Impostos sobre lucros extraordinários: cada vez mais habituais, menos em Portugal

20 de julho 2022 - 22:25

Quem está a ganhar com a crise? O que se pode fazer contra a inflação? A tributação dos lucros extraordinários que as empresas estão a ter é sensata? Que países já a adotaram? Conhece as respostas aqui.

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Foto Hippopx, Creative Commons.

Nos últimos tempos, a escalada dos preços da energia, o seu efeito de arrasto sobre os restantes preços (bens alimentares, transportes, etc.) e a diminuição do poder de compra da maioria das pessoas têm despertado um debate sobre as possíveis respostas do governo. Em baixo, ficam algumas perguntas e respostas sobre uma das mais discutidas, que se vai tornando habitual na Europa mas que o governo português continua a recusar: a tributação dos lucros extraordinários das empresas.

Há setores a ganhar com a crise?

A resposta curta é “sim”. Sem grande surpresa, o setor da energia tem sido o líder destacado dos lucros obtidos nos últimos meses, sobretudo desde o início da guerra na Ucrânia. A agência Internacional da Energia estima que as grandes empresas do gás, carvão, nuclear, energia hidroelétrica e outras possam somar lucros “excessivos” de cerca de 200 mil milhões de euros este ano, fruto da subida dos preços do gás, carvão e petróleo. Em Portugal, a Galp registou um enorme aumento dos lucros no início do ano.

Mas a bonança não é só para as energéticas. No setor da grande distribuição, as grandes cadeias também têm registado lucros extraordinários num contexto à boleia do aumento dos preços dos bens alimentares. Tanto a Sonae (dona do Continente) como a Jerónimo Martins (detentora do Pingo Doce) viram os seus lucros aumentar substancialmente no início do ano.

O que é que podemos fazer em relação a isso?

Não há fórmulas mágicas para travar o aumento dos preços, mas há vários instrumentos que podem ser utilizados pelos governos para tentar alcançar esse objetivo. Em países onde o Estado detém a propriedade de empresas estratégicas no setor da energia, pode utilizar esse controlo para subsidiar tarifas mais baixas para as famílias. Foi o que aconteceu em França, onde a empresa pública passou a vender eletricidade às restantes a preços controlados de forma a mitigar o impacto para os consumidores.

Uma outra hipótese é regular os preços ou as margens de lucro praticadas pelas empresas do setor. Em Portugal, isso aconteceu no início da pandemia, quando o Governo definiu um limite de 15% para as margens de lucro na venda de produtos como as máscaras, os testes rápidos e o álcool-gel para travar os preços especulativos.

A terceira hipótese é a tributação dos lucros extraordinários que as empresas têm registado. Esta tributação serve um triplo objetivo: por um lado, permite repor alguma justiça social na repartição dos custos da crise, impedindo que algumas empresas se aproveitem de um contexto em que a maioria das pessoas está a passar dificuldades; por outro, pode desincentivar a prática de preços especulativos; além disso, permite arrecadar receitas importantes para financiar outras medidas de resposta à crise, desde logo no que diz respeito à política de salários e pensões para proteger o poder de compra das pessoas.

A tributação extraordinária é uma medida irrazoável?

Não. Ou melhor, depende da instituição a quem perguntarmos. O governo português tem posto de parte esta ideia desde que o ministro da Economia, António Costa Silva, disse que era importante “não hostilizar as empresas”. A recusa do governo insere-se na política que tem seguido desde o início da crise e que consiste essencialmente em esperar para ver, recusando aumentar os salários e as pensões em linha com a inflação enquanto mantém intocáveis os enormes lucros das grandes empresas.

No entanto, nem todos pensam da mesma forma. As instituições internacionais mais insuspeitas – desde a Comissão Europeia ao FMI e à OCDE – já sugeriram a medida aos países. O secretário-geral da OCDE resumiu a questão de forma clara: “Dados os lucros das empresas de energia - associados ao forte aumento dos preços - há capacidade para aumentar o nível dos impostos pagos pelas empresas deste setor e redirecionar parte desse dinheiro para a aplicação de medidas para amortecer o impacto". Não é por acaso que o conjunto de países que já anunciaram ou implementaram medidas ao nível da tributação tem vindo a crescer ao longo dos últimos meses.

Que países é que já avançaram e como?

1. Espanha: Depois de já ter anunciado a tributação dos lucros extraordinários do setor da energia no ano passado, Espanha vai prolongá-la. O imposto aplica-se aos lucros registados em 2022 e 2023 pelas grandes empresas do setor que faturem mais de 1000 milhões de euros por ano, o que inclui a Iberdrola, Endesa, Repsol, Cepsa e Naturgy. Embora os detalhes ainda não sejam conhecidos, o governo do PSOE (da família do PS) já disse que prevê uma receita de 2 mil milhões de euros por ano.

2. Itália: o executivo liderado por Mario Draghi anunciou em março uma taxa especial de 10% sobre os lucros extraordinários, sendo que entretanto esta já passou para 25%. Tem efeitos retroativos, já que se aplica aos ganhos registados desde o final de 2021.

3. Grécia: o governo conservador pediu ao regulador para identificar os lucros extraordinários das empresas, através da análise da margem de lucro bruta resultante do aumento dos preços do gás. O plano do governo é aplicar uma taxa de 90% sobre esses ganhos extraordinários.

4. Bélgica: o governo liberal de Alexander de Croo anunciou uma taxa de 25% sobre as margens das empresas energéticas (que abrange fornecedores, produtores e comercializadores). De acordo com as notícias avançadas, a medida aplicar-se-ia à diferença entre o resultado bruto que as empresas registam este ano e o que tiveram no ano passado, sendo que se aplica sempre que o aumento for superior a 10%.

5. Reino Unido: os Conservadores aprovaram uma nova taxa de 25% cobrada aos produtores de gás e petróleo do Mar do Norte sobre os lucros registados a partir de maio deste ano. O governo britânico estima obter cerca de 5,9 mil milhões de euros com esta medida.

6. Hungria: o governo de Viktor Orban anunciou a tributação dos ganhos extraordinários dos setores da energia, aviação, telecomunicações, banca, seguros e grande distribuição, a aplicar em 2022 e 2023.