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Lucros excessivos: “Mais tardio que a Comissão, só mesmo o governo português”

Em comentário ao discurso de Ursula von der Leyen sobre o estado da União, o eurodeputado José Gusmão destacou o avanço na tributação dos lucros extraordinários das empresas de energia.
Foto Christophe Licoppe/Comissão Europeia

Esta quarta-feira de manhã Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, dirigiu-se ao Parlamento Europeu para o discurso anual do Estado da União Europeia (SOTEU na sigla em inglês). Este ano foi marcado pela crise energética, a inflação e o apoio à Ucrânia.

A presidente da Comissão Europeia, do que já se esperava por declarações da semana passada, marcou o seu discurso pelo reconhecimento da falta de capacidade do mercado energético em garantir preços acessíveis aos consumidores e apresentou algumas linhas de ação da Comissão para 2023.. 

“Mercado energético já não serve aos consumidores”

A Comissão propõe a imposição de um teto nas receitas das empresas que conseguem produzir eletricidade a baixo custo, geralmente os produtores renováveis, e uma “contribuição” (leia-se um imposto sobre lucros extraordinários) dos produtores com fonte fóssil. Espera com as duas medidas angariar mais de 140 mil milhões de euros. 

A Reuters avança em maior detalhe como seriam estas propostas. Quanto ao teto das receitas, as centrais nucleares e os parques eólicos e solares terão uma limitação de 180 euros por megawatt, gerando fundos que depois devem ser canalizados pelos governos para apoiar os consumidores. 

O setor petrolífero, gás, carvão e refinarias estarão sujeitos a uma taxa de 33% sobre o resultado antes de impostos de 2022 que ultrapasse em 20% os lucros médios tributáveis dos últimos três anos. 

Por outro lado, von der Leyen sublinhou também a intenção de quebrar a “influência dominante” do preço do gás nos custos da eletricidade. Não parece estar em causa separar a formação de preços dos vários tipos de fontes de produção de eletricidade, mas antes utilizar uma outra referência “mais representativa” do preço do gás. Atualmente utiliza-se aquele que é utilizado na Dutch Title Transfer Facility (TTF), isto é, uma praça de comércio virtual onde se transacionam produtos financeiros que têm por base o gás, muitas vezes inflacionando o preço por pressões especulativas. 

A imposição de um teto ao preço do gás, sensível a muitos Estados-Membros, não foi mencionada. Para além destas medidas, anunciou a ambição de criar um “banco de hidrogénio” para dinamizar até 3 mil milhões de euros de investimento para construir um novo mercado. 

Promessa de flexibilidade para o enquadramento macroeconómico 

Um segundo eixo do discurso foi a revisão do quadro macroeconómico, com von der Leyen a admitir que “em outubro, avançaremos com novas ideias para a nossa governação económica". 

Em 2020, como resposta à crise pandémica, a UE ativou a cláusula de escape das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) que exigem que a dívida pública dos Estados-membros não supere os 60% do PIB e o défice os 3%. Novamente em maio deste ano, decidiu-se a suspensão destas até ao final de 2023. Está agora em causa a revisão destas para depois deste período.

A presidente defendeu que "os Estados-membros devem ter mais flexibilidade nas suas trajetórias de redução da dívida”. No entanto, não deixou de frisar: "Vamos redescobrir o espírito [do Tratado] de Maastricht, [pois] estabilidade e crescimento só podem andar de mãos dadas".

José Gusmão: “Mais tardio que a Comissão, só mesmo o governo português”

Em reação ao discurso de Ursula von der Leyen, o eurodeputado bloquista José Gusmão saudou o facto de a Comissão Europeia se ter aproximado de propostas que o Bloco já tem defendido há vários meses, sobretudo no que toca aos lucros extraordinários das grandes empresas da energia. Ao Esquerda.Net, o eurodeputado disse que “mais tardio do que a Comissão, só mesmo o governo português”.

Reconhecendo que algumas das medidas anunciadas são “muito relevantes”, José Gusmão realçou o contraste com a falta de atuação do Governo. No que diz respeito à tributação dos lucros extraordinários das grandes empresas do petróleo e do gás, o eurodeputado disse esperar que “o governo português, se não teve a coragem nem o sentido de justiça de aplicar essas medidas em Portugal, como fizeram muitos outros Estados-Membros com governos das mais variadas orientações [...] pelo menos não obstaculize a aprovação destas medidas, nomeadamente no Conselho Europeu”.

José Gusmão afirmou que, num “contexto em que salários e pensões estão a perder valor, também por opção do governo português”, é “de uma tremenda injustiça que os lucros extraordinários do setor da energia, que é precisamente o principal motor do aumento dos preços, não estejam a ser tributados”.

O eurodeputado bloquista sublinhou também a necessidade de tributar os lucros extraordinários “não apenas para a frente”, mas também em relação ao que já ocorreu ao longo do ano, tal como acontece em vários países, como Itália, Espanha ou Reino Unido. A proposta da Comissão não é clara a esse respeito: em relação aos produtores de eletricidade que não produzem a partir do gás (que estão a arrecadar lucros significativos), a limitação das receitas parece só aplicar-se daqui para a frente, deixando intactos os ganhos extraordinários já registados.

Em relação às declarações da presidente da Comissão sobre as regras orçamentais, Gusmão afirma que “temos de ver que nível de discricionariedade é que a Comissão Europeia terá a esse nível”. O eurodeputado bloquista alertou para o “efeito combinado da crise da inflação com o aumento das taxas de juro por parte do BCE e o regresso de regras económicas recessivas que, a acontecer, será uma péssima notícia, particularmente para economias como a portuguesa”. Além disso, lembrou que “existe uma agenda muito clara a esse nível, que é a de condicionar a flexibilidade [na aplicação das regras] à implementação de reformas estruturais que são da competência dos Estados-Membros e em que a Comissão não tem o direito de interferir”.

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