por violação das regras da plataforma devido a conteúdo associado ao QAnon. Base também quer dar início a recolha de fundos online e o seu grupo apela aos participantes que guardem os recibos do gasóleo para serem reembolsados à chegada.