Portugal precisa de confrontar o seu passado colonial, alerta Conselho da Europa

24 de março 2021 - 17:01

O organismo com maior autoridade em direitos humanos na Europa defende que são necessários “esforços adicionais” para “chegar a um acordo sobre o passado de violações dos direitos humanos, para combater os preconceitos racistas contra os afrodescendentes, herdados de um passado colonial e do comércio de escravos”.

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Imagem do episódio Diamang, Um Estado dentro do Estado da série História a História, com Fernando Rosas e realização de Bruno Moraes Cabral.

Num memorando divulgado esta quarta-feira, a Comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa realça a importância de “fornecer à sociedade narrativas que informem devidamente sobre as estruturas historicamente repressivas do colonialismo, os vieses racistas arreigados e as suas atuais ramificações”.

Para esse efeito, “os currículos escolares, incluindo a educação para a cidadania, constituem um instrumento especialmente útil”.

Dunja Mijatovic manifesta preocupação “quanto ao aumento do número de crimes de ódio com motivação racial e do discurso de ódio, mas também da discriminação, especialmente contra ciganos, afrodescendentes e pessoas percecionadas como estrangeiras em Portugal”.

E sublinha que “a existência de racismo nas polícias” é “um fenómeno particularmente preocupante”, fazendo referência aos “relatórios de má conduta policial com motivação racial e às alegações de infiltração de alguns segmentos das polícias por movimentos de extrema-direita”. A Comissária insta as autoridades portuguesas a “aplicar uma política de tolerância zero quanto a qualquer manifestação de racismo nas polícias” e a “estabelecer um mecanismo totalmente independente de queixa contra as polícias encarregue da investigação de todas as queixas de maus-tratos policiais”.

Mijatovic defende que as autoridades portuguesas devem ainda “intensificar a sua resposta ao racismo, nomeadamente ao discurso e crimes de ódio, adotando e implementando um plano de ação abrangente contra o racismo e a discriminação, à altura dos desafios existentes”. A responsável do Conselho da Europa considera fundamental envolver as organizações não governamentais (ONG) antirracismo e defensoras dos direitos humanos na conceção e implementação dessa estratégia. Bem como garantir que “os agentes policiais, procuradores e juízes” recebem “formação sobre a legislação existente em matéria de combate ao racismo e à discriminação, assim como sobre a identificação e tratamento devido dos ilícitos motivados pelo ódio”.

Mijatovic enfatiza que a estratégia adotada deve ser “suficientemente abrangente para cobrir o impacto da discriminação em vários aspetos da vida, como a habitação, o emprego e o acesso a cuidados de saúde”. Deve ser ainda tomado em conta “o impacto da discriminação interseccional em certas categorias de pessoas, isto é, situações em que a discriminação racial intersecta outras formas de discriminação, incluindo a discriminação com base no género, idade, origem social ou étnica, língua, religião, deficiência, orientação sexual ou identidade de género”.

“Violência contra as mulheres continua a ser um fenómeno que regista níveis alarmantes”

O Conselho da Europa diz que “não obstante, a violência contra as mulheres continua a ser um fenómeno que regista níveis alarmantes em Portugal”. É “essencial dar passos adicionais que ponham em causa mundivisões enviesadas e atitudes paternalistas e continuar a sensibilizar a sociedade, deixando claro que a violência contra mulheres, incluindo a violência doméstica, é uma grave violação dos direitos humanos e, portanto, um crime, cujos autores devem ser responsabilizados”, lê-se no documento.

Para que esta importante mensagem seja ouvida, Dunja Mijatovic insta as autoridades “a tomar medidas que assegurem que os crimes de violência doméstica sejam devidamente investigados e levados a tribunal, sendo as penas fixadas à altura da gravidade dos crimes e suficientemente dissuasoras”. E a “continuar a melhorar a formação dos agentes policiais, magistrados judiciais e também, de forma mais alargada, de todos aqueles que prestem serviços às mulheres vítimas de violência”.

Se, por um lado, a Comissária saúda os passos recentemente dados pelas autoridades, incluindo para garantir que as crianças que presenciam violência doméstica sejam consideradas antes de mais como vítimas e recebam a proteção adequada, por outro, apela à alteração da definição de violação no Código Penal, para que a mesma “seja inteiramente baseada na ausência de livre consentimento da vítima”.