Uma leitura política dos resultados olímpicos: a evolução da participação portuguesa (3)

25 de agosto 2021 - 19:00
PARTILHAR

Neste terceiro e último artigo, faremos a interpretação da participação portuguesa nos Jogos Olímpicos à luz da evolução política nacional e internacional das primeiras duas décadas deste século. Por Jorge Martins.

Pedro Pichardo ganhou a medalha de ouro do Triplo Salto nos Jogos Olímpicos de Tóquio e Portugal teve a melhor participação de sempre, com quatro medalhas – Foto de Diego Azubel/Epa/Lusa
Pedro Pichardo ganhou a medalha de ouro do Triplo Salto nos Jogos Olímpicos de Tóquio e Portugal teve a melhor participação de sempre, com quatro medalhas – Foto de Diego Azubel/Epa/Lusa

Uma participação razoável em Atenas

A eleição presidencial estadunidense, realizada em novembro de 2000, teve como resultado uma contestadíssima vitória do republicano George W. Bush sobre o vice-presidente democrata Al Gore, após uma dramática recontagem na Flórida, não concluída por decisão do Supremo Tribunal. Em 11 de setembro desse ano, a organização fundamentalista islamita Al-Qaeda leva a efeito vários atentados terroristas em território dos EUA, que provocam o colapso das Torres Gémeas do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque, causando perto de 3000 mortos. Como a organização e o seu líder, Osama bin Laden, estavam baseadas no Afeganistão, então regido pelos talibãs, Bush retalia, invadindo aquele país, com o apoio do Reino Unido. Rapidamente derrubam o regime talibã, com o apoio da oposicionista Aliança do Norte, e procuram capturar o líder da organização. Contudo, o país não se pacifica e os talibãs passam à guerrilha, com ataques frequentes às tropas dos EUA e seus aliados da NATO, que para lá vão após a invasão. E os primeiros anos do século são marcados por vários atentados da Al-Qaeda, em geral espetaculares e geradores de um grande número de vítimas, em vários lugares do mundo.

Mas a sanha guerreira de Bush não se fica por aqui. Em 2003, sob os falsos pretextos de que o Iraque de Saddam Hussein possuía armas de destruição maciça e albergava a Al-Qaeda, invade o país, com o apoio de alguns aliados ocidentais, numa operação totalmente à revelia da ONU e da esmagadora maioria da opinião pública mundial, que, um pouco por todo o lado, se manifesta contra a guerra. Após a deposição do ditador e do seu regime, o país entra num completo caos.

Do ponto de vista económico, destaque para a adesão da China à OMC, em 2001, que terá como consequência o reforço da globalização neoliberal, já que os baixos custos da sua mão de obra tornam os seus produtos bastante competitivos e geram a atração do investimento estrangeiro, com a consequente deslocalização de empresas ocidentais para território chinês.

Os Jogos de 2004 foram, finalmente, marcados para Atenas, onde o ambiente foi bom e a organização esteve, no geral, em plano razoável. Nas medalhas, os EUA voltaram a ter a primazia, seguidos de China, Rússia (os chineses com maior número de títulos que os russos, mas estes com bastante mais pódios, não muito longe dos norte-americanos), Austrália e Japão. A anfitriã Grécia, apesar de obter 16 medalhas (seis das quais de ouro) não repete os êxitos de Coreia do Sul, Espanha e Austrália nessa qualidade, sendo apenas 15ª no quadro final. Para isso, muito terá contribuído o incidente que envolveu os dois grandes favoritos da velocidade grega (Kostas Kenteris e Katerina Thanou) que, na véspera dos Jogos, faltaram a um controlo antidoping, tendo forjado um acidente de moto para justificar a sua ausência.

Em Portugal, o país é abalado, em março de 2001, pela queda da ponte de Entre-os-Rios, que causou quase 60 mortos. No final do ano, o PS sofre uma clara derrota nas autárquicas e Guterres apresenta a demissão do seu governo. É substituído por Ferro Rodrigues, que perde as legislativas antecipadas de 2002 para o PSD de Durão Barroso, que faz um acordo de coligação com o CDS e se torna primeiro-ministro. Em 2003, os Açores servem de ponto de encontro da chamada “cimeira da guerra”, na qual Bush, Blair e Aznar se reúnem para preparar a invasão do Iraque, com Barroso a servir de mordomo. E o país só não entra com tropas devido à oposição do então presidente Jorge Sampaio, pelo que o primeiro-ministro tem de contentar-se em enviar um contingente da GNR. Em meados de 2004, perante a surpresa geral, Durão Barroso aceita o convite para ser presidente da Comissão Europeia e abandona a chefia do governo, sendo substituído por Santana Lopes.

No desporto, a instabilidade governativa deste período não trouxe grandes alterações nas políticas desportivas, mas as federações continuaram a trabalhar, procurando oferecer melhores condições aos seus representantes olímpicos. Contudo, é o futebol que ocupa o essencial das notícias, após Portugal ter sido escolhido como anfitrião do Europeu de 2004. Uma escolha que elevou a autoestima nacional, mas que obrigou à construção ou renovação quase total de 10 dispendiosos estádios. Depois de uma campanha que começou mal, mas que encarreirou a tempo, Portugal perde ingloriamente a final frente à Grécia. Esse foco no Euro 2004 quase fez esquecer a participação olímpica nos Jogos de Atenas, o que até não terá sido assim tão negativo, já que retirou alguma da habitual pressão sobre os atletas.

Com a África a dominar as provas de fundo e, cada vez mais, o meio-fundo, o atletismo português começou a recentrar os seus objetivos. A melhoria das condições de treino permitiu uma aposta nas disciplinas mais técnicas, em especial nos saltos horizontais e na velocidade. Nesta, destaque para Francis Obikwelu, antigo atleta nigeriano de topo, que se fixou no nosso país e adquiriu a nacionalidade portuguesa, em 2001. No ano seguinte, foi vice-campeão europeu dos 100 e 200 metros, pelo que havia esperanças de uma medalha. Depois de um 5º lugar nos 200, Obikwelu obteve a prata nos 100 metros, colocando o record nacional abaixo dos 10 segundos. Por seu turno, nos 1500 metros, Rui Silva conseguiu a medalha de bronze, a última no setor do meio-fundo até ao momento. Mais inesperada e, por isso, bastante saborosa, foi a prata obtida pelo ciclista Sérgio Paulinho na corrida de estrada. A dupla Maia e Brenha acabou eliminada nos oitavos-de-final, mas a maior desilusão veio da seleção masculina de futebol, que ficou em último lugar num grupo com Costa Rica, Marrocos e Iraque. Para os nossos padrões habituais, a participação foi positiva, apenas lhe faltando um título, pois, para além das três medalhas, a nossa delegação obteve mais 10 diplomas olímpicos em diferentes modalidades (três na vela, dois no atletismo e no judo e um na canoagem, no triatlo e na ginástica de trampolim).

Um novo título olímpico em Pequim

Perto do final do ano, Bush é reeleito nos EUA. Apesar da sua tão apregoada “guerra ao terrorismo”, os atentados terroristas vão-se sucedendo, de tempos a tempos, um pouco por todo o mundo. Contudo, é o Iraque, vítima da invasão e subsequente incompetência estadunidense, que se torna num “barril de pólvora”, com uma guerra civil não declarada entre sunitas (apoiantes de Saddam e da Al-Qaeda) e xiitas (que controlam o novo poder).

Ainda no Médio Oriente, em 2005, Israel completa a retirada de Gaza, que, no entanto, continua cercada pelos israelitas. No ano seguinte, os islamitas do Hamas vencem as primeiras eleições livres na Palestina. Pouco depois, o presidente Abbas, da laica Fatah, demite o governo, o que leva a uma divisão entre os palestinianos, com esta última a controlar a Cisjordânia e o movimento islamita Gaza. Entretanto, Israel e o Hezbollah entram em conflito aberto no sul do Líbano, que termina com os israelitas a evacuarem as suas posições no país vizinho.

Na Europa do Leste, destaca-se a “revolução laranja” na Ucrânia, que, em finais de 2004, leva ao poder o pró-ocidental Viktor Yushchenko. Por seu turno, em 2006, um referendo aprova a independência do Montenegro, que, assim, se separa da Sérvia, enquanto, no ano seguinte, o Kosovo declara a sua independência daquela. Apesar de reconhecida pelos EUA e pela grande maioria dos países da UE, a ela se opõem a Rússia e a China, que vetam a sua admissão na ONU. Entretanto, após a tentativa do governo georgiano em recuperar pela força as repúblicas secessionistas da Abcásia e da Ossétia do Sul, a Rússia invade a Geórgia em apoio daquelas, exatamente no momento em que decorria a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim. Com este ato, Putin mostra ao mundo que, após a derrota na “guerra fria”, a Rússia quer voltar ao seu lugar de potência mundial e manter um papel dominante no espaço da ex-URSS.

Na economia, a queda das bolsas, no verão de 2007, na sequência da chamada crise do “subprime”, marca o início de um período de recessão económica mundial, que será denominado por Grande Recessão, a maior crise do sistema capitalista desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado.

A atribuição do Jogos a Pequim é o reconhecimento da crescente importância da China na cena internacional. Após o massacre de Tiananmen, o país sofre um isolamento internacional. Percebendo que tem de reconquistar a população, o regime aposta tudo no crescimento económico, reforçando o processo de modernização capitalista. Com o seu enorme efetivo populacional, dispõe de uma fonte de mão de obra quase inesgotável, permitindo às empresas manter os salários baixos por mais tempo que os países vizinhos que experimentaram esse modelo. Por seu turno, o seu enorme mercado tornou-se extremamente apetecível para as empresas ocidentais, para onde algumas se começam a deslocalizar, aproveitando os baixos custos do trabalho, e rapidamente os governos esquecem Tianamen e as violações dos Direitos Humanos em nome dos negócios. Com a sua entrada na OMC em 2001, o crescimento chinês acelerou-se. Contudo, se esse crescimento gerou uma nova classe média com grande apetite consumista, provocou, igualmente, um grande aumento das desigualdades sociais e territoriais e dos problemas ambientais. Por fim, o regime adotou o nacionalismo como ideologia, algo que saiu reforçado com a recuperação de Hong Kong e Macau, no final do século.

Neste contexto, a China caprichou para mostrar ao mundo o seu novo estatuto de grande potência mundial, algo que ficou claro logo na exuberante cerimónia de abertura. Porém, para evitar protestos e atentados terroristas durante os Jogos, a vigilância sobre os dissidentes foi reforçada e a repressão acentuou-se. Relativamente aos resultados, realce para as oito medalhas de ouro obtidas pelo nadador estadunidense Michael Phelps e para os três títulos do jamaicano Usain Bolt, nos 100 e 200 metros e na estafeta de 4x100 metros do atletismo, com records mundiais nas duas primeiras provas. A China ficou à frente no quadro de medalhas, ao obter 48 títulos olímpicos num total de 100 medalhas, ficando à frente dos EUA, que obtiveram 112, mas apenas 36 de ouro. Seguiram-se, por esta ordem, Rússia, Reino Unido e Alemanha.

Em Portugal, no final de 2004, Sampaio dissolveu a AR e convocou eleições antecipadas, demitindo, na prática, o executivo de Santana Lopes, célebre pelas suas constantes “trapalhadas”. Com um programa centrista, cuja principal proposta era um plano tecnológico, o PS e José Sócrates vencem com maioria absoluta. Rapidamente, o novo primeiro-ministro confirma o seu estilo autoritário, que leva ao descontentamento de várias classes profissionais, com destaque para os professores. De positivo, o programa Simplex, de modernização da administração pública, e a consagração de novos direitos para as pessoas LGBTQI+. Neste período, é, finalmente, legalizada a interrupção voluntária da gravidez, com um novo referendo a reverter o resultado negativo do de 1998.

Na área do desporto, destaque para a aprovação, em 2007, da lei de bases da atividade física e do desporto, que vem ordenar o desporto nas suas várias vertentes (escolar, federado, de lazer e de alto rendimento), bem como os contratos-programa entre o Estado e as federações desportivas.

A participação portuguesa em Pequim saldou-se pela conquista de um novo título olímpico, novamente no atletismo, desta vez no triplo salto, através de Nelson Évora, que confirmou o favoritismo que lhe era atribuído. A esse, acresce a prata de Vanessa Fernandes, no triatlo, também ela, à partida, favorita à conquista de uma medalha. Porém, o número de diplomas decresceu, fixando-se em sete (três na vela, com destaque para o 4º lugar de Gustavo Lima, na classe Laser, um no remo, um no judo, um no taekwondo e um no atletismo). Nesta última modalidade, houve algumas deceções, com Naide Gomes a falhar a passagem à final, quando se esperava que lutasse pelas medalhas, e Obikwelu, já na fase descendente da carreira, a ficar-se pelas meias finais. Também a canoagem e Telma Monteiro, então campeã europeia e vice-campeã mundial de judo, ficam aquém das expectativas.

Canoagem de prata em Londres

Pouco depois do final dos Jogos, o mundo é abalado pela falência do Lehman Brothers, um dos maiores bancos mundiais de investimento, um sintoma da gravidade da crise, que levaria à Grande Recessão, fruto da “economia de casino” gerada por um sistema financeiro em roda livre.

Esta rapidamente se estende à Europa, com a Islândia a declarar bancarrota em 2009, após a falência do seu sistema bancário. Os países da UE não escapam, com a crise a atingir os seus estados periféricos. Em 2010, a Grécia, a braços com uma enorme dívida externa e sem capacidade de se financiar nos mercados, é obrigada a pedir um resgaste à chamada “troika”, constituída por FMI, BCE e Comissão Europeia, que o concede em troca de duríssimas medidas de austeridade. Seguir-se-ão, no final do ano, a Irlanda e, na primavera de 2011, Portugal, obrigados a seguir o mesmo caminho austeritário. Em meados de 2012, a Espanha solicita um resgate bancário. Esses países são obrigados a adotar políticas cada vez mais duras, que “afundam” a sua economia, empobrecendo cada vez mais as populações, em especial a Grécia, onde a situação é mais grave.

Ainda em 2008, ocorre a histórica eleição de Barack Obama, o primeiro negro a chegar à presidência dos EUA, gerando grandes esperanças em todo o mundo.

Em 2011, ocorrem as chamadas “primaveras árabes”. Estas iniciam-se na Tunísia, após a morte de um vendedor de rua que se imolara pelo fogo em sinal de protesto. A revolta popular leva à queda da ditadura de Ben Ali e à instauração de um regime democrático, com a realização de eleições livres para uma Constituinte, que dá a vitória aos islamitas moderados. Segue-se o Egito, onde gigantescas manifestações na Praça Tahir, no Cairo, provocam a queda de Hosni Mubarak e abrem condições para a instauração da democracia. No ano seguinte, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, é eleito presidente, o primeiro chefe de Estado democraticamente eleito na história do país. Noutros países da região, as coisas correm pior. Assim, no Bahrein, uma revolta da maioria xiita contra a monarquia sunita é duramente reprimida e esmagada pela intervenção de tropas sauditas, em apoio da realeza. Por seu turno, na Líbia, Iémen e Síria, o poder resiste e iniciam-se guerras civis nos três estados. No primeiro, o ditador Mohamar Kaddafi é deposto, com os rebeldes a beneficiarem de apoio de forças ocidentais, as quais ultrapassam o mandato concedido pela ONU relativamente à criação de uma zona de exclusão aérea. Porém, o caos instala-se no país, o mesmo sucedendo no Iémen, após o derrube do presidente Saleh. Na Síria, o ditador Assad segura-se no poder, com apoio russo e iraniano, mas também aqui se inicia uma sangrenta guerra civil.

Por seu turno, a situação no Iraque acalma um pouco, após negociações entre os EUA e líderes tribais sunitas, mas o país continua instável. Essa relativa acalmia leva à retirada das tropas invasoras do país, em finais de 2011. Nesse ano, um comando militar estadunidense descobre Osama bin Laden, que se encontrava escondido numa pequena cidade paquistanesa, com o líder da Al-Qaeda a ser morto no tiroteio que se seguiu à tentativa da sua captura.

É nesta conjuntura que decorrem os Jogos Olímpicos de 2012, marcados para Londres. A cerimónia de abertura foi original, misturando história com números de entretenimento, típicos do chamado “humor britânico”, e a organização esteve à altura. Do ponto de vista desportivo, Usain Bolt voltou a dominar as provas de velocidade curta, repetindo os três ouros de Pequim. Destaque ainda para o duplo triunfo de Mo Farah, britânico de origem somali, nos 5.000 e 10.000 metros, para o domínio esmagador dos/as atletas locais no ciclismo e pista e para o velejador Ben Ainslee, que foi prata em Sidney e, a partir daí, obteve quatro medalhas de ouro consecutivas. No quadro de medalhas, os EUA voltaram a ser primeiros, seguidos, cada vez mais perto pela China. O Reino Unido, que preparou muito bem os Jogos, foi o terceiro, com 29 títulos num total de 63 medalhas, à frente da Rússia, que chegou às 66, mas só 20 de ouro.

Em Portugal, Sócrates vence as legislativas de 2009, mas perde a maioria absoluta e forma um governo minoritário. O primeiro-ministro vai-se “afogando” em escândalos e tenta controlar a comunicação social. A crise da dívida grega tem repercussões em toda a zona euro, em especial nos países periféricos, e Portugal é um dos mais atingidos. O executivo vai tomando medidas de austeridade, em pacotes denominados Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC). Os três primeiros são viabilizados pela abstenção do PSD, mas, em 2011, este “chumba” o quarto e Sócrates apresenta a demissão, culpando a esquerda por ter votado contra (algo que esta sempre fizera). Sem financiamento nos mercados, o país acaba por pedir um resgate à “troika”, assinando um memorando de entendimento que impõe duras medidas austeritárias e reformas regressivas nas leis laborais e no sistema de pensões, entre outras. Nas eleições antecipadas, Passos Coelho e o PSD vencem, fazendo uma coligação com o CDS de Paulo Portas e ambos começam a aplicar, com denodo, o programa da “troika”.

A situação económica do país não favorece o desenvolvimento desportivo, em especial devido aos cortes orçamentais que vão sendo levados a efeito desde meados de 2010. Por isso, a participação portuguesa em Londres fica aquém do desejável, sendo um pouco o espelho do país deprimido de então. Valeu-nos o bom desempenho da canoagem, onde a dupla Fernando Pimenta/Emanuel Silva consegue a medalha de prata na prova de K2, 1000 metros, a única obtida pela delegação. A esta juntam-se mais três diplomas no setor feminino, confirmando o bom trabalho que a respetiva federação já vinha desenvolvendo desde os anos 90. Também obtiveram diplomas a equipa masculina de ténis de mesa, eliminada nos quartos-de-final, na “negra”, pelos sul-coreanos e a dupla de remadores, que obteve o 5º lugar na classe de “double sculls”, pesos ligeiros. A estes somam-se mais dois no atletismo feminino, dois na vela e um no tiro, num total de dez. A principal deceção ocorreu no judo, onde Telma Monteiro, a grande esperança de uma medalha, foi eliminada logo no primeiro combate. O atletismo esteve também abaixo do habitual, com a equipa bastante desfalcada, pois Nelson Évora, Francis Obikwelu e Naide Gomes ficaram fora dos Jogos devido a lesões. Por seu turno, após os Jogos de Pequim, Vanessa Fernandes, devido ao “stress” competitivo acumulado, sofreu um “burnout”, do qual não recuperou e que ditou o fim precoce da sua carreira desportiva.

Telma salva prestação razoável no Rio

No final desse ano, Obama é reeleito presidente dos EUA. Já sem as expectativas de quatro anos antes, pouco muda no essencial da política externa, mas dá dois passos bastante importantes: tem a iniciativa de restabelecer as relações diplomáticas com Cuba e consegue um acordo com o Irão, em que este se compromete a não alargar o seu programa nuclear em troca do alívio das sanções.

Entretanto, no Médio Oriente, há um agravamento da situação em vários países. No Egito, o presidente Morsi, islamita moderado, é alvo de contestação e acaba derrubado num golpe militar apoiado por EUA, Arábia Saudita e Israel. O seu líder, general Al-Sisi, assume a presidência e começa uma verdadeira caça aos membros e apoiantes da Irmandade Muçulmana, muitos dos quais são presos e alguns executados. Após a morte de bin Laden, a Al-Qaeda enfraquece, mas, em meados de 2014, surge, no Iraque, um grupo ainda mais temível: o Estado Islâmico ou Daesh. Numa rápida ofensiva, em poucos meses, ganha imenso território, ocupando praticamente todo o oeste e noroeste do país, maioritariamente habitado por sunitas, com destaque para a cidade de Mossul, onde proclama o califado. Em breve, derruba a fronteira com a Síria e passa a controlar a maioria do leste, sul e centro do território desta. Apenas as milícias curdas do norte sírio e do nordeste iraquiano resistem à sua ofensiva. O seu avanço preocupa os atores globais (em especial, os EUA e a Rússia) e locais (Irão, Turquia, curdos, governos sírio e iraquiano) e, apesar de alguns estarem em campos opostos, todos combatem a organização. Contudo, aproveitando o clima de guerra civil igualmente existente na Líbia, aquela consegue implantar-se na zona leste daquele país. Por seu turno, o Daesh leva a efeito, por interpostos atores locais, diversos atentados em várias partes do mundo e choca este com vídeos de decapitações.

Entretanto, no final de 2013, na Ucrânia, milhares de manifestantes pró-ocidentais manifestam-se na praça Maiden, em Kiev, contra o presidente eleito Viktor Yanukovich, pró-russo, após este rejeitar um acordo comercial com a UE. O protesto rapidamente degenera em violência, em especial após a sua infiltração por manifestantes da extrema-direita nacionalista. O presidente acaba por ser destituído pelo Parlamento, no início de 2014, e são convocadas novas eleições. Contudo, a nova administração revela hostilidade face à minoria russa, maioritária no leste e sul do país. É o pretexto para a Rússia anexar unilateralmente a Crimeia, ao mesmo tempo que as regiões de Donetsk e Luhansk, na zona oriental, se autoproclamam repúblicas independentes, com o apoio tácito de Moscovo, que lhes fornece voluntários e armamento para combater a ofensiva do governo de Kiev contra elas. Por fim, é assinado um frágil cessar-fogo, que mantem o conflito “em banho-maria”.

Em 2013, Chipre sofre uma grave crise bancária, que obriga o país a solicitar um resgate à “troika” e esta a estabelecer um invulgar controlo dos movimentos de capitais num país da zona euro. Em 2015, numa Grécia cansada de sucessivos pacotes de austeridade que iam devastando a sua economia e empobrecendo a sua população, o partido de esquerda SYRIZA vence as eleições, com um programa antiausteritário. Perante a chantagem das instituições europeias, o governo organiza um referendo, que sufraga a recusa das medidas de austeridade propostas. Contudo, uma semana depois, o executivo helénico acaba por ceder às exigências da UE e acaba a aceitar tudo o que o povo havia recusado. E, em 2016, vem o choque que abala a Europa, quando, num referendo, o Reino Unido opta por abandonar a UE, originando o que ficou conhecido por Brexit.

O Brasil, escolhido para albergar o Mundial de futebol de 2014 e, no Rio de Janeiro, os Jogos Olímpicos de 2016 entra, igualmente, em convulsão. A histórica eleição de Lula, um ex-operário, líder e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), da esquerda, trouxe grande esperança de uma mudança na sociedade brasileira. O novo presidente mostra-se prudente, mas, beneficiando de uma conjuntura económica favorável, consegue alguns importantes avanços sociais. Contudo, Lula e o PT desiludiram muita gente, ao continuarem com práticas de corrupção e formas de fazer política que antes criticavam, de que é exemplo o “mensalão”, na sequência do qual são presos e condenados ex-ministros e altos dirigentes do partido. Em 2013, estalam as primeiras manifestações em São Paulo, contra o aumento do preço dos transportes. Se, num primeiro momento, são eminentemente populares, rapidamente são apropriadas pela direita, em especial a mais reacionária, que, a pretexto da luta contra a corrupção, começa a exigir a demissão da presidente Dilma Rousseff, que sucedera a Lula, em 2010, e seria reeleita, numa eleição bastante apertada, quatro anos depois. A direita não desarma e, sob um pretexto fútil, consegue que a presidente seja destituída pelo Congresso e substituída pelo seu vice-presidente, Michel Temer, do centro-direita, em 2016. Será ele que inaugurará os Jogos do Rio.

Entretanto, o movimento olímpico vai sendo cada vez mais abalado pelo flagelo do “doping”. No início dos anos 90, é descoberta, nos arquivos da ex-RDA, a existência de um programa estatal de dopagem, que vigorava desde o final dos anos 60 e se prolongou até à reunificação. Se o uso de substâncias dopantes era, igualmente, muito frequente nos outros países do bloco soviético, os atletas ocidentais também não estavam inocentes, de que é trágico exemplo a velocista estadunidense Florence Griffith-Joyner, que obteve marcas “estratosféricas” em Seul e acabaria por falecer subitamente antes de completar 40 anos. Por esse motivo, os controles são cada vez mais apertados, inclusive durante a preparação, tendo os atletas de reportar à Agência Mundial Antidopagem (AMAD) os locais onde vão treinar, podendo vir a ser alvo de vários testes de surpresa. Simultaneamente, o COI decidiu que podia haver controlos “a posteriori”, de forma a detetar substâncias à época indetetáveis. Com essa medida, há atletas que vão perdendo as medalhas conquistadas anteriormente.

Em 2015, rebenta o escândalo, quando um antigo diretor da agência russa antidopagem denuncia a existência de um programa estatal de falsificação de análises, com os serviços secretos (FSB) a substituírem urinas com teste positivo por outras anteriores, limpas. O COI decreta o banimento da Rússia, mas um recurso desta para o TAD permite que esta possa competir nos Jogos do Rio, ficando a decisão ao critério de cada federação internacional. Por esse motivo, no atletismo, compete apenas uma atleta, sendo excluída do halterofilismo, tal como a Bulgária. Noutras modalidades, muitos atletas russos são impedidos de participar, com destaque para o remo, que fica bastante desfalcado.

A organização dos Jogos foi, em geral, positiva, embora tenha havido problemas com os voluntários, obrigados a longas horas de trabalho, o que levou alguns a abandonar os seus postos. De destacar a possibilidade de participação de atletas exilados nas competições, na forma de Equipa Olímpica dos Refugiados, sob a bandeira e hino olímpicos. Desportivamente, a grande figura foi a ginasta estadunidense Simone Biles, que obteve quatro ouros e um bronze na ginástica artística. No atletismo, destaque para Usain Bolt, a obter novamente as suas três habituais medalhas (100 e 200 metros, mais a estafeta jamaicana dos 4x100) em três olimpíadas consecutivas, enquanto a sua compatriota Elaine Thompson vencia as duas primeiras e obtinha a prata naquela estafeta, no setor feminino. Ainda no atletismo, Mo Farah repetiu a dupla nos 5.000 e 10.000 metros, enquanto o Quénia triunfava nas maratonas masculina e feminina. Na natação, Phelps ainda foi buscar mais seis medalhas (cinco ouros e uma prata) e a sua compatriota Katie Ledecky cinco (quatro ouros e uma prata). Os EUA foram, mais uma vez, o país mais medalhado, desta vez de forma clara, à frente de um sensacional Reino Unido, que aproveitou o “balanço” de Londres, da China, de uma Rússia amputada devido ao “doping” e da Alemanha. O Brasil, com 19 medalhas (sete de ouro) foi apenas 13º, mas conseguiu os melhores resultados de sempre nas olimpíadas.

Em Portugal, o governo PSD-CDS ia “além da troika”, com sucessivos cortes de salários e pensões e a implantação de reformas regressivas das leis laborais e da segurança social, entre outras, que geraram contestação popular. Essa “receita” contribuiu para uma profunda recessão económica, responsável pelo aumento das falências e consequente desemprego. Fruto dessas políticas, a emigração dispara, atingindo números nunca vistos após o 25 de Abril, tendo como consequência a saída para o estrangeiro de muitos jovens qualificados. Em finais de 2014, o país é abalado pela falência do BES, mostrando que a crise resultava mais dos desmandos da banca e do setor financeiro que do alegado despesismo do Estado, e, pouco depois, pela prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates, acusado de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Nas eleições de 2015, a coligação de direita é a mais votada, mas sem maioria. António Costa, líder do PS, negoceia acordos parlamentares com os partidos à sua esquerda (BE, PCP e PEV) e forma um governo alternativo. Este, que ficará popularmente conhecido como a “geringonça”, começa a reverter algumas medidas do executivo anterior, permitindo às pessoas recuperar rendimentos e colocar a economia a crescer.

No desporto, os cortes orçamentais afetam também as federações e a preparação olímpica. De positivo, a construção, em vários pontos do território nacional, de vários centros de alto rendimento (CAR) destinados a diferentes modalidades, em grande parte fruto da ação conjugada das federações e das autarquias municipais, e que se juntam ao do Jamor, estatal. Pouco antes dos Jogos, o país vibra com a conquista do título europeu de futebol, obtido em França, com um saboroso triunfo sobre a seleção francesa na final, realizada em Paris.

A participação nacional no Rio de Janeiro, não sendo de todo negativa, apenas foi coroada com uma medalha de bronze, obtida pela judoca Telma Monteiro, na categoria de menos de 57 Kgs. Um prémio para quem há muito a merecia, mas não conseguia traduzir nos Jogos Olímpicos a grande qualidade que mostrava em europeus e mundiais. Tal como em Londres, foram obtidos mais 10 diplomas. Destes, três foram obtidos na canoagem (um 4º lugar por Emanuel Silva e João Ribeiro, no K2, uma dececionante 5ª posição de Fernando Pimenta no K1 e um 6º do K4, todos em 1000 metros), três no atletismo (três 6ºs, de Nelson Évora e Patrícia Mamona, no triplo salto, e de Ana Cabecinha, nos 20 Kms marcha), um sensacional 5º lugar de João Pereira no triatlo, um excelente 7º de Nelson Oliveira, no ciclismo de estrada, contrarrelógio, a que se somam os quartos-de-final atingidos por Marco Freitas, no ténis de mesa, e pela seleção olímpica masculina de futebol. E houve, ainda, algumas classificações interessantes entre as 9ª e 16ª posições. Já a vela, que vinha tendo excelentes prestações, dececionou desta vez.

A melhor participação de sempre em Tóquio

Nas eleições presidenciais de 2016, o milionário e “entertainer” televisivo Donald Trump, candidato republicano, com um discurso populista e apoiado pelos setores mais reacionários do partido e da sociedade vence, inesperadamente, as presidenciais nos EUA. Como se esperava, a sua presidência foi um nunca mais acabar de casos, “trapalhadas” e escândalos a envolvê-lo. Internamente, as suas políticas económicas favoreceram os mais ricos, tentou acabar com o sistema de seguros obrigatórios de saúde, conhecido por Obamacare, e conduziu uma política desumana em matéria de imigração. A nível internacional, para além de romper uma série de acordos bilaterais e multilaterais, desde o assinado com o Irão sobre o nuclear ao acordo climático de Paris, a sua política externa foi, em geral, errática, hostil aos aliados europeus, ambígua face à Rússia e conciliadora com a Coreia do Norte.

O seu triunfo deu alento aos regimes autoritários um pouco por todo o mundo, permitindo que outros da mesma espécie consolidassem o seu poder. Em 2018, no Brasil, após a prisão e condenação ilegal de Lula nos tribunais inferiores, sob acusações de corrupção pouco sustentadas, impedindo-o de ser candidato, Jair Bolsonaro, um obscuro deputado, antigo capitão do exército e defensor da ditadura militar, acaba sendo eleito presidente, com um discurso populista anticorrupção e o apoio das classes dominantes. Por seu turno, na Europa, a extrema-direita cresce um pouco por toda a parte. Contudo, apesar desse crescente autoritarismo, registaram-se revoltas populares em muitos cantos do mundo contra ditaduras empedernidas, fraudes eleitorais e medidas antipopulares, umas com algum êxito, outras nem tanto. Até a França não escapou, com o movimento inorgânico dos “coletes amarelos”, que, durante algum tempo, invadiu as ruas de Paris aos fins de semana. Por seu turno, o assassínio de um cidadão negro por parte de um polícia branco, em 2020, nos EUA, originou distúrbios em várias cidades do país e manifestações antirracistas um pouco pelo mundo fora.

Após ter sido derrotado por Joe Biden, nas presidenciais de 2020, Trump recusou-se a reconhecer a derrota, com falsas alegações de fraude eleitoral, tentando reverter os resultados nos tribunais. Em desespero, mobilizou os seus partidários, que acorreram a Washington e invadiram o Capitólio, quando o Congresso validava a eleição do seu adversário, no que foi, na prática, uma tentativa de golpe de Estado.

No Médio Oriente, a mobilização de várias potências mundiais e locais contra o Estado Islâmico, levou a que este acabasse por perder todos os territórios que havia conquistado no Iraque, na Síria e na Líbia. Sem base territorial e com o seu líder morto, enfraqueceu e os atentados na Europa diminuíram, passando a ser ataques mais pontuais, com uso de facas e da autoria de um ou outro “lobo solitário”. Contudo, em África, mantém-se ativos alguns grupos nele inspirados, sendo a vítima mais recente Moçambique, onde a pobreza e vários interesses económicos levaram a uma insurreição de um grupo de cariz islamita na província de Cabo Delgado, no nordeste do país, provocando grande número de mortos e refugiados.

Mas o acontecimento que vai marcar este tempo é o aparecimento da pandemia da CoViD-19, uma doença grave provocada pelo vírus SARS-CoV-2. Os primeiros casos surgem na China, em finais de 2019 e vão-se propagando a outros países da região e a outros continentes. Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declara uma situação pandémica. Os diferentes países vão tomando várias medidas, que incluem o confinamento de grande parte da população, o que irá provocar uma grave crise económica e social. Os grandes eventos previstos para esse ano, entre os quais os Jogos Olímpicos, marcados para Tóquio, são adiados para o ano seguinte. Com a pandemia a manter-se em 2021, estes acabam por realizar-se na capital japonesa, mas sem a presença de público nas bancadas, apesar de várias manifestações de protesto contra a sua efetivação.

Entretanto, na sequência do escândalo de “doping” que envolveu a Rússia, a AMAD puniu o país com quatro anos de suspensão, podendo os seus atletas não envolvidos participar como independentes. Porém, os russos recorreram para o TAD, que reduziu a pena para dois anos e autorizou os seus atletas a competir, mas sem usar o nome do país, a bandeira ou o hino. A Rússia acabou por participar sob a designação de Comité Olímpico Russo (e a sigla ROC), com a bandeira deste e uma composição de Tchaikovsky como hino.

Com as limitações decorrentes da pandemia, que obrigaram a rigorosas regras de proteção sanitária, os Jogos foram, apesar de tudo, bem organizados e tiveram um bom ambiente. Tendo como mote a igualdade de género, esta foi simbolicamente representada na cerimónia de abertura pela existência de dois porta-bandeiras (um homem e uma mulher) e na realização de provas mistas em algumas modalidades.

Entretanto, registou-se um incidente de natureza política. Após ter criticado os seus técnicos, por a quererem obrigar a participar numa estafeta para a qual não estava inicialmente escalada, a atleta bielorrussa Krystsina Tsimanouskaya foi obrigada a regressar à Bielorrússia. Temendo represálias por parte do regime autoritário de Lukashenko, solicitou asilo político.

Outro incidente muito mediatizado foi o “burnout” que sofreu Simone Biles. Após alguns erros pouco habituais no concurso por equipas, assumiu não estar capaz de lidar com o “stress” competitivo e decidiu competir apenas na trave, apesar de estar qualificada para todas as finais por aparelhos. Apesar disso, ainda levou para casa duas medalhas: a prata da equipa no “all around” e o bronze na trave. A sua atitude contribuiu para destapar um problema que poucos conhecem, mas que já atingiu um número apreciável de atletas.

Entretanto, no atletismo, na prova de salto em altura masculino, face ao empate absoluto que se verificava, dois atletas (um italiano e um qatari) optaram por partilhar a medalha de ouro, evitando o desempate que lhes foi sugerido pelos juízes. Ainda nesta modalidade, na velocidade, não houve Bolt, mas houve Elaine Thompson, atleta jamaicana que venceu os 100 e 200 metros e a estafeta 4x100 metros, com a curiosidade de a Jamaica ter ficado com todo o pódio na primeira. Nas corridas de fundo, foi também do setor feminino que veio a grande figura, a neerlandesa Sifan Hassan, ouro nos 5.000 e 10.000 metros e bronze nos 1.500, isto para além da dupla vitória do Quénia nas maratonas masculina e feminina. Na natação, domínio dos EUA nos homens, com Caeleb Dressel a conquistar cinco ouros, e da Austrália nas mulheres, com destaque para Emma McKeon (quatro ouros e três bronzes). Outra figura dos Jogos foi a neozelandesa Lisa Carrington, que arrebatou três títulos na canoagem. De realçar, também, a final da prova de estrada do “skate” feminino, na qual as duas primeiras (uma japonesa, a vencedora, e uma brasileira) tinham apenas 13 anos, o que levanta a questão da participação de pré-adolescentes nas olimpíadas. No balanço final, os EUA e a China estiveram sempre próximos, com os chineses a levarem vantagem até ao último dia, quando foram ultrapassados pelos estadunidenses (39 títulos contra 38, embora 113-88 no total de medalhas). Seguiu-se o Japão, que preparou bem os Jogos e aproveitou a sua condição de anfitrião para conquistar 27 ouros em 58 pódios, com destaque para o seu domínio no judo, à frente de Reino Unido, de uma Rússia bastante amputada e da Austrália, embora russos e britânicos tenham ficado com um total de medalhas superior aos japoneses.

Em Portugal, o governo da “geringonça” manteve as suas políticas de recuperação de rendimentos e reverteu algumas privatizações, mas não as leis laborais e outras imposições da “troika”. Entretanto, a economia recuperou, em especial graças ao “boom” do turismo e do imobiliário e, pela primeira vez desde a adesão ao euro, em 2019, Portugal cresceu acima da média europeia. Nesse ano, o PS vence as legislativas sem maioria, mas opta por não renovar os acordos à esquerda, preferindo um governo minoritário. Entretanto, com a pandemia, o país sofre dois confinamentos e várias restrições. O turismo, que estava a ser o motor da economia, sofre uma quebra abrupta. Vários setores são afetados, com falências e aumento do desemprego ou com imensos trabalhadores em situação de “lay-off”, numa imensa crise social que alguns apoios pontuais vão disfarçando.

Ao nível desportivo, prossegue a expansão dos centros de alto rendimento, atualmente em número de 14 em todo o território nacional, o que facilita bastante a preparação dos atletas de alta competição. E, como referimos no primeiro desta série de artigos, Portugal teve, em Tóquio, a melhor participação de sempre, com quatro medalhas, mais 11 diplomas e algumas classificações entre os 9º e 16º lugares.

Conclusão

A participação olímpica portuguesa não tem sido brilhante, refletindo, de forma clara, as fragilidades do nosso desporto.

Contudo, são claras as diferenças, para melhor, do 25 de Abril para cá. Antes, as nossas participações eram modestíssimas, envergonhadas e as poucas medalhas vinham de alguns desportos de elite. A representação feminina ou não existia ou era residual, o que espelhava bem a situação de inferioridade em que, então, viviam as mulheres portuguesas.

Após a Revolução, há uma tentativa de massificação no período revolucionário, com caráter frequentemente voluntarista e espontâneo, que se esboroa com o fim daquele. Contudo, começa a haver o embrião de uma política desportiva, mesmo que com os altos e baixos decorrentes ou das mudanças de governo ou das conjunturas económicas do país. Até ao final do século XX, é o atletismo, nas corridas de longa distância, que vai salvando as representações olímpicas nacionais, num modelo que é hoje o de alguns países africanos.

A partir dos finais daquele, começa a haver uma maior aposta em alguns desportos, com a melhoria da quantidade e qualidade das infraestruturas, a contratação de técnicos estrangeiros de qualidade e a maior e melhor formação dos técnicos nacionais, assim como algum aumento dos apoios estatais às federações, através da assinatura de contratos-programa. Além do mais, há, igualmente, uma mentalidade diferente nas novas gerações, mais abertas ao mundo, e a prática desportiva e a cultura física são hoje vistas como importantes pela maioria da sociedade, também ela mais urbana e, em geral, mais próspera.

Porém, para grande parte da população portuguesa, desporto ainda é sinónimo de futebol. E um dos problemas com que se defrontam os nossos atletas olímpicos é a imensa pressão que se faz sentir nas vésperas e durante os Jogos e a que não estão habituados. No fundo, o povo fica todo contente quando sabe que um/a atleta ganhou um título europeu ou mundial, mas, a não ser que seja disputado entre nós, não vai lá assistir, nem a sua participação é notícia em toda a comunicação social antes das provas. Mas, nos Jogos Olímpicos, exigimos que tragam uma data de medalhas…

Por outro lado, se, a nível infraestrutural, as melhorias são nítidas, há ainda bastante a fazer no apoio aos atletas e às federações. Mas falta, fundamentalmente, uma verdadeira política de massificação da prática desportiva, que permita alargar a base de recrutamento de atletas de alto nível. Um aspeto importante a ter em conta é a promoção de uma maior coordenação entre o desporto escolar e o desporto federado. Sem isso, dificilmente conseguiremos fazer muito melhor que nestes Jogos Olímpicos, onde, como referimos logo no início, registámos a nossa melhor participação de sempre, mas, mesmo assim, modesta a nível internacional.

Para concluir, podemos dizer que parece estarmos no bom caminho. Mas também que há ainda um longo caminho a percorrer.

Artigo de Jorge Martins

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra