A extrema-direita sionista ficou agradada com as declarações de Donald Trump sobre a expulsão dos palestinianos de Gaza. Este sábado, a bordo do avião presidencial, tratou de dizer que gostaria de “limpar Gaza”.
A afirmação diz respeito claramente a uma expulsão massiva de pessoas: “estamos a falar provavelmente de um milhão e meio de pessoas e apenas queremos limpar a coisa toda e dizer: ‘sabem, acabou’.”
O presidente norte-americano a explicar que tinha pedido à Jordânia e ao Egito para receberem nos seus países mais refugiados palestinianos. Acrescentou ainda que já tinha telefonado ao rei Abdullah II da Jordânia, dizendo-lhe “gostaria que recebessem mais porque estou a olhar para toda a Faixa de Gaza neste preciso momento e é uma confusão. É uma verdadeira confusão.” E que iria falar em seguida com el-Sisi, o presidente do Egito.
A extrema-direita em Israel regozijou com estas declarações. Quer Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, quer Itamar Ben-Gvir, ex-ministro da Segurança Nacional, sugerem que seja o governo israelita a implementar a deportação massiva.
Smotrich considera a “limpeza” uma “excelente ideia” porque “depois de anos a glorificar o terrorismo, [os palestinianos] serão capazes de estabelecer uma nova e bela vida noutro lugar”. Ao contrário das “soluções impraticáveis” que “põem em perigo a existência e a segurança do único Estado judeu do mundo” como a criação do Estado palestiniano.
Ben-Gvir, do partido Poder Judaico, felicitou ao proposta de Trump e escreveu no X que “uma das nossas exigências ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é promover a emigração voluntária”.
Também agradou às forças sionistas a decisão de Trump de voltar a vender bombas de 900 quilos a Israel que Biden tinha suspendido. Isto sob a justificação de que “eles compraram-nas”.
O Times of Israel adianta que um ministro israelita sugeriu que as declarações de Trump foram coordenadas com Netanyahu com um dos objetivos a ser manter a extrema-direita dentro do governo depois de parte desta ter saído ou ameaçar sair por causa do acordo de cessar-fogo em Gaza. Smotrich foi um dos que ameaçou sair e poderá ficar satisfeito com esta promessa, Ben-Gvir e a sua coligação podem até voltar.
As forças sionistas continuam a utilizar para isto a expressão “migração voluntária” e o ministro que falou àquele jornal pensa que esta é a “única solução” possível e será a partir de agora “o foco” do executivo.
Os países árabes falam em limpeza étnica
A resposta da Liga Árabe foi qualificar a proposta de Trump como “limpeza étnica”. Em comunicado, ao 22 países da estrutura defendem que “a deslocação forçada e a expulsão de pessoas das suas terras não podem ser descritas senão como limpeza étnica”.
Apesar das declarações de Trump, o ministro jordano dos Negócios Estrangeiros, Ayman Safadi, assegurou que “a nossa posição sobre a solução de dois estados é firme, nunca muda. A nossa rejeição da expulsão é firme, nunca muda”.
O outro país designado por Trump, o Egito, reagiu através de uma publicação da sua embaixada nos Estados Unidos: “o Egito não pode ser parte de nenhuma solução que envolva a transferência de palestinianos para o Sinai”. O seu Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou depois “o apoio contínuo do Egito à resiliência do povo palestiniano na sua terra”. Em comunicado, opõe-se à “colonização, anexação de terras, despovoamento destas terras através da deslocação dos seus habitantes, o incentivo à transferência ou o desenraizamento dos palestinianos do seu território, de forma temporária ou permanente”.
Do lado palestiniano, Hamas e Autoridade Palestiniana, sem surpresa, consideram o mesmo. Mahmud Abbas, líder desta última, assegura que os palestinianos não vão deixar as suas terras, voltando a defender um Estado independente.
À BBC, Bassem Naim, da comissão política do Hamas, declarou: “o nosso povo palestiniano suportou na Faixa de Gaza morte e destruição durante 15 meses… sem deixar a sua terra. Portanto, não aceitaremos nenhuma oferta ou solução, mesmo que pareçam ser bem intencionadas sob o argumento da reconstrução, conforme anunciado pelas propostas do presidente dos EUA”. Garantiu ainda que “como frustrou todos os planos de deslocamento e uma pátria alternativa ao longo das décadas, também frustrará tais projetos”.
Por sua vez, a União Europeia preferiu elogiar uma suposta pressão de Trump sobre a Rússia do que adiantar mais alguma coisa sobre isto. A Alta-Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, Kaja Kallas, esta segunda-feira declarou: “ainda bem que o Presidente Trump pressionou a Rússia, explicando-lhe que está nas mãos dela acabar com a guerra”. Já sobre a ideia de uma limpeza étnica na Palestina foi menos entusiasta, afirmando que essa não é a posição do bloco europeu e limitando-se a dizer que “a população de Gaza sofreu muito e acho que tanto os palestinianos como os israelitas merecem paz, por isso acho que precisamos de avançar do cessar-fogo para uma solução mais permanente. Desse modo, a UE apoia a solução dos dois estados, apoiando não só a segurança de Israel, mas também os direitos dos palestinianos”.
Uma porta-voz do ministério alemão dos Negócios Estrangeiros disse um pouco mais esta segunda-feira, defendendo que “a população palestiniana não deve ser expulsa de Gaza e Gaza não deve ser permanentemente ocupado ou recolonizado por Israel”.
Por sua vez, a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni preferiu limpar as declarações de Trump sobre a limpeza étnica. A governante de extrema-direita, em viagem à Arábia Saudita para assinar acordos comerciais, alegou que Trump não tem um plano definido para Palestina, que se tratam de “discussões com atores regionais” mas que este “tem razão quando diz que a reconstrução de Gaza é obviamente um dos grandes desafio que enfrentamos”.
A brandura destas posições confronta com declarações de vários especialistas internacionais que consideram mesmo que Trump apelou a uma limpeza étnica. Ao Guardian, Omer Shatz, professor de Direito Internacional na Sciences Po de Paris e conselheiro do Tribunal Criminal Internacional confirmou isso mesmo: “estamos a testemunhar uma extremamente perigosa mas natural continuação da desumanização e apelos genocidas a que temos vindo a assistir por parte das vozes mais extremistas dentro de Israel”. Em dezembro passado, Shatz tinha apresentado ao TPI alegações detalhadas de incitamento ao genocídio por parte de oito responsáveis políticos e figuras públicas israelitas.
Dentro de Israel, também há académicos como Barak Medina, professor de Direito dos Direitos Humanos da Universidade de Jerusalém, que se manifestam totalmente contra. No mesmo jornal, este diz que “se o plano é realojar permanentemente pessoas e especialmente se isto for feito pela força, não é aceitável”, contradiz a lei internacional e é impraticável porque, como já se viu, “nenhum dos países vizinhos estaria disposto a aceitar pessoas que são expulsas da sua prática”.
À Al Jazeera, Abdullah Al-Arian, professor de História da Universidade de Georgetown no Qatar argumenta que as declarações de Trump são para serem levadas a sério “porque vimos esta exigência específica a ser feita ao longo do último ano e meio”. Ela tem sido enunciada desde “muito cedo no decurso da guerra” pelo lado israelita, apesar da oposição dos países para os quais os palestinianos seriam deportados.