Maceió: a tragédia anunciada de um “Chernobyl brasileiro”

10 de dezembro 2023 - 14:27

O afundamento do solo foi promovido pela ganância da Braskem, com a anuência dos responsáveis políticos, devastou bairros e comunidades inteiras. Por Israel Dutra.

PARTILHAR
Maceió (AL) 02.12.2023, Bairros com risco de afundamento desocupados em Maceió. Minas da Braskem. Foto: Gésio Passos/Agência Brasil
Maceió (AL) 02.12.2023, Bairros com risco de afundamento desocupados em Maceió. Minas da Braskem. Foto: Gésio Passos/Agência Brasil

É dramática a situação da população de Maceió. No dia 29, quarta-feira, a Defesa Civil informou o risco iminente de desabamento de uma mina da Braskem, nos arredores da Lagoa Mundaú. Localizada entre bairros como Mutange, Bebedouro, Pinheiro, Bom Parto, Farol, entre outros, é uma das 35 minas da Braskem, voltadas para a extração de sal-gema.

Já somam, desde 2018, mais de 15 mil imóveis e cerca de 60 mil pessoas atingidas pelos efeitos das minas da Braskem, na capital alagoana. Explodiram protestos espontâneos nos bairros Flexais e Bom Parto, evidenciando o desespero dos moradores, desamparados e correndo sérios riscos.

O geólogo e professor da USP Pedro Luiz Cortes definiu a situação como “uma espécie de Chernobyl brasileiro”. O afundamento do solo foi promovido pela ganância da Braskem, com a anuência dos responsáveis políticos, devastou bairros e comunidades inteiras. É mais um capítulo na sede de lucro das grandes empresas que atuam para acelerar o colapso ambiental.

Qualquer semelhança não é coincidência

É impossível assistir às imagens de Maceió e não relacionar com outros crimes ambientais recentes, como as tragédias de Mariana e Brumadinho. Nessa semana, inclusive, as três empresas responsáveis pelo desastre de Mariana em 5 de novembro de 2019 – Samarco, Vale e BHP – buscaram um acordo que foi considerado um “acinte” e uma “proposta irrisória” por representantes do governo. Isso escancara a forma como os grandes capitalistas querem ficar impunes pelos seus crimes.

A história de exploração e destruição da Braskem em Maceió vem desde 1979: são mais de 40 anos em que a Braskem atua de forma cúmplice com o poder público, destruindo o solo. O resultado são dezenas de milhares de desterrados da área urbana, sem a devida reparação, um crime sem precedentes na história das capitais brasileiras. Retomando a citação de Pedro Cortes, em entrevista para a UOL:

“É um escândalo histórico. Desde a implantação deste empreendimento, na década de 1970, o órgão ambiental do Estado já recomendava a não aprovação da licença de mineração. O empreendimento foi iniciado por decisão de ofício do governador da época. As análises e os protestos têm vindo a ocorrer ao longo das décadas, mostrando o grande perigo que era esta exploração numa área com processo de urbanização crescente.”

A Braskem é responsável por estes crimes. Enquanto a mina em Maceió continua a ceder, a direção da Braskem participa da COP-28 em Dubai, pregando demagogia e seguindo com os seus negócios espúrios. Em 2022, a empresa fechou um acordo com a Prefeitura de Maceió para oferecer a indecente indemnização de 25 mil reais para cada família. Este verdadeiro escárnio mostra a antecedência do anúncio da tragédia.

A principal atividade económica, que garante o sustento das famílias ao redor da Lagoa Mundaú, a pesca, está suspensa temporariamente e sob risco.

A dimensão política dos crimes ambientais

É notório o papel dos governos e dos representantes políticos nos crimes ambientais. O clã Calheiros, através do senador Renan e do ministro dos Transportes Renan Filho ataca a Braskem como responsável, cobrando medidas e pressionando para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado. É um braço de ferro com o chefe do centrão e todo-poderoso da Câmara Arthur Lira e com o prefeito da cidade, JHC, que buscam uma linha de maior negociação com a empresa.

É correta a condenação da Braskem, em primeiro lugar. Contudo, para além da disputa de narrativas, há uma responsabilidade compartilhada, nos 40 anos de exploração em Alagoas. É preciso lembrar que a Braskem é uma das “campeãs nacionais”, grupo de grandes corporações que teve destaque nos primeiros governos petistas, sob a lógica de ser representante da “burguesia nacional”.

A Braskem merece ser punida de forma a dar exemplo. A proibição das suas atividades mais predatórias deveria ser acompanhada por medidas como a indemnização justa dos atingidos pelos seus crimes ambientais e intervenção e o controle público sobre o seu capital, além da abertura dos livros de segredo comercial.

A deputada Sâmia Bomfim já acionou a Procuradoria Geral da República para fazer valer a denúncia contra a Braskem. 

Como encarar a “agenda ambiental”?

Estamos num momento decisivo no Brasil e no mundo. É o momento de emergência da questão socioambiental, como em nenhuma outra etapa da história moderna. E isto impõe-se de forma dramática.

O principal fórum de discussão sobre os rumos do Planeta ocorre na COP-28 em Dubai. Lula teve uma performance discursiva a favor do meio ambiente, genericamente, mas com importantes lacunas, como a destinação de quase 300 bilhões do PAC para o lobby do petróleo e gás ou a preocupante questão da entrada na OPEP+.

A agenda política ambiental deve ser tomada como centro. O governo juntou-se ao setor bolsonarista para aprovar duas medidas regressivas nessa direção: a ampliação dos agrotóxicos pelo Congresso – depois de duas décadas foi aprovada uma lei sob encomenda dos ruralistas, com o esvaziamento do Ibama e da Anvisa –, dando luz verde a 231 pesticidas, inclusive abrindo caminho para os mais venenosos, até então proibidos; e a Câmara dos Deputados aprovou, por 406 votos a 16, um projeto que incentiva a criação e a operação de fábricas termoelétricas movidas a gás natural e a carvão no Brasil. Estas plataformas são mais nocivas ao meio ambiente porque geram energia com mais emissões de gases com efeito estufa.

Como dizem os ativistas do clima de modo geral: “não existe plano/planeta B”. Temos que puxar o travão de emergência revertendo o modelo agro-exportador, criando condições para um novo tipo de projeto de país, alicerçado na resistência dos povos originários, do campo, da floresta, das comunidades ribeirinhas, construindo aliança com o povo da cidade, tomando para si a tarefa da defesa do bem comum, do património ambiental para uma vida mais justa e digna, um verdadeiro programa de transição ambiental, com uma perspetiva ecossocialista


Israel Dutra é sociólogo, Secretário de Movimentos Sociais do PSOL, membro da Direção Nacional do partido e do Movimento Esquerda Socialista (MES/PSOL).

Artigo publicado originalmente na revista Movimento.

Termos relacionados: AmbienteBrasilminas