“Nós não somos 'putinistas', nós não recebemos um tostão do senhor Putin, do senhor Soros, como recebem outros partidos que nos criticam", afirmou esta sexta-feira o cabeça de lista do Chega às eleições europeias em resposta aos jornalistas que o questionavam sobre as ligações dos partidos do seu grupo europeu a Vladimir Putin, agora investigadas pela polícia da Bélgica e da República Checa.
A referência a George Soros pode ter surpreendido quem segue a política portuguesa, mas desde há muito que o bilionário judeu e sobrevivente do Holocausto é um dos alvos preferenciais da extrema-direita, na maior parte das vezes em campanhas com contornos antissemitas. O facto de Soros apoiar financeiramente desde há décadas os Democratas nos EUA e organizações progressistas em países com regimes autoritários tornaram-no persona non grata pelos lideres desses regimes, a começar pelo do seu país-natal, Viktor Orbán, passando pelo presidente turco Erdogan, que acusou o “famoso judeu húngaro Soros” de estar por detrás dos protestos que começaram no parque Gezi, em Istambul, e depois alastraram a todo o país em 2013.
Parlamento Europeu
Financiamento de Putin leva a novas buscas aos gabinetes da extrema-direita europeia
O próprio Vladimir Putin se referiu a Soros na inusitada conferência de imprensa que deu ao lado de Donald Trump em julho de 2018 em Helsínquia. Enquanto Donald Trump atacava o FBI e os Democratas e se recusava a apontar o seu homólogo como suspeito de interferência nas eleições que o levaram à Casa Branca, Putin acrescentava que o facto de uma empresa envolvida ser russa não significava que o Kremlin fosse responsável. “Bem, há muitos indivíduos nos Estados Unidos - veja-se o caso de George Soros, por exemplo, com capitais multibilionários, mas isso não faz dele - da sua posição, da sua postura a postura dos Estados Unidos”, afirmou o presidente russo.
Segundo as teorias da conspiração da extrema-direita, Soros e a sua Open Society Foundation são responsáveis por planos maquiavélicos para dominar o mundo, através do controlo do mundo político e financeiro. Teorias que ganharam projeção com a ascensão da “alt-right” norte-americana e dos seus meios de propaganda e se ouviram muitas vezes repetidas pela boca de altos dirigentes do Partido Republicano. O próprio Donald Trump acusou no ano passado o procurador de Manhattan Alvin Bragg, que o mandou julgar, de ter sido “escolhido a dedo e financiado por George Soros”.
Do plano secreto dos Rothschild ao aviso prévio do 11 de Setembro: as teorias da conspiração de Tânger
Sionistas
Candidato do Chega almoçou com embaixador de Israel antes de espalhar conspiração antissemita
Estas teorias da conspiração com contornos antissemitas encontraram em Tânger Corrêa um adepto e difusor em Portugal. Há poucas semanas, em entrevista ao Observador a propósito do seu recém-lançado livro de memórias, onde descreve o alegado plano de uma Nova Ordem Mundial para tornar a população subserviente a “um líder único no planeta Terra”, coordenado no Fórum de Davos com a participação da família judia Rothschild, uma dinastia de banqueiros que remonta ao século XVIII, o candidato do Chega perguntava aos jornalistas: “Macron era funcionário de Rothschild, não é?”, assegurando que “é evidente que ele sabe onde é que as coisas irão parar, qual é o objetivo final desse tipo de atuação”. Nas teorias de conspiração antissemitas, o nome de George Soros é normalmente acompanhado dos Rothschild como estando por detrás deste plano para uma “nova ordem mundial”.
Também nessa entrevista, Tânger questionou porque é que o número de judeus mortos nas Torres Gémeas fora menor do que o inicialmente estimado, sugerindo que tinham sido avisados de antemão por alguém do ataque do 11 de Setembro. Disse que “90% ou 85% das pessoas que trabalhavam naquelas Twin Towers eram judeus” e que “se houve aviso ou não houve aviso, fica a dúvida no ar”, acrescentando que “às vezes, as coisas são passadas de uma forma tão subtil, tão fora dos esquemas normais de comunicação…”.
Criticado por estas declarações, Tânger defendeu-se em declarações ao Diário de Notícias, afirmando que “dizer que sou antissemita não passa pela cabeça de ninguém”, até porque na véspera almoçara com o embaixador de Israel, Dor Shapira. Por seu lado, a embaixada condenou as “declarações conspirativas”, mas sem identificar Tânger Corrêa como o seu autor nem o partido que representa enquanto dirigente e primeiro candidato às eleições de 9 de junho.