A Argentina acaba de viver a sua segunda greve nacional em cinco meses. Como de costume, os balanços da CGT e do governo nacional são diferentes. Para a central sindical, a greve foi contundente e enviou uma mensagem: não podemos continuar assim. Para o governo, não atingiu a dimensão esperada e em nada alterou a agenda e o rumo geral já traçado.
Uma greve de grande impacto
Nos meios de comunicação social pró-governamentais abundam os argumentos de que a greve foi facilitada pela falta de transportes, como se os maquinistas, os condutores de autocarros de médio e longo curso ou o pessoal da aeronáutica não fizessem parte da classe trabalhadora e os seus sindicatos não estivessem filiados na CGT ou nos sindicatos alternativos que também convocaram a greve. Para minimizar a medida de força, alegam que algumas lojas estavam abertas (de facto, sobretudo as que vendem produtos alimentares e alguns supermercados), mas nada dizem sobre o facto de os poucos autocarros que circulavam estarem quase vazios e de as praças e parques estarem cheios de famílias inteiras como se fosse feriado.
A convocatória da CGT para a greve nacional não era acompanhada de manifestações, o que aqui se chama de greve domingueira; no entanto, em muitas cidades do interior do país houve mobilizações, inclusive com bloqueios e interdições de estradas, que o governo finge ignorar.
A realidade inegável é que fábricas, bancos e instituições financeiras, escolas e universidades, muitas lojas, os vários meios de transporte estiveram fechados ou não funcionaram durante 24 horas. Contraditoriamente, o governo calculou que a greve custou ao país 500 milhões de dólares, um cálculo difícil de comprovar, como muitos números oficiais, mas que implica um reconhecimento implícito daqueles que criam a riqueza do país de que outros se apropriam.
Um novo elo
O Governo insiste em que não há razões para a greve, que é tudo uma questão de interesse próprio de uma direção sindical que foi desacreditada aos olhos da sociedade. Há um certo grau de verdade nisso, mas não é uma explicação suficiente.
Esta medida de força é, para já, um novo elo de uma cadeia de marchas e manifestações, ao mesmo tempo que se desenrolam múltiplos conflitos sindicais. As manifestações do 8M, Dia da Mulher, e do 24M, aniversário do golpe de 1976, foram massivas e superaram as dos anos anteriores, tanto em número como em definições políticas, mas são datas que já estão na agenda popular. Por outro lado, a manifestação do 23A em defesa da universidade e do ensino público foi um grande acontecimento político que apanhou o governo de surpresa. Duas mobilizações de trabalhadores completam esta série de manifestações. No dia 24J, a central convocou uma greve nacional com mobilização. Uma ação inédita devido à amplitude da convocatória (as duas CTA [a Central de Trabalhadores da Argentina – Autónoma e a Central de Trabalhadores da Argentina dos Trabalhadores, cisões da CGT em 1992], os movimentos de direitos humanos, das mulheres, do ambiente e das minorias sexuais e o regresso das assembleias de bairro). Entretanto, no dia 1 de maio, uma multidão de trabalhadores, estimada em mais de 300.000, reuniu-se com um documento totalmente crítico em relação ao governo e ratificando a segunda greve nacional que teve lugar no dia 9 deste mês. Tudo isto em apenas quatro meses.
As razões da greve
Com os dados oficiais conhecidos até agora, quase todos os analistas económicos não hesitam em afirmar que o consumo caiu fortemente, que as despesas públicas sofreram um corte de características inéditas, que o investimento é, de momento, quase nulo e que as exportações estão pendentes de uma melhoria da taxa de câmbio ou uma subida dos preços internacionais. A ânsia do Governo em atingir um défice zero faz com que, desde 10 de dezembro, não tenha emitido um único peso; o resultado não é outro senão uma recessão, cuja profundidade e alcance são maiores do que o próprio Governo esperava e que não poucos empresários receiam que possa transformar-se numa depressão.
A queda nos salários reais, nas reformas e pensões, nos planos de ajuda social, nas obras públicas têm o seu correlato na recessão e na perda de postos de trabalho. Os registos da Secretaria Nacional do Trabalho da Nação mostram um aumento dos pedidos das empresas para aderir aos Procedimentos Preventivos de Crise, um mecanismo instalado nos tempos do menemismo que permite aos empregadores suspender ou despedir trabalhadores sem grandes custos.
Tudo isto é produto do ajustamento em curso, o maior da humanidade segundo o próprio Presidente Milei; mas o projeto do LLA [La Libertad Avanza, partido do governo] vai muito mais longe. Implica uma reformulação completa do país em termos económicos, sociais e políticos, o que implica uma forte mudança nas relações sociais a favor do capital.
É isso que está implícito na Lei de Bases e no pacote financeiro que já foram aprovados pela Câmara dos Deputados e que estão agora a ser tratados no Senado. Embora estes projetos de lei tenham sido reduzidos, mantêm o essencial, como um regime mais do que generoso de incentivos aos investimentos, uma reforma da lei dos hidrocarbonetos à medida das empresas petrolíferas, uma flexibilização laboral que limita as indemnizações e legaliza a fraude laboral, uma redução do imposto sobre a riqueza e um branqueamento de capitais mais permissivo do que os anteriores, juntamente com a privatização de uma dezena de empresas públicas, são apenas alguns dos pontos que contêm e que, como se pode ver, não são favoráveis ao povo trabalhador.
O objetivo não é outro senão o de dar um enquadramento legal àquilo que são exigências históricas do grande capital. É a explicação para o facto de o bloco da classe dominante apoiar este governo sem fissuras.
Vale a pena notar que acontecimentos políticos da magnitude dos que estamos a viver são sinais de alerta para o governo, mas não o levam a mudar a sua agenda. Não o fazem porque o governo não tem um plano B. Exceto pequenas concessões, não pode ceder mais por causa do risco de pôr em causa o seu programa de longo alcance e de perder o apoio das classes dominantes, pelo que o confronto com as centrais sindicais e o movimento popular continuará até que se resolva a favor de uns ou de outros.
Estes factos não puderam, até agora, ser capitalizados pela oposição. Esta falta de alternativas políticas permite-lhes manter as expectativas para o futuro que alimentam o apoio ao governo, que parece ainda ser elevado.
É também a explicação para o facto de esta contundente greve nacional ser um novo elo na cadeia de mobilizações, mas não o último. O facto é que cada vez mais setores da sociedade, a começar pelas centrais sindicais, se apercebem que o projeto Milei implica uma total subordinação ao capital internacional, financeiro e extrativista, reduzindo o peso da indústria transformadora e transformando o país num mero enclave exportador. Um país submetido à lei do lucro, onde a concorrência e o individualismo serão dominantes, pois o mercado será a medida de valor de todos os valores, um país onde as desigualdades serão maiores do que são atualmente.
Pode ser que as greves da CGT e das outras centrais funcionem como uma plataforma para forjar as alianças táticas necessárias para alterar o equilíbrio de forças a favor do povo trabalhador. E nisto a esquerda anti-capitalista é obrigada a desempenhar um papel decisivo. É o futuro da nação e das classes subalternas que está em jogo.
Eduardo Lucita é membro do coletivo Economistas de Esquerda.
Texto publicado originalmente no Viento Sur. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.