Europeias 2024

Regiões ultraperiféricas no coração da Europa

01 de junho 2024 - 17:39

O potencial dos Açores e da Madeira está a ser desperdiçado por falta de investimento e de políticas eficazes na formação e investigação, o que impede o desenvolvimento de uma economia mais justa e avançada.

por

Aurora Ribeiro e Mónica Pestana

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São Miguel, Açores
São Miguel, Açores. Foto de Ravi Sarma/Flickr

Os Açores e a Madeira são regiões com características especiais e vantajosas para a União Europeia (UE). A posição geoestratégica destas ilhas acrescenta em muito o território marítimo europeu e as potencialidades para a investigação sobre o clima, espaço, energias renováveis, biodiversidade e biotecnologia, que são peças fundamentais para o futuro da Europa.

Por outro lado, o afastamento, a insularidade, a reduzida dimensão e a topografia são constrangimentos ao desenvolvimento social, económico e territorial destas ilhas. Para corrigir estas assimetrias foi criado para nove regiões europeias onde se contam os Açores e a Madeira o estatuto de Regiões Ultraperiféricas (RUP), reconhecendo que os princípios europeus de igualdade e de não discriminação justificam o tratamento diferenciado em situações distintas. Assim, o estatuto de RUP inclui mecanismos próprios para combater as disparidades entre estas e as restantes regiões da UE. O estatuto de RUP, que não tem sido suficientemente utilizado, pressupõe políticas de coesão e derrogações que têm de ser constantemente reajustadas para acompanharem tanto a evolução das necessidades específicas das diferentes RUP como as conjunturas sociais, económicas e políticas da Europa.

Indicadores sociais graves. Os dados do Eurostat revelam dados sociais preocupantes nestas duas regiões. Açores e Madeira têm as mais altas taxas do país de pessoas em risco de pobreza e exclusão e de jovens que nem trabalham nem estudam. Os Açores têm das piores taxas da Europa de jovens que não completaram o ensino secundário. O abandono escolar precoce é uma realidade em ambas as regiões, que se vem a refletir na qualidade do emprego e, consequentemente, no aprofundamento das desigualdades. A par destes números, ambas as regiões têm fracos indicadores nas áreas da ciência e investigação, inferiores aos do resto do país e na cauda da UE.

Perdem as ilhas e perde a Europa. O desinvestimento no conhecimento e cultura aumenta a pobreza e as desigualdades nas regiões e limita o seu potencial de contribuição para os desafios da UE: combate à crise climática, autonomia energética, afirmação no setor marítimo, preservação da biodiversidade. O potencial dos Açores e da Madeira está a ser desperdiçado por falta de investimento e de políticas eficazes na formação e investigação, o que impede o desenvolvimento de uma economia mais justa e avançada.

O conhecimento sobre o oceano como prioridade. O crescente interesse internacional na exploração oceânica e nos fundos marinhos aumenta a pressão sobre os arquipélagos portugueses e as regiões devem estar munidas do melhor conhecimento, sob pena de porem os seus mares ao serviço de interesses alheios, com pouco ou nenhum retorno para as suas populações. A preservação dos habitats marinhos é essencial para o bom estado do oceano e, consequentemente, para a mitigação da crise climática. A manutenção das populações piscícolas é ainda crucial para a sobrevivência das comunidades costeiras, pelo que estas devem estar envolvidas nos processos de gestão e preservação ambientais.

Reforço do apoio à transição agroecológica nas RUP. Contar apenas com o mercado para valorizar a agricultura sustentável não é suficiente. Só com um apoio sólido à transição para a produção biológica será possível aos agricultores alterarem os seus modos de produção.

Garantir as ligações internas e externas. As ligações internas dos Açores e da Madeira, assim como as suas ligações ao país e à Europa são absolutamente fundamentais para garantir a continuidade territorial, atenuar os preços e para o desenvolvimento das economias regionais.

A política europeia para os Açores e Madeira no próximo mandato deve procurar salvaguardar as populações mais vulneráveis à pobreza, exclusão social, discriminação e desigualdades, através de melhor educação e emprego. Deve proteger os interesses das populações arquipelágicas no que toca às necessidades de mobilidade e transporte. Deve promover uma sociedade e uma economia do conhecimento baseadas no estudo do mar, combate à crise climática e sustentabilidade. Deve garantir um futuro económico e ambientalmente sustentável para o setor primário, em particular a agricultura e a pesca. Assim o Bloco de Esquerda propõe:

  • linhas de financiamento para a execução de políticas de combate à pobreza e exclusão social, abandono escolar precoce, formação e reconversão profissional
  • apoio a projetos de investigação e culturais de combate à discriminação e desigualdades
  • mobilização de fundos europeus para a promoção do conhecimento nas bacias geográficas das RUP, interligando as escolas, as universidades e os centros de formação
  • apoio a políticas para a investigação sobre o oceano, crise climática, energias renováveis, biotecnologia e biodiversidade, incluindo a criação de projetos-piloto
  • criação de um programa operacional específico para os transportes nas RUP (POSEI Transportes), à margem dos fundos estruturais
  • derrogações que permitam a manutenção da companhia aérea regional dos Açores, a SATA, nomeadamente a necessidade de o acionista público reforçar o capital da empresa
  • criação, a partir de 2027, de um instrumento de apoio semelhante ao POSEI para o setor marítimo e das pescas nas RUP, com o objetivo de assegurar um financiamento adequado às necessidades específicas destas regiões
  • apoio à recolha dos dados científicos necessários para satisfazer as condições de elegibilidade em matéria de ajudas para a renovação das frotas de pesca nas RUP
  • maior investimento nos mares e oceanos com vista a garantir um desenvolvimento económico sustentável e eficiente das respetivas zonas económicas exclusivas das RUP
  • reforço das medidas específicas e das dotações financeiras do regime POSEI, a fim de alcançar os objetivos de autonomia alimentar, transição agroecológica, diversificação e capacidade de resposta às crises de mercado nas RUP
  • aumentar os orçamentos previstos para as campanhas de promoção, sensibilização e valorização dos sistemas de qualidade da União, como os métodos de produção biológica
  • apoiar uma transição para uma pesca justa e de baixo impacto, reconhecendo o desafio em encontrar uma transição justa para pescadores/as
  • implementação de uma moratória para a mineração em mar profundo nas águas da União e defender o mesmo para águas internacionais
  • implementar atempadamente o regulamento de controlo e antecipar a implementação de medidas como a instalação de VMS em embarcações de pesca de pequena escala
  • criação de um rótulo único europeu para o turismo sustentável, que inclua igualmente as dimensões de qualidade, acessibilidade e inclusão, com especial atenção para as RUP
  • derrogações e mecanismos financeiros que permitam o desenvolvimento de políticas nas áreas da saúde
  • reforço do financiamento a projetos culturais das RUP