Portugal é um dos países com maior desigualdade de riqueza na Europa. Segundo dados do World Bank, só fica atrás da Bulgária, Turquia, Lituânia, Rússia e Itália. Na União Europeia, fica apenas atrás da Bulgária, Lituânia e Itália.
Para construir estes rankings, a World Bank utiliza o coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade que compara o total da riqueza de um país com a percentagem acumulada de pessoas com rendimentos mais baixos a mais elevados. Mas mesmo quando olhamos para a desigualdade em termos mais concretos, o problema de desigualdade mantém-se.
De acordo com a World Inequality Database, os 10% da população mais rica de Portugal detém 60% do total da riqueza do país. A nível da União Europeia, estamos empatados com a Grécia e a Letónia, e só atrás da Suécia, Hungria, Irelanda, Polónia e Áustria, todos na casa dos 60% também. Quase metade dessa riqueza é do 1% mais rico da população portuguesa, que detém 25% da riqueza nacional.
O património acumulado das 50 famílias mais ricas de Portugal corresponde a 45 mil milhões de euros. Isto é equivalente 17% do Produto Interno Bruto português de 2023. Dessa lista, as dez famílias mais ricas têm um património acumulado de 24,2 mil milhões de euros, equivalente a 9% da riqueza produzida em Portugal em 2023.
No top 25 dessa lista, todas as famílias têm um património superior a 300 milhões de euros, e a família mais rica é por longa margem a família Amorim, com uma fortuna avaliada em 5.400 milhões de euros. Ou seja, quase um quarto do património acumulado das 10 famílias mais ricas.
A tendência é, de resto, internacional. Os 1,5% mais ricos do mundo detêm 48% da riqueza mundial. Já na zona Euro, os 5% mais ricos detêm cerca de 43% da riqueza dessa área. O número de milionários cresce rapidamente na última década e, durante a pandemia, enquanto os trabalhadores perdiam mais de três mil biliões (1.000.000.000.000) de dólares em rendimentos a nível global, os mais ricos ganhavam quatro mil biliões de dólares.
Justiça fiscal
“Portugal é um dos países mais desiguais da Europa” e por isso precisamos de taxar os ricos
Ao mesmo tempo, as desigualdades crescem. Portugal é o país da OCDE onde é mais difícil comprar casa. O relatório Portugal, Balanço Social 2024 mostra que pelo menos 900 mil pessoas que têm emprego em Portugal vivem numa situação de pobreza absoluta. Mais de metade dos trabalhadores ganham entre 800 e 1.000 euros. O estudo Tendências recentes da pobreza e da privação em Portugal, publicado em janeiro de 2025, dava conta de que a taxa de risco de pobreza em Portugal em 2023 teria sido de 40,3% se não fossem as transferências sociais. Esses 40,3% baixam para 16,6% depois das transferências sociais. Isso significa que as políticas de redistribuição de riqueza cortam o risco de pobreza em mais de metade.
Impostos cobrados a quem?
Apesar disso, a carga fiscal em Portugal é inferior à média europeia. Isso não significa que se paguem poucos impostos, antes que a sua incidência está mal distribuída. Ou seja, há uma injustiça fiscal em benefício da riqueza em detrimento de quem trabalha. Entre 2000 e 2022, os principais impostos sobre o trabalho aumentaram 4% enquanto os impostos sobre o capital subiram apenas 0,2%, apesar de haver um crescimento de rendimentos de capital.
Numa grande parte dos países europeus, o património pesa mais na receita fiscal do que em Portugal. É o caso da transmissão de património, onde Portugal tem um imposto máximo de 10%. Em países como Espanha, o imposto sobre heranças vai até 87,6%, dependendo das regiões autónomas. Na Bélgica, chega aos 80% e em França aos 60%. Só Itália, Croácia e Bulgária têm impostos inferiores a Portugal.
Segundo dados da OCDE de 2022 (os mais recentes disponíveis no site da OCDE), os impostos sobre propriedade em Portugal representavam, nesse ano, um peso relativo de 4,20% face ao bolo total de impostos. Em comparação, em países como o Reino Unido, Coreia do Sul e até os Estados Unidos da América, essa percentagem ultrapassava os 10%.
Esses impostos sobre quem tem mais riqueza têm sido pouco a pouco reduzidos em Portugal. A única exceção é mesmo o Imposto Adicional ao IMI (AIMI, também conhecido como “imposto Mortágua”), que em 2020 gerou uma receita de 304 milhões de euros à Segurança Social, ajudando a garantir a sua estabilidade.
Por contraponto, os impostos indiretos – sobre consumo, como o IVA – em Portugal são superiores à média europeia. São impostos que afetam toda a gente indiscriminadamente, e por isso pesam mais sobre quem é mais pobre. Em Portugal, são a maior fonte de receita do sistema fiscal
Taxar os ricos
Os impostos sobre a riqueza não são impostos que impactem a maioria da população. Países como a Espanha, a Suíça e a Noruega taxam a totalidade da riqueza acima de um certo valor, enquanto a França, a Itália, e a Bélgica taxam bens específicos.
A Espanha tem um imposto progressivo de 0,16% a 3,5% sobre riqueza líquida acima dos 700.000 euros. Para além disso, o Governo espanhol introduziu em 2022 um “imposto temporário solidário” de entre 1,7% e 3,5% em fortunas líquidas acima dos três milhões de euros.
Frente a frente
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É neste modelo que se baseia a proposta do Bloco de Esquerda para a taxação das grandes fortunas em Portugal. O partido propõe um “imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas”, que incide sobre o património líquido dos sujeitos passivos cuja fortuna seja superior a 2.000 salários mínimos nacionais.
Essa taxa será de 1,7% a partir dos três milhões de euros, de 2,5% a partir os cinco milhões e de 3,5% a cima dos 10 milhões de euros. Três milhões de euros em património líquido são 250 anos a trabalhar na vida de alguém que ganha o salário mínimo.
A proposta recai sobre os 0,5% mais ricos de Portugal, segundo os dados da Tax Justice Network. São 42.000 pessoas num país com mais de dez milhões de habitantes, e o imposto teriam um retorno de 3.493 milhões de euros, que poderiam servir para financiar os serviços públicos, a Segurança Social e garantir mais rendimento a quem trabalha.
Para além disso, a proposta de justiça fiscal do Bloco implica uma série de medidas adicionais que garantem que esta tributação é exequível. No combate à evasão fiscal, a política fiscal do partido passa por rever os acordos de dupla tributação com países que isentam o rendimento de tributação e a criminalização dos off-shores, usados para proteger dinheiro dos impostos nacionais.
Um retorno anual de 3.493 milhões de euros permitiria redirecionar financiamento para áreas da economia que podem criar empregos com qualidade e necessários. Por exemplo, o relatório da Campanha de Empregos para o Clima, datado de 2015, aponta um custo de entre três a cinco mil milhõs por ano para a criação de 100 mil empregos diretos e com qualidade para fazer a transição energética em Portugal. Esse investimento colocaria Portugal na vanguarda da transição ecológica, com melhores condições de vida e empregos estáveis.
Mais 3.493 milhões de euros também fazem falta ao Serviço Nacional de Saúde, que vê as suas urgências constantemente encerradas por falta de profissionais. Com um orçamento de 15.552 milhões em 2024, um aumento de 3,5 mil milhões colocaria o investimento no Serviço Nacional de Saúde em mais de 19 mil milhões, ajudando a garantir o acesso de saúde a toda a gente que trabalha em Portugal.