SNS

Médicos responsabilizam ministra pelo “verão caótico” nas urgências

14 de junho 2024 - 13:20

Presidente da FNAM diz ser inaceitável que se continuem a encerrar serviços por falta de médicos e desta vez “com a agravante de haver ocultação de informação” por parte da ministra Ana Paula Martins. Bloco quer ouvir administração demissionária da ULS de Viseu Dão-Lafões, por entender que “o passa-culpas como estratégia não resolve nenhum problema”.

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Ana Paula Martins
Ana Paula Martins. Foto Ministério da Saúde/X

A ministra da Saúde continua a recusar a negociação das carreiras e salários com os médicos e ao mesmo tempo decidiu esconder dos utentes quais as urgências encerradas, tendo decretado o fim da publicação dos mapas das urgências na internet e encaminhado os doentes para as linhas telefónicas da Saúde 24. O escândalo provocado por esta falta de transparência levou Ana Paula Martins a anunciar no Parlamento o recuo nesta decisão, prometendo voltar a divulgar online quais as urgências fechadas na quinta-feira, mas não cumpriu o prometido. Na manhã desta sexta-feira, os mapas das urgências de pediatria, ginecologia e obstetrícia ainda tinham a data de atualização do fim de abril.

Para a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), “é inaceitável que continuem a encerrar serviços por falta de médicos”, com a agravante de “haver ocultação de informação”. Joana Bordalo Sá disse ao Diário de Notícias que se houver “consequências nefastas, a ministra da Saúde será a responsável por estas nos doentes” e acrescentou que a situação que se vive nos hospitais faz “adivinhar um verão caótico”.

A dirigente sindical dos médicos sublinha que o encerramento de serviços de urgência por falta de médicos “só acontece porque a discussão de salários, carreira e condições de trabalho no SNS ficou para último plano em termos de prioridades para o Governo” e no Ministério da Saúde “estão a tentar remediar com alternativas que podem ter consequências nefastas para os utentes. E adivinha-se um verão caótico”.

“As soluções da FNAM já foram apresentadas e a receita mantém-se: é urgente negociar salários de base justos e condições de trabalho dignas, para que haja médicos de norte a sul, do litoral ao interior e nas ilhas, tanto nos centros de saúde como nos hospitais do SNS”, concluiu.

A FNAM assinalou esta semana “mais um recorde para o Governo”, quando se tornou público que o SNS nunca teve tantos médicos reformados ou aposentados a trabalhar. E acusa o executivo PSD/CDS de insistir numa estratégia “duplamente penalizadora: aumenta o desgaste numa profissão de risco e penosidade e não estimula a fixação de jovens médicos”.

Neste momento, os médicos já esgotaram o limite anual das 150 horas extraordinárias e o Governo não acautelou o reforço das equipas dos serviços de urgência no período de férias, o que faz antever que os constrangimentos já sentidos em muitas urgências se agravarão nos próximos meses.

Novo regime de contratação de especialistas “agrava ainda mais os contrastes entre regiões” 

Na reunião entre a FNAM e o Ministério na semana passada sobre a alteração ao regime de recrutamento de médicos recém-especialistas, o Governo não acolheu nenhuma das propostas da federação sindical e manteve a responsabilidade pela celebração dos contratos nas Unidades Locais de Saúde, “que prevê a generalização dos contratos individuais de trabalho dada a sua natureza empresarial, impossibilitando contratos de trabalho em funções públicas, que seriam mais favoráveis aos médicos e ao SNS”. Por outro lado, o regime “agrava ainda mais os contrastes entre regiões” ao extinguir os concursos nacionais de colocação de especialistas, com o número de vagas e a escolha dos candidatos a dependerem dos critérios de cada instituição e da sua capacidade financeira”, alertou a FNAM.

No final de maio a FNAM reagiu à apresentação do Plano de Emergência da Saúde por parte do Governo, considerando-o um convite “a mais trabalho extraordinário e também mais trabalho precário”, através de um documento repleto de “medidas temporárias, vazias em soluções, baseadas em incentivos incertos e insuficientes, que implicam o agravamento da deterioração das condições de trabalho, que vão intensificar desigualdades e acentuar a desestruturação das equipas”.

Bloco quer ouvir administração demissionária da ULS de Viseu Dão-Lafões

Outra consequência das declarações da ministra da Saúde esta semana no Parlamento, ao atirar para as administrações hospitalares as culpas de não se conseguir manter urgências e outros serviços em pleno funcionamento, foi a demissão do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde de Viseu Dão Lafões.

O encerramento da urgência pediátrica no período noturno no hospital de Viseu levou mais de 13 mil utentes a subscreverem um abaixo-assinado contra a sua entrada em vigor no início do mês, além de manifestações promovidas por grupos de pais e mães do concelho, indignados por terem de passar a percorrer 80 quilómetros à noite no caso de necessidade de atendimento urgente para as suas crianças.

Soube-se entretanto pelas declarações do ex-diretor executivo do SNS que a ministra estava avisada desde o dia 14 de maio por aquele centro hospitalar que o encerramento noturno seria inevitável por falta de médicos para preencher as escalas, nada tendo feito para o evitar.

Para o Bloco de Esquerda, a ministra Ana Paula Martins, enquanto “principal responsável pela política de saúde e pelo funcionamento do SNS, não pode saber de possíveis encerramentos e nada fazer, não deve ter conhecimento de carência de profissionais e nada fazer, não pode deixar encerrar e depois atirar as culpas para as unidades de saúde”.

Por isso,a deputada bloquista Marisa Matias afirma que “torna-se imperativo e urgente ouvir a administração demissionária”, pois “o passa-culpas como estratégia não resolve nenhum problema e certamente não fará os investimentos que a região de Viseu e que o SNS necessitam”.