Parlamento Europeu chumba redução do uso de pesticidas

23 de novembro 2023 - 15:31

Eurodeputados rejeitaram proposta da Comissão Europeia para reduzir para metade o risco e a utilização de pesticidas até 2030. Organizações não governamentais lamentam vitória dos lóbis e da direita: “É uma calamidade para os agricultores, os cidadãos e o ambiente".

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Foto de Austin Valley/Flickr

No âmbito do Pacto Ecológico Europeu, a Comissão Europeia (CE) propôs, em 22 de junho de 2022, um regulamento sobre a utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos, como parte de um pacote de medidas que visa reduzir a pegada ambiental do sistema alimentar da União Europeia.

A proposta da CE foi alvo de debate na comissão de Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu, que propôs reforçar as medidas nela incluídas, prevendo não apenas reduzir em 50% a utilização de pesticidas químicos, mas também diminuir a utilização dos chamados “produtos mais perigosos” em 65%, em vez de 50%, bem como proibir todos os pesticidas químicos em determinadas áreas, como as zonas Natura 2000 e espaços verdes urbanos. O relatório da comissão foi sujeito a inúmeras emendas, por parte dos partidos mais à direita, assim como eurodeputados do grupo liberal Renew, que enfraqueceram a proposta.

Após um debate na terça-feira, 21 de novembro, os eurodeputados votaram na quarta-feira pela rejeição da proposta da Comissão Europeia, alterada pelos eurodeputados em plenário, com 299 a votarem contra, 207 a apoiarem a proposta e 121 a absterem-se.

Mediante esta votação, o Parlamento bloqueou as propostas para a revisão do Regulamento de Utilização Sustentável de Pesticidas, rejeitando ainda que o diploma volte a ser analisado pela comissão de Ambiente do Parlamento Europeu. O Conselho Europeu ainda terá de decidir a sua posição sobre a proposta para determinar se esta será definitivamente rejeitada ou se regressa ao Parlamento para uma segunda leitura.

“Para esta legislatura, o SUR está morto”, lamentou a eurodeputada Sara Wiener, relatora da proposta da comissão de Ambiente, numa conferência de imprensa no final da votação. “É um dia muito negro para o ambiente e para os agricultores”, acrescentou.

“Depois de ter destruído completamente o texto, a aliança da direita e da extrema-direita votou contra a continuação dos trabalhos em comissão, vencendo por 30 votos. Os eleitores europeus é que irão julgar”, escreveu o eurodeputado liberal Pascal Canfin, presidente da comissão de Ambiente, na rede social X.

Lóbi esfrega as mãos

A Copa-Cogeca, que agrega associações de produtores de toda a UE, congratulou a rejeição do relatório da comissão de Ambiente, afirmando que a abordagem da Comissão Europeia relativamente aos produtos fitofarmacêuticos é “ideológica” .

“Os eurodeputados enviaram uma mensagem decisiva: a falta de diálogo, a imposição de objetivos a partir de cima, a recusa de avaliar o impacto e a falta de financiamento das propostas agrícolas têm de acabar já”, refere o grupo de interesse em comunicado citado pelo jornal Público.

Já o diretor executivo da Pesticide Action Network (PAN) Europa, Martin Dermine, não tem dúvidas: “É evidente que o lóbi do agro-negócio tomou o controlo da nossa Casa da Democracia”.

A organização não governamental Corporate Europe Observatory (CEO), que publicou, no início da semana, um relatório onde descreve a forma como as negociações do SUR foram marcadamente influenciadas pelos lóbis da indústria de pesticidas também já reagiu ao resultado da votação no Parlamento Europeu: "O lóbi dos pesticidas e a direita conseguiram sabotar a lei de redução de pesticidas SUR. Que desastre. É uma calamidade para os agricultores, os cidadãos e o ambiente".

Bayer é derrotada em tribunal

Na passada sexta-feira, dia 17, um júri de um tribunal do Missouri, nos Estados Unidos, condenou a Bayer ao pagamento de 1,56 mil milhões de dólares, o equivalente a 1,43 mil milhões de euros, a quatro pessoas a quem o herbicida Roundup causou danos físicos. Um dos visados foi diagnosticado com cancro. A gigante química e farmacêutica alemã já afirmou estar confiante de que poderá anular esta decisão em recurso.

O Roundup, nome comercial do glifosato, é produzido pela Monsanto, adquirida pela Bayer há cinco anos. A Bayer tem vindo a ser alvo de vários processos judiciais, com os danos alegadamente causados pelo Roundup a resultarem em cerca de 165.000 reclamações contra a empresa.

Há três anos, a Bayer chegou a acordos na maioria destes casos, pagando perto de 10,9 mil milhões de dólares. Ainda assim, a Reuters refere estarem pendentes 50 mil queixas.

A França já admitiu a ligação entre a doença de Parkinson e o glifosato, estando a compensar os agricultores diagnosticados com esta patologia nos últimos três anos. Mas a Comissão Europeia acabou de decidir o prolongamento da autorizaçao para o uso do glifosato, com algumas limitaçoes, por mais dez anos, após os governos não terem conseguido chegar a uma maioria qualificada para decidir se prolongavam ou não essa autorização.