As últimas semanas têm sido agitadas para a extrema-direita espanhola, à medida que se conhecem novos elementos sobre o financiamento das suas campanhas. A 15 de setembro, o El País noticiava o mistério das contas do Vox relativas às legislativas do ano passado: um empréstimo bancário de 9,2 milhões de euros sem que fosse declarada a identidade da instituição de crédito, o que viola a lei das contas dos partidos.
Duas semanas depois veio a explicação por parte da direção do partido: o empréstimo milionário veio do banco húngaro Magyar Bankholding (MBH), que tem como um dos principais acionistas um dos amigos mais próximos de Viktor Orbán, o magnata Lörinc Mészáros. E veio em duas tranches, uma em 2023 e outra já este ano, pouco antes do Vox anunciar a sua transferência para o novo partido europeu criado por Orbán. Questionado pela imprensa húngara, o governo respondeu através do secretário de Estado da Economia János Fónagy, afirmando que se tratou de uma transação de um banco comercial e que o executivo húngaro nada teve a ver com o crédito aos parceiros políticos espanhóis do primeiro-ministro.
O financiamento deste banco húngaro à extrema-direita europeia que viria a alinhar no projeto político europeu de Orbán não se resume ao Vox. Já em 2022, o banco de Lörinc Mészáros (então MKB, antes da fusão de deu origem ao MBH) emprestou 10,8 milhões para Marine Le Pen pagar a sua campanha às presidenciais francesas. Segundo noticiou na altura o Financial Times, o banco estava reticente em conceder o empréstimo e a pressão de Orbán terá sido decisiva para a decisão final. Mészáros e Orbán são amigos de infância e o primeiro, um dos homens mais ricos da Hungria, atribuiu em tempos o seu sucesso a “Deus, sorte e Orbán”
A explicação dada agora pelos dirigentes do Vox para receberem o financiamento húngaro é semelhante à que Le Pen deu na altura, queixando-se das dificuldades em obter crédito no seu país. Na Hungria, comenta-se a forma como Orbán procura exercer a sua influência na política de outros países, inclusive financiando-os, enquanto na Hungria adota um discurso e cria organismos estatais para impedir que o mesmo aconteça em relação à Hungria.
Acabou-se a criptofesta de Alvise?
Mas o Vox não está sozinho no que se refere às suspeitas de financiamento e o caso do seu principal concorrente, o partido unipessoal de Alvise Pérez, o Acabou-se a Festa, já se encontra na justiça. O influencer da extrema-direita que graças ao seu público jovem no canal do Telegram conseguiu eleger três eurodeputados - metade dos eleitos pelo Vox - nas eleições de junho, está a braços com a revelação de conversas comprometedoras com Álvaro Morillo, o líder da plataforma de investimentos Madeira Invest que fechou portas e é investigada por se tratar de um esquema de fraude em pirâmide que afetou mais de 27 mil pessoas. Até agora foram reveladas perdas de 11 milhões de euros, mas o total poderá ascender a mais de 300 milhões, segundo o juiz que abriu a investigação a esta “rede criminosa de múltiplos veículos de fins específicos e ligações internacionais, com moradas em Portugal, Estados Unidos, República Dominicana, Estónia e Albânia".
Espanha
Candidato das teorias da conspiração nas redes rouba eleitores ao Vox e elege três eurodeputados
Morillo, conhecido nas redes sociais como Luis CryptoSpain, apresentava-se como um especialista em evasão fiscal, prometendo retornos acima dos 50% ao ano a quem depositasse um mínimo de dois mil euros para entrar na plataforma, sendo depois recompensado através de criptomoedas. O dinheiro seria investido em produtos de luxo e arte, garantia o criador do esquema fraudulento. Mas apesar dos alertas anteriores da CMVM espanhola, o que fez rebentar o esquema foram as notícias da sua ligação a Alvise - que promovia também o Madeira Invest nas suas redes - e mais concretamente os 100 mil euros em notas que lhe entregou em mão em plena campanha eleitoral para as europeias.
Foi o próprio Morillo que entregou as conversas gravadas com Alvise aos investigadores, onde se ouve o eurodeputado a pedir-lhe fundos “que não possam ser controlados pelo Tribunal de Contas”, prometendo-lhe em troca interceder para conseguir leis favoráveis ao seu negócio quando atingir o objetivo de tornar-se na chave de um futuro governo de direita em Espanha. Ou, no imediato e após ser eleito, “organizar sessões no Parlamento Europeu para fazer lóbi massivo sobre as criptomoedas e a independência fiscal”. Morillo prometeu angariar o dinheiro pedido, mas pedia outro tipo de contrapartidas mais imediatas: que Alvise usasse o seu canal para promover o seu projeto Sentinel, que contava com um edifício em Madrid repleto de cofres bancários para custódia de dinheiro, ouro, criptomoedas e outros bens valiosos de que os investidores poderiam dispor através de empréstimos, não sendo assim tributados enquanto aumento patrimonial. Em público, Alvise admitiu ter recebido o dinheiro a título privado como forma de não ficar dependente dos rendimentos da política.
Por seu lado, os advogados que representam lesados do esquema promovido por Alvise já pediram que a Audiencia Nacional dê início aos trâmites junto do Supremo para levantar a imunidade parlamentar de Alvise Pérez. Durante a campanha eleitoral, o influencer da extrema-direita afirmou várias vezes que o seu verdadeiro objetivo era conseguir a imunidade que o cargo de eurodeputado lhe poderia oferecer, escapando assim às acusações na justiça por divulgar informações falsas e mensagens racistas junto do seu público.