Manon Aubry: “Rumo que Macron está a seguir em França é muito perigoso”

26 de setembro 2023 - 17:02

Eurodeputada da França Insubmissa e co-presidente do grupo parlamentar europeu The Left, Manon Aubry falou com o Esquerda.net sobre a escalada do autoritarismo e a aliança de Macron com a extrema-direita. Por Mariana Carneiro.

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Manon Aubry no Fórum Socialismo 2023. Foto de Ana Mendes.

Manon Aubry participou, no dia 8 de setembro, na sessão internacionalista “Combater o neofascismo”, do Fórum Socialismo 2023, ao lado de Marisa Matias e Ana Miranda (Bloco Nacionalista Galego).

Antes da sessão, a eurodeputada do La France Insoumise, e co-presidente do grupo parlamentar europeu The Left, falou com o Esquerda.net sobre a situação em França e os perigos da estratégia de Emmanuel Macron, que opta por encurralar a esquerda e banalizar a extrema direita.

Há um ano, a NUPES ficou perto de ser a força mais votada. Desde essa altura, a França viveu as mobilizações mais amplas dos últimos 50 anos, que duraram meses, com quase 15 greves gerais e milhões de pessoas na rua. Apesar da dimensão da revolta, os protestos não chegaram a paralisar a economia, Macron aguentou e o aumento da idade da reforma ficou de pé. Qual é o balanço dessa luta e como pode relançar-se?

Acho que podemos ter perdido uma batalha, mas não perdemos a guerra. A indignação e o descontentamento que foram expressos nas ruas, com uma mobilização sem precedentes, a maior desde 1968, não desapareceram. As pessoas não foram para casa e, de repente, esqueceram tudo o que aconteceu. Elas não esqueceram que Macron lhes impôs que trabalhassem mais dois anos, que milhares de pessoas poderão morrer antes de, sequer, se aposentarem. As pessoas não esquecerão que Macron impôs essa reforma contra 80% da população, contra milhões de pessoas que saíram às ruas, contra a unanimidade dos sindicatos e contra a vontade do Parlamento, porque essa medida nunca foi adotada no Parlamento. Por isso, acho que ainda não acabou. O nosso grupo no Parlamento Nacional propôs um projeto de lei para suprimir a reforma. Esperamos agora por uma nova luta no Parlamento e também por lutas nas ruas, com novas mobilizações que se avizinham.

Achas que é possível alcançar um desfecho diferente?

Acho que assumimos um forte compromisso de que nunca desistiremos. Sabemos que temos as pessoas do nosso lado.

A esquerda enfrentou todo o bloco burguês - centro, direita e extrema-direita - e recusou-se a condenar as revoltas contra a violência policial. Mas há um forte impacto dos apelos à ordem nos sectores sociais de "classe média". Como erradicar o racismo destas forças, com mais de metade dos policias a apoiarem a extrema direita, sem perder a maioria na opinião pública?

Na verdade, há dois aspetos nessa pergunta. Por um lado, Macron está a ter uma estratégia para nos encurralar como esquerda e banalizar a extrema direita. O seu melhor inimigo é a extrema direita, que ele está a incluir no que se chama de arco republicano. Ao mesmo tempo, Macron exclui-nos. Penso que essa é uma estratégia muito perigosa, porque entre o original e as cópias, as pessoas podem escolher o original, ou seja, a extrema direita. Então, ao fazer isso, Macron apenas abre um grande caminho para a extrema direita.

O racismo em França é realmente sistémico. Não somos só nós que o dizemos, mas também as ONG [organizações não governamentais] e o Provedor de Justiça francês, o Conselho da Europa… O Comissário Europeu para a Justiça, que faz parte do RENEW, o mesmo grupo que Macron, disse que há um problema com a estratégia global de manutenção da ordem.

Precisamos, definitivamente, de uma reforma estrutural, porque até o chefe nacional da polícia em França afirmou que os polícias não podem ir para a prisão, mesmo que tenham assassinado alguém. No caso de Nahel, de 17 anos, existem imagens a comprovar que aquele jovem, claramente, não representava um perigo para a polícia, mas, ainda assim, as autoridades balearam-no. Mas existem vários outros casos. A polícia não deveria estar acima da lei quando comete um crime. É por isso que precisamos realmente de fazer mudanças de baixo para cima.

E acho que podemos fazê-lo sem perder a maioria na opinião pública, porque muitas pessoas já sofreram discriminação por parte da polícia. Se fores um jovem negro em França, és controlado pelo menos 20 vezes mais pela polícia. Portanto, isso é claramente racista. E têm existido inúmeros casos de violência policial ultimamente. Penso que estamos entre os principais países da Europa onde há mais violência policial. Mais de 15 pessoas foram mortas pela polícia em menos de um ano.

Macron está a tentar instrumentalizar o medo das pessoas, a alimentar alguns dos seus receios, e a fazer uma espécie de convocação para restaurar a ordem. Mas penso que a esquerda progressista tem de estar à frente dessa luta e não devemos esquecê-la.

Manon Aubry no Parlamento Europeu Manon Aubry no Parlamento Europeu. Foto The Left.

 

Mélenchon explica a impunidade policial com o medo que Macron terá da própria polícia. Mas é certo que se assiste também a uma intensificação da repressão de rua, bem como judicial, contra os movimentos sociais, as revoltas da juventude, o movimento ambientalista. Macron está a testar os limites do regime democrático. Na tua opinião, até onde poderá ir?

Em França, a polícia faz a lei e consegue impedir os esforços necessários, por exemplo, para combater o racismo dentro do seu seio. Portanto, há o problema claro de Macron ter medo da polícia. Deveria ser ele a controlar a polícia, e não o contrário.

Por outro lado, é verdade que esta estratégia de tipo autoritário também se moveu em direção ao movimento ecologista. O governo francês, basicamente, acusou uma importante associação ambientalista de ser terrorista, só porque a mesma estava a organizar protestos para proteger os recursos hídricos. O executivo francês tem tentado desmantelar a associação, o que é muito grave. Em que democracia o governo pode decidir qual associação tem o direito de existir ou não? Esta tentativa tem sido contestada na justiça e, felizmente, ainda existe um pouco de Estado de Direito e um sistema de justiça independente na França. Mas, de qualquer forma, o que é que isso significa? Que o governo pode decidir quem tem o direito de falar e quem não tem? Quem é o próximo? Seremos nós como partido político?

Acho que devemos ter muito cuidado, porque o rumo que Macron está a seguir é muito perigoso.

Acreditas, então, que Macron pode ir muito mais longe?

Nunca sabemos onde isto vai acabar. É por isso que temos de lutar desde o início.

A França Insubmissa falhou o seu objetivo de manter a unidade da esquerda nas eleições europeias e todos os outros partidos da coligação vão apresentar-se em candidaturas próprias. Quais a razões deste fracasso e em que medida pode comprometer a credibilidade deste campo como alternativa de governo?

Acho que o objetivo para nós é claro, é ter uma lista conjunta. E todas as sondagens são esclarecedoras: se tivermos uma lista conjunta, ganhamos a eleição. Nós surgimos em primeiro, à frente de Macron e da extrema direita.

Creio que a esperança que podemos criar no país de que existe uma alternativa de esquerda e não estamos condenados a viver entre o que eu chamaria de liberalismo de extremo, ou seja, Macron e a extrema direita, poderia mudar a vida de milhões de pessoas, dos 2,5 milhões de pessoas em França que vivem em insegurança alimentar, que passam fome. Somos o sétimo país mais rico do mundo e as pessoas estão a morrer de fome no meu país. E é por essas pessoas que estamos a liderar a luta. É pela crise climática que temos diante de nós que estamos a liderar a luta.

Não podemos ter uma corrida estúpida para saber quem vai ter mais assentos. Essa postura não é adequada ao propósito e não é adequada aos desafios que enfrentamos. Agora é Macron ou a extrema direita ou nós. Então precisamos de nos unir. A França Insubmissa, como maior partido líder da coligação, não quer atirar este projeto para o lixo.

Na última sondagem, 82% dos eleitores de esquerda afirmaram ser a favor de uma lista conjunta. Então não acabou. Ainda vamos discutir e tentar convencer os nossos parceiros. E se as organizações não quiserem, ainda vamos fazer essa união com todas as pessoas que a queiram.

Houve, por exemplo, uma iniciativa muito interessante da juventude, por exemplo a organização juvenil dos Verdes, da França Insubmissa, e do Partido Socialista, que se uniram para apresentar um programa conjunto para as eleições europeias. As pessoas não desistem, principalmente os jovens, porque eles sabem, em particular, que não temos mais tempo. E não temos mais tempo para jogos estúpidos de organização.

A pressão mediática e institucional contra a França insubmissa não pára de aumentar. As campanhas tendem a retratar Mélenchon como uma ameaça à república, absolvendo assim o verdadeiro perigo que é extrema-direita. De que armas dispõe a esquerda para contrariar este dilúvio comunicacional contra si?

Uma delas passa por desenvolver os nossos próprios media e ajudar e promover os media de esquerda que existem em França. O grande problema no país é que 80% dos media estão nas mãos de uns poucos bilionários. Então, temos de apoiar os media alternativos.

Temos também de liderar a luta cultural a partir dos movimentos de base. É uma luta discreta, mas que percorre todo o país, onde sabemos que podemos promover uma narrativa alternativa. Estou certa de que podemos fazê-lo.