No âmbito do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão Europeia (CE) propôs, em 22 de junho de 2022, um regulamento sobre a utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos, como parte de um pacote de medidas que visa reduzir a pegada ambiental do sistema alimentar da União Europeia.
A proposta da CE foi alvo de debate na comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu, que propôs reforçar as medidas nela incluídas, prevendo não apenas reduzir em 50% a utilização de pesticidas químicos, mas também diminuir a utilização dos chamados “produtos mais perigosos” em 65%, em vez de 50%, bem como proibir todos os pesticidas químicos em determinadas áreas, como as zonas Natura 2000 e espaços verdes urbanos. O relatório da comissão foi sujeito a inúmeras emendas, por parte dos partidos mais à direita, assim como eurodeputados do grupo liberal Renew, que enfraqueceram a proposta.
Após um debate na terça-feira, 21 de novembro, os eurodeputados votaram na quarta-feira pela rejeição da proposta da Comissão Europeia, alterada pelos eurodeputados em plenário, com 299 a votarem contra, 207 a apoiarem a proposta e 121 a absterem-se.
An outrageous scandal.
The @europarl_en failed to approve a regulation on #PesticideFreeEU
This is a dark day for nature, farmers & people across the EU.
Despite aiming for a 50% reduction by 2030, lobbyists opposed it, backed by right-wing parties.
We'll keep you posted. pic.twitter.com/cNGwglJ7z5
— The Left in the European Parliament (@Left_EU) November 22, 2023
Mediante esta votação, o Parlamento bloqueou as propostas para a revisão do Regulamento de Utilização Sustentável de Pesticidas, rejeitando ainda que o diploma volte a ser analisado pela comissão de Ambiente do Parlamento Europeu. O Conselho Europeu ainda terá de decidir a sua posição sobre a proposta para determinar se esta será definitivamente rejeitada ou se regressa ao Parlamento para uma segunda leitura.
O uso excessivo de pesticidas está a poluir solos e água, a matar as abelhas, insectos e aves, a envenenar trabalhadores agrícolas e consumidores. Hoje o PE decide se o nosso futuro continuará a ser um presente envenenado. Eu voto por uma UE livre de pesticidas.
#PesticideFreeEU pic.twitter.com/VY8pENKbqy— Marisa Matias (@mmatias_) November 22, 2023
“Para esta legislatura, o SUR está morto”, lamentou a eurodeputada Sara Wiener, relatora da proposta da comissão de Ambiente, numa conferência de imprensa no final da votação. “É um dia muito negro para o ambiente e para os agricultores”, acrescentou.
“Depois de ter destruído completamente o texto, a aliança da direita e da extrema-direita votou contra a continuação dos trabalhos em comissão, vencendo por 30 votos. Os eleitores europeus é que irão julgar”, escreveu o eurodeputado liberal Pascal Canfin, presidente da comissão de Ambiente, na rede social X.
Lóbi esfrega as mãos
A Copa-Cogeca, que agrega associações de produtores de toda a UE, congratulou a rejeição do relatório da comissão de Ambiente, afirmando que a abordagem da Comissão Europeia relativamente aos produtos fitofarmacêuticos é “ideológica” .
“Os eurodeputados enviaram uma mensagem decisiva: a falta de diálogo, a imposição de objetivos a partir de cima, a recusa de avaliar o impacto e a falta de financiamento das propostas agrícolas têm de acabar já”, refere o grupo de interesse em comunicado citado pelo jornal Público.
Já o diretor executivo da Pesticide Action Network (PAN) Europa, Martin Dermine, não tem dúvidas: “É evidente que o lóbi do agro-negócio tomou o controlo da nossa Casa da Democracia”.
The #EUGreenDeal is DEAD. The EU Parliament just voted down the proposal for reduction of #pesticides. The chemical industry can continue to poison us. A sad loss for citizens and farmers #health, #biodiversity and #water quality. #SUR #PesticideFreeEU.https://t.co/WTKiuZidx7
— PAN Europe (@EuropePAN) November 22, 2023
A organização não governamental Corporate Europe Observatory (CEO), que publicou, no início da semana, um relatório onde descreve a forma como as negociações do SUR foram marcadamente influenciadas pelos lóbis da indústria de pesticidas também já reagiu ao resultado da votação no Parlamento Europeu: "O lóbi dos pesticidas e a direita conseguiram sabotar a lei de redução de pesticidas SUR. Que desastre. É uma calamidade para os agricultores, os cidadãos e o ambiente".
The pesticide lobby and the right-wing have managed to sabotage pesticide reduction law #SUR .
What a disaster. It is a calamity for farmers, citizens, and the environment.
If you want to know how this law got slashed, read our report here: https://t.co/aZTQ9Y6Tpu pic.twitter.com/IiyA9BGOVb
— Corporate Europe Observatory (CEO) (@corporateeurope) November 22, 2023
Bayer é derrotada em tribunal
Na passada sexta-feira, dia 17, um júri de um tribunal do Missouri, nos Estados Unidos, condenou a Bayer ao pagamento de 1,56 mil milhões de dólares, o equivalente a 1,43 mil milhões de euros, a quatro pessoas a quem o herbicida Roundup causou danos físicos. Um dos visados foi diagnosticado com cancro. A gigante química e farmacêutica alemã já afirmou estar confiante de que poderá anular esta decisão em recurso.
O Roundup, nome comercial do glifosato, é produzido pela Monsanto, adquirida pela Bayer há cinco anos. A Bayer tem vindo a ser alvo de vários processos judiciais, com os danos alegadamente causados pelo Roundup a resultarem em cerca de 165.000 reclamações contra a empresa.
Há três anos, a Bayer chegou a acordos na maioria destes casos, pagando perto de 10,9 mil milhões de dólares. Ainda assim, a Reuters refere estarem pendentes 50 mil queixas.
A França já admitiu a ligação entre a doença de Parkinson e o glifosato, estando a compensar os agricultores diagnosticados com esta patologia nos últimos três anos. Mas a Comissão Europeia acabou de decidir o prolongamento da autorizaçao para o uso do glifosato, com algumas limitaçoes, por mais dez anos, após os governos não terem conseguido chegar a uma maioria qualificada para decidir se prolongavam ou não essa autorização.