“Tínhamos a polícia à porta e tínhamos de nos identificar”, diz Maria Graça. Foi nesse clima de repressão que os estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, inflamados pelos ares do Maio de 68 em França, organizaram a resistência ao regime do Estado Novo entre 1968 e 1974.
A Faculdade de Ciências era na Rua da Politécnica, onde é hoje o Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Graça e Maria Graça, irmãs gémeas, participaram na resistência organizada a partir daquela faculdade, numa altura em que o regime fascista começava a mostrar as suas fissuras. O desgaste da guerra colonial, o isolamento internacional de Portugal as perseguições, prisões e censura da Pide geravam cada vez mais indignação entre as camadas mais jovens da sociedade.
“Houve muitos colegas nosso que foram presos e expulsos”, diz Graça. “E o que se passou na Faculdade de Ciências passou-se nas outras escolas todas de Lisboa, do Porto e de Coimbra”.

Em 1968, é eleita para a Associação de Estudantes da FCUL a proposta do Movimento Associativo “ELO entre um estudante novo e uma Universidade nova”, uma lista de esquerda que expulsa a direita da Associação de Estudantes. Até 1974, outras listas de esquerda são eleitas, mas a direita não volta mais a ter controlo sobre aquela estrutura.
“A direção da Associação de Estudantes foi perseguida pela polícia, e aquilo manteve-se porque a organização estava estruturada nas bases, ou seja, nos cursos. Portanto mesmo com a direção afastada, aquilo continuou”, explica Maria Graça.
Entre 1971 e 1974, os estudantes organizados na Faculdade de Ciências combateram os problemas dos estudantes nas faculdades, mas também a repressão que era exercida pelo regime. Desde piquetes de informação contra as bichas para inscrição nas turmas, até à denúncia da violência contra estudantes, os estudantes fizeram greve geral às aulas e aos exames.

“Nós e mais 15 pessoas fomos presas por fazer greve”, explica Graça. “Nem foi por problemas particulares do ensino, foi porque a polícia tinha fechado a associação e porque os nossos dirigentes estavam a ser perseguidos. Ficávamos por solidariedade”.
Mas nessa altura, várias dezenas de estudantes foram presos, como explicam Graça e Maria Graça. A resistência era feita também dessas prisões. Entre as atividades de resistência, o dia 12 de outubro de 1971 mudou tudo. José António Ribeiro Santos, estudante de direito, foi assassinado por um pide num meeting sobre a repressão, em Económicas. A indignação foi geral. Os estudantes reuniram-se e declararam a paralisação de toda a atividade escolar, em Lisboa foram distribuídos milhares de comunicados.

“Estivemos em greve às aulas durante imenso tempo e conseguiu unir todos os estudantes na altura”, explica Graça. “O movimento radicalizou-se muito nessa altura, e a repressão também”. Essa radicalização manteve-se até a 1974, onde nos primeiros meses ainda houve prisões de estudantes.
Depois do 25 de abril “fomos para a rua”, explicam as irmãs. As palavras de ordem tornaram-se sobre a guerra colonial e explodiu na sociedade uma participação democrática que significava que a luta dos estudantes de Ciências já não era só sobre isso. “Fizemos contacto com a população, mas a Associação de Estudantes continuou e o jornal que publicávamos, o Improp, ainda se publica hoje”.
A resistência em exposição
Na quarta-feira, inaugurou-se no Liceu Camões a exposição “Não cruzaremos os braços”, sobre a resistência dos estudantes de Ciências contra o regime ditatorial entre 1968 e 1974. A exposição já passou pela própria Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas agora estará no Liceu Camões até 29 de novembro. Graça e Maria Graça fazem parte da organização da exposição.
“Nos liceus também havia luta e começávamos jovens a disputar”, explica o diretor da Escola Secundária. “Um conjunto de alunos do liceu foram apanhados numa manifestação e raparam-lhes o cabelo. Três jovens entraram na escola no dia seguinte de cabelo rapado”.
João Jaime Pires está a referir-se à noite da “Carecada”, quando 152 alunos foram detidos em assembleia no Hospital de Santa Maria e, para humilhá-los, a Pide mandou rapar a cabeça dos rapazes. Mas ao aparecerem no Liceu Camões no dia a seguir, a “carecada” teve o efeito oposto.
Entre esses jovens, estavam alguns que viriam a fazer parte da resistência na Faculdade de Ciências. “É nesse contexto que esta exposição se cruza com o movimento estudantil”, explica o diretor do Liceu Camões, para quem a exposição faz sentido ser na semana em que se comemorará o 25 de novembro, porque “estamos a esquecer o mais importante, que é o 25 de abril que nos dá a liberdade”.