A CIP tem-se desdobrado em iniciativas públicas em torno de um “Pacto Social”. Como vês essa movimentação?
Trata-se de uma operação com dois objetivos. O primeiro é afirmar a nova liderança da CIP, mostrando iniciativa e ocupando o espaço público; o segundo é condicionar o Governo. Num contexto em que as empresas têm tido ganhos decorrentes da inflação e do facto de os salários serem atualizados muito abaixo dela e face à pressão para aumentos salariais, a CIP quer promover formas de compensação fora do salário, como “prémios de produtividade”, que comprometem a receita fiscal e as contribuições para a segurança social, e quer garantir para as empresas mais alguns milhões em benefícios fiscais e na redução dos impostos sobre os lucros.
Uma das propostas mais emblemáticas do “patrão dos patrões” é o pagamento de um 15º mês, com “neutralidade fiscal”? A proposta é boa para os trabalhadores?
Não. O suposto “15º mês” corresponde a um acréscimo facultativo (as empresas poderiam ou não pagar) de rendimento pouco acima de 6% ao mês (que os patrões sentem que já terão de fazer de qualquer maneira para reter e captar mão-de-obra) e sem pagar Taxa Social Única. E pode acontecer apenas num ano, não é um aumento salarial. Num cenário que era de inflação muito menor, o acordo que o Governo assinou com a UGT e os patrões já apontava aumentos salariais de 5%, com pagamento da TSU. O 15º mês da CIP exclui qualquer pagamento de impostos e qualquer contribuição para a segurança social. Ora, esta contribuição é parte do rendimento dos trabalhadores, é salário indireto, essencial para a proteção na doença, na parentalidade e na construção da pensão de velhice. A medida da CIP é regressiva. É um saque fiscal a favor de quem ganha mais (porque os impostos são progressivos) e que tira aos trabalhadores uma componente do seu salário, que são os pagamentos patronais à segurança social. Criando a ilusão de um aumento de rendimentos no presente (um mês a mais…), a CIP opera um roubo aos trabalhadores por via das isenções patronais e compromete as pensões futuras. A isto chamam eles “neutralidade fiscal”... O 15º mês da CIP é um verdadeiro engodo para quem trabalha e um grande negócio para os patrões.
A CIP propõe também a isenção temporária da TSU, como contrapartida de aumentos de 14,75% no rendimento dos trabalhadores. Qual o efeito dessa medida para quem trabalha?
O objetivo da CIP é triplo. Por um lado, não pagar contribuições para a segurança social sobre os aumentos salariais dos próximos anos, poupando muito dinheiro aos patrões, por via desse benefício inaceitável. Por outro lado, querem abrir a porta do sistema de pensões aos fundos privados, obrigando a destinar o grosso desse aumento para um plano individual de reforma obrigatório, fora do sistema previdencial. Seria um primeiro passo para abrir o sistema de pensões ao mercado, mesmo que a CIP, por agora, remeta para o fundo de capitalização público. Ou seja, a CIP quer condicionar os aumentos salariais devidos aos trabalhadores ao cumprimento do desejo de sempre dos patrões: fragilizar a segurança social, através do não pagamento da TSU e da promoção de mecanismos paralelos, de mercado, na proteção da velhice. Em terceiro lugar, ao canalizar os aumentos dos trabalhadores para prémios e não para salários, os trabalhadores também seriam prejudicados. Os prémios estão fora dos salários, podem ser pagos ou não e, nomeadamente quando associados à suposta “produtividade individual”, prejudicam os trabalhadores que ficam doentes, ou que têm de prestar assistência à família, agravando a desigualdade de género, porque sabemos que continuam a ser as mulheres as que mais assumem as responsabilidades de cuidado na nossa sociedade.
A isenção fiscal e contributiva não pode aumentar os rendimentos, nomeadamente quando falamos de horas extra?
Embora, à primeira vista, possa soar bem a alguns trabalhadores, a proposta da CIP de redução em 50% da incidência de IRS e de contribuições para a segurança social sobre o trabalho extraordinário e sobre os subsídios de turno é perversa e enganadora. Além de diminuir a base de proteção futura dos trabalhadores, esta proposta incentiva as horas extra e promove o trabalho por turnos, que deveriam, pelo contrário, ser encarecidos para as empresas e desincentivados na sociedade. Nós não precisamos de embaratecer o trabalho suplementar e o trabalho por turnos, mas sim de reduzir os horários de trabalho reais e legais e de restringir os turnos às funções que estritamente exijam esse regime.
A CIP insiste na prioridade de “baixar impostos” em geral. O que há de novo neste “pacto social” a este nível?
Baixar impostos pode querer dizer tudo e o seu contrário. No caso da CIP, é a expressão utilizada para nomear um agravamento da injustiça fiscal. São muitos milhões de euros que seriam desviados do Estado para os bolsos dos patrões, nomeadamente através de duas medidas emblemáticas. Uma é o que a CIP chama de “Crédito Fiscal para a Competitividade e o Emprego”, que passa por deduzir à matéria coletável do IRC (o imposto sobre os lucros das empresas) todas as despesas com aumentos da massa salarial e com pagamento de dividendos a trabalhadores, que seriam em ambos os casos, além do mais, majoradas em 40%. Num país em que os lucros das empresas já pagam muito menos impostos que os rendimentos do trabalho, a CIP quer diminuir a base sobre a qual se calculam aqueles impostos. Mas quer mais: propõe também baixar o IRC para uma taxa única de 17%, acabando com a distinção entre pequenas e grandes empresas e reduzindo os impostos às maiores empresas. É um banquete de milhões para os patrões, que agravaria a injustiça e a regressividade nos impostos, fragilizando o Estado social.
O Governo tem dado sinais de aceitação de algumas dessas propostas. Era de esperar?
Os patrões estão a tentar responder à pressão com um discurso sobre “aumento de rendimentos” que é um truque para obterem do Governo enormes vantagens. A enfática abertura demonstrada pelo Governo às propostas da CIP é reveladora da vulnerabilidade do PS aos interesses instalados na sociedade portuguesa. O discurso em torno dos impostos é instrumentalizado para mais benefícios para o capital e, enquanto se agita o fantasma da diminuição futura de pensões e da “sustentabilidade do sistema” (fantasma aliás dissipado pelos números efetivos das receitas da segurança social), pretende-se abrir uma fenda real nas contas da segurança social. Que o Governo esteja disponível para acolher e legitimar esta conversa é muito grave. A ambiguidade da UGT, que não desmente as declarações da CIP sobre a sua participação nas medidas, é também muito perigosa. Neste campo, todo o movimento sindical, sem exceção, deveria traçar linhas vermelhas claras contra estas propostas.