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Olimpíadas do racismo: Os Dias Antropológicos

Em 1904 surgem os “Os Dias Antropológicos”, organizados em paralelo com os Jogos Olímpicos de Saint Louis, para as consideradas raças inferiores competirem entre si. Um evento que envergonha o espírito olímpico e um dos piores episódios nos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Por Tiago Teixeira.
Dias Antropológicos - foto Wikimedia Commons.

A atribulada logística dos Jogos

Em 1904, a cidade de St.Louis (EUA) recebia os Jogos, depois de, em 1900, a competição em Paris ter sido marcada por uma total desorganização, em que nem sequer existia consenso sobre o número de atletas que competiram. Inclusive, Pierre de Coubertin não compareceu nos EUA por estar ainda marcado pelos acontecimentos em França, mesmo tendo recebido uma carta com um pedido de comparência por parte do então presidente dos EUA, Theodore Roosevelt. 

Muitos atletas abdicaram de participar devido às longas viagens que tinham de fazer. A fraca participação também é justificada pelo conflito militar entre a Rússia e o Japão. Dos 651 atletas que participaram, menos de uma centena não eram norte-americanos. Pela primeira vez, dois atletas provenientes do continente africano viriam a estrear-se no certame. Por outro lado, a representação feminina chegou aos paupérrimos seis participantes. O número total de atletas foi o mais baixo registado nos Jogos Olímpicos, e o espetáculo começava a ser um fiasco. 

Os Dias Antropológicos

Como acontece em qualquer país que organize um grande evento, seja desportivo ou cultural, há sempre a tentativa de marcar pela inovação. Nos Jogos de St. Louis uma das novidades ficou marcada pela xenofobia, o preconceito e o racismo: Os Dias Antropológicos. 

Os “Dias Antropológicos” foram um conjunto de competições nas quais só podiam competir atletas de “raças inferiores”. 400 indígenas vindos de África, Ásia e Ilhas Pacíficas foram exibidos em exposições antropológicas para mostrarem os seus costumes. Mexicanos, índios, negros, filipinos, turcos e pigmeus foram obrigados a demonstrar a sua “inferioridade” perante o público. Competiram em eventos como luta na lama, subir mais rápido a uma árvore, corridas de velocidade, lançamento do dardo, peso ou arco. 

Susan Brownel, especialista em desporto e na temática dos Jogos, descreve no seu livro The 1904 Anthropology Days and Olympic Games: Sport, Race and American Imperialism como estas competições foram vistas:  “Os relatos da época mostram que o espetáculo de homens brancos a tentarem persuadir os nativos a praticar desportos que eles não entendiam era visto como uma diversão pelos espectadores, bem como por muitos dos próprios participantes".

Para James E. Sullivan, chefe-organizador dos Jogos de St. Louis, os Dias Antropológicos foram bem sucedidos, porque comprovaram que estas “raças” eram inferiores. Em causa estavam as baixas marcas obtidas - mesmo sabendo que os atletas nunca tiveram oportunidade de treinar.

Mas esta ideia de que os Dias Antropológicos foram um sucesso não gerou consenso. Alguns organizadores apontaram a falta de interesse das pessoas e o facto de nenhuma competição ter provado a diferença entre um “primitivo” e um “civilizado”. Os atletas não estavam preparados, nem sequer tinham sido treinados e nem sequer sabiam as regras da competição em que iam entrar.

O balanço

Os Jogos acabaram como começaram: um fiasco. Se a ausência de vários atletas já refletia a falta de qualidade da competição, os Dias Antropológicos marcaram um dos piores episódios de sempre nos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Até a revista norte-americana Sports Ilustrated veio a declarar que este foi um dos piores Jogos de sempre: "(...) os Jogos de Saint Louis foram um desastre, quase destruíram os Jogos da Era Moderna, menos de uma década depois de terem renascido”.

Felizmente, um evento deste género nunca mais viria a ser realizado nas Olimpíadas.

Sobre o/a autor(a)

Técnico de informática e militante do Bloco de Esquerda.
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