"Os ataques mortais a hospitais dentro e à volta de Gaza, e os combates associados, colocaram o sistema de saúde à beira do colapso total, com um efeito catastrófico no acesso palestiniano aos cuidados de saúde", resume a agência da ONU, num relatório divulgado esta terça-feira que analisa os ataques israelitas à infraestrutura de saúde na Faixa de Gaza, justificada pelo exército sionista com a suposta presença de centros de comando do Hamas nos edifícios ou em túneis subterrâneos em terrenos dos hospitais.
“A destruição deliberada de instalações de cuidados de saúde pode constituir uma forma de punição colectiva, em violação do Direito Humanitário Internacional, que constituiria igualmente um crime de guerra”, aponta o relatório, recordando que uma regra fundamental nas leis humanitárias é que os feridos e doentes devem ser tratados e os civis e não-combatentes protegidos, além das disposições específicas destinadas ao pessoal médico e aos próprios edifícios hospitalares.
Entre outubro de 2023 e o fim de junho de 2024, 22 dos 38 hospitais em Gaza tornaram-se inoperacionais devido aos ataques de Israel. O relatório sublinha que mesmo antes dessa data, o bloqueio a Gaza e os bombardeamentos israelitas desde 2008 já tinham debilitado bastante o sistema de saúde na Faixa de Gaza. Mas no último ano a situação tornou-se “catastrófica”, com os ataques a hospitais a seguirem o mesmo padrão, com mísseis a atingirem os edifícios hospitalares, os tiros contra civis, os cercos às unidades hospitalares e a ocupação temporária dos hospitais peas tropas ocupantes. Fora do âmbito da análise detalhada do relatório ficaram os casos de detenções arbitrárias, desaparecimentos e maus-tratos ao pessoal médico.
A investigação do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos detalha alguns dos ataques israelitas aos hospitais em Gaza, a começar no início de novembro de 2023 com o bombardeamento do hospital al-Shifa, na cidade de Gaza, junto ao qual se encontravam milhares de refugiados.
Nos seus comentários ao relatório, o governo de Netanyahu aponta o dedo ao Hamas por “abusar sistematicamente da proteção das instalações hospitalares” e afirmou que o seu exército tomou medidas para mitigar os danos civis, como rotas de evacuação dos hospitais e fornecimento de equipamento médico e combustível para assegurar o funcionamento. Mas o organismo da ONU considera que “esses passos não foram suficientes para compensar os efeitos da destruição causada pelos ataques aos hospitais”, bem como aos cercos e combates em zonas nas suas imediações. Citando dados do Ministério da Saúde de Gaza, contabiliza em mais de 500 mortos entre o pessoal médico e uma queda de 80% no número de camas hospitalares disponíveis. Por outro lado, mesmo nas instalações não atingidas pelas bombas israelitas, a falta de equipamento básico levou à morte de muitos feridos que aguardavam tratamento. Entre os que foram tratados, incluindo cirurgias, não tiveram direito a condições dignas de internamento e acabaram por ter alta prematuramente devido à falta de espaço.
O relatório refere também os casos das mulheres grávidas que têm dado à luz sem nenhuma ou com mínima assistência pré e pós-natal, aumentando o risco de mortalidade infantil e maternal, com o Alto Comissariado a receber relatos da morte de recém-nascidos devido à falta desses cuidados. A falta de segurança tem também afastado as mulheres e raparigas das instalações de saúde em Gaza, impedindo-as de receber a assistência necessária, o mesmo acontecendo a quem tem doenças crónicas, por exemplo os 1.100 doentes dos rins que perderam acesso ao tratamento de diálise ou os dez mil doentes de cancro que ficaram também sem tratamento.
O Alto Comissariado lembra as obrigações de Israel enquanto potência ocupante para assegurar o funcionamento do sistema público de saúde e higiene, registando as violações destas obrigações através dos ataques, o cerco aos hospitais ou os bloqueios à entrada de equipamento e medicamentos, bem como as evacuações das instalações sem alternativa para os doentes, tudo isto podendo constituir crimes de guerra.
“As forças armadas israelitas não forneceram informações suficientes que permitam comprovar, de forma independente, as suas declarações, quando feitas, de que os hospitais, as ambulâncias e o pessoal atacado tinham perdido a sua proteção especial e constituíam objetivos militares”, aponta o relatório.
Nas suas conclusões, o organismo da ONU refere que a provar-se que os 136 ataques efetuados até ao fim de junho a pelo menos 27 hospitais e outras 12 instalações médicas visaram deliberadamente os civis, incluindo médicos e enfermeiros, isso corresponderia a crimes de guerra, o que, a julgar pelo tipo de armamento escolhido pelo exército para atingir aquelas zonas densamente povoadas, terá acontecido por diversas vezes e com o conhecimento dos atacantes que dispunham de informação precisa sobre a concentração de pessoas nos hospitais.
“Dadas as limitações do próprio sistema judicial de Israel no que respeita à conduta das suas forças armadas”, o Alto Comissariado apela a investigações independentes para reunir e preservar provas para futuras acusações em tribunais domésticos ou internacionais. “Como este relatório sublinhou, a destruição do sistema de saúde de Gaza e a dimensão da matança de doentes, funcionários e outros civis nestes ataques, é uma consequência direta do desrespeito da lei internacional humanitária e dos direitos humanos”, conclui o relatório.