Há duas semanas, estimámos, à luz dos dados disponíveis na altura, que as forças de ocupação israelitas iriam parar a sua campanha intensiva de bombardeamentos pesados no início deste novo ano e passar para uma “guerra de baixa intensidade” cujo objetivo seria apertar o controlo sobre a maior parte do território da Faixa de Gaza caído sob o seu domínio, erradicar toda a resistência remanescente no seu interior e destruir a rede de túneis que permanecem sob o seu solo (ver "Para onde vai a guerra de Israel em Gaza?", 20/12/2023). Na segunda-feira, primeiro dia deste novo ano, o porta-voz oficial do exército de ocupação anunciou a retirada de cinco brigadas de Gaza, compostas maioritariamente por soldados na reserva, no que foi interpretado pelos observadores como um primeiro passo para a passagem a uma “guerra de baixa intensidade”, como prometeram os governantes de Israel aos seus apoiantes externos, sobretudo os Estados Unidos.
A verdade é que, tanto por razões humanas quanto por razões económicas, o Estado sionista não pode continuar por muito tempo a travar uma guerra com a mesma intensidade da que tem travado desde o “Dilúvio de Al-Aqsa”. Isto porque Israel é um país relativamente pequeno, com uma população judaica de apenas pouco mais de sete milhões de habitantes, dos quais um milhão e meio são homens em idade de prestar serviço militar (para além de um milhão e meio de mulheres que ainda não foram envolvidas na guerra). Não pode continuar a mobilizar cerca de meio milhão de reservistas durante muito tempo, pois isso constitui um pesado encargo humano para a sua sociedade e um encargo ainda mais pesado para a sua economia.
Até ao fim do ano passado, ou seja em menos de três meses, a guerra custou cerca de 20 mil milhões de dólares, segundo declarou ao Washington Post um antigo vice-governador do Banco Central israelita, ou seja, um custo próximo de um quarto de milhar de milhão de dólares por dia, o que é enorme para a economia do país. O governo sionista calcula que toda a guerra, que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu confirmou no sábado passado durar pelo menos um ano, lhe custará cerca de 50 mil milhões de dólares (ou seja, aproximadamente um décimo do PIB de Israel). O que torna Netanyahu e os seus aliados da extrema-direita sionista ainda mais determinados a prosseguir a guerra com menor intensidade ao longo deste novo ano é a sua aposta na vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas do próximo outono. Acreditam que Trump lhes daria luz verde para completar a “Segunda Nakba”, apoderando-se definitivamente da Faixa de Gaza e anexando-a. Como dependem do financiamento americano para atenuar o impacto da guerra na sua economia, têm de reduzir os seus custos para a poderem levar a cabo durante os próximos meses, como pretendem.
Ao mesmo tempo, porém, o governo sionista está a planear uma segunda campanha de bombardeamento intensivo que começaria assim que a intensidade dos bombardeamentos em Gaza fosse reduzida. Logo nos primeiros dias da nova ofensiva israelita, foi noticiado que o ministro sionista da “Defesa”, o antigo major-general Yoav Galant, membro do partido Likud e rival de Netanyahu, terá querido que Israel atacasse o Hezbollah no Líbano em simultâneo com a sua ofensiva contra o Hamas em Gaza. Gallant é conhecido por ser um defensor da doutrina Dahiya, aplicada pela primeira vez durante o ataque de Israel ao Líbano em 2006. Esta estratégia militar consiste em responder a qualquer pessoa que ameace a segurança de Israel de uma forma tão abrangente e destrutiva que constituiria um poderoso fator de dissuasão. Enquanto chefe do Comando Sul entre 2005 e 2010, Gallant supervisionou a aplicação desta doutrina na mortífera ofensiva de três semanas contra Gaza, que teve início no final de 2008.
No verão passado, o ministro sionista da “Defesa” ameaçou fazer regressar o Líbano à “idade da pedra”. Isto depois de ter inspecionado a zona de Shebaa Farms, na fronteira libanesa, e ter visto uma tenda montada pelo Hezbollah. Na altura, afirmou: “Aviso o Hezbollah e Nasrallah para que não cometam erros. Já cometeram erros no passado e pagaram um preço muito elevado. Se, Deus nos livre, houver aqui uma escalada ou uma confrontação, faremos o Líbano regressar à Idade da Pedra”. E continuou, repetindo: “Aviso o Hezbollah e o seu líder: Não cometam um erro. Não hesitaremos em usar todo o nosso poder e destruir cada metro pertencente ao Hezbollah e ao Líbano, se for necessário”. E acrescentou: “Quando se trata da segurança de Israel, estamos todos unidos”. Estas últimas palavras foram proferidas em resposta à afirmação do líder do Hezbollah de que Israel está enfraquecido devido à sua crise política.
Assim, a probabilidade de uma nova agressão maciça lançada pelo Estado sionista contra o Líbano tornou-se, de facto, muito elevada. O governo israelita está a encurralar o Hezbollah, exigindo-lhe que retire a sua presença militar para norte do rio Litani, cerca de 10 km a norte da fronteira libanesa, uma vez que o cumprimento da exigência faria com que o partido perdesse a face, enquanto a recusa em cumpri-la faria com que assumisse a responsabilidade de provocar uma nova agressão devastadora contra o Líbano, em particular nas zonas onde o partido está implantado. A intervenção limitada do Hezbollah na sequência do “Dilúvio de Al-Aqsa” saiu assim pela culatra, uma vez que o partido perdeu a oportunidade de obrigar Israel a travar uma guerra intensiva em duas frentes, ao passo que Israel ameaça hoje lançar um bombardeamento intensivo contra o Líbano, isolando-o depois de ter concluído o seu bombardeamento intensivo de Gaza.
Traduzido para inglês do original em árabe publicado no n Al-Quds al-Arabi a 2 de janeiro de 2024. Artigo escrito antes do assassinato de um dirigente do Hamas em Beirute.
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