Parlamento Europeu

Lobista e sionista: português apanhado na corrupção da Huawei

14 de março 2025 - 12:36

Nuno Wahnon Martins é há quase duas décadas uma ponte do lóbi sionista para influenciar os eurodeputados. Trabalhou para o oligarca russo Moshe Kantor e casou-se com a ex-CFO do ramo suíço do seu grupo de fertilizantes. Em Portugal tem uma consultora que se apresenta na área da proteção de dados.

porLuís Branco

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Nuno Wahnon Martins
Nuno Wahnon Martins. Imagem CNN Portugal

Dois anos e meio após o escândalo conhecido por ‘Qatargate’ - sobre subornos pagos pelos lóbis do Qatar e Marrocos a eurodeputados -, o Parlamento Europeu está no centro de um novo caso de corrupção. Desta vez, as suspeitas apontam à China como origem dos subornos, pagos através de lobistas ao serviço da Huawei, a gigante empresa de equipamentos de telecomunicações. A Huawei tem visto os seus produtos banidos do mercado dos EUA, que alegam razões de segurança nacional, num movimento seguido por vários países europeus.

Esta investigação policial dura há dois anos e culminou esta quinta-feira na operação “Geração”, diz o site Follow the Money. A origem da denúncia está nos serviços de informações belgas. Através de vários lobistas, a Huawei terá subornado 15 eurodeputados, numa tentativa de segurar o mercado europeu, onde 12 dos 27 países já lhe aplicam restrições ou proibições.

Juntamente com o diário belga Le Soir e o site Knack, do mesmo país, o Follow the Money avança que os subornos dos lobistas assumiram a forma de bilhetes caros para jogos de futebol, prendas de luxo e viagens à China, existindo também suspeitas de pagamentos em dinheiro vivo, tudo em troca do apoio dos eurodeputados nas discussões sobre eventuais restrições ao gigante chinês. Os subornos terão sido pagos através de uma empresa portuguesa.

A SIC-Notícias divulgou na quinta-feira que o português detido nesta operação é Nuno Wahnon Martins, apresentado como consultor e especialista em assuntos europeus, convidado nessa qualidade para comentário televisivo na CNN Portugal e também, pelo Diário de Notícias, Jornal Económico e Observador, enquanto colunista, tendo ali acusado o Bloco de Esquerda e o PCP de apologia do terrorismo. Este defensor de um “cordão sanitário” contra a esquerda foi agora detido em França, de onde será extraditado para a Bélgica, e viu também a sua casa em Lisboa ser objeto de buscas, a par de dois outros locais relacionados consigo. Apesar de o consultor surgir também ligado ao escritório de advogados Latin Legal Advisories, este negou à SIC qualquer relação com o caso ou existência de buscas, apontando Wahnon Martins como seu consultor externo.

Quando foi detido, Nuno Wahnon Martins estava registado como lobista ao serviço do Instituto Milton Friedman, que o suspendeu após a publicação desta notícia. Fundado em Itália para promover as ideias ultraliberais, este instituto atribuiu há poucos meses - em parceria com o Students for Liberty, organização da órbita libertariana a que pertenceram dirigentes e pelo menos um deputado da Iniciativa Liberal - um prémio a Javier Milei, nomeando também a sua irmã Karina como membro honorário. O diretor do instituto é Alessandro Bertoldi, que tem a sua empresa de lóbi AB Group e que lidera o grupo sionista Alleanza per Israele. Anos antes de ser contratado por este think-tank libertariano, Wahnon Martins já era conhecido há quase duas décadas pelo lóbi a favor de Israel junto do Parlamento Europeu. Em dezembro de 2015, o editor do portal Electronic Intifada descrevia-o como assessor do eurodeputado italiano da Forza Italia (PPE) Fulvio Martusciello, escolhido para presidir ao comité das relações com Israel. Segundo o relato de David Cronin, o lobista português representava o Congresso Judaico Europeu, do qual chegou a ser diretor dos assuntos europeus, marcando presença assídua nas reuniões da comissão. Wahnon Martins admitiu não ter vínculo ao Parlamento Europeu, apesar de assessorar o eurodeputado. A atividade em prol do lóbi sionista remonta pelo menos a 2011, quando a organização sionista B’nai B’rith anunciou a contratação de Wahnon Martins como diretor dos assuntos europeus.

Quando Wahnon Martins desempenhou funções de lobista para o Congresso Judaico Europeu, este era presidido pelo oligarca russo Viatcheslav Moshe Kantor, que esteve à frente da instituição entre 2007 e 2022. Nascido em Moscovo em 1953 e com cidadania russa, britânica e israelita, Kantor é o dono do grupo Acron, gigante mundial de fertilizantes químicos e foi um dos oligarcas sujeitos a sanções da UE e do Reino Unido após a invasão da Ucrânia.

Ligações russas do casal Wahnon Martins agitaram campanha presidencial da Roménia

Entre 2011 e 2022, a diretora financeira (CFO) do grupo Acron na Suíça foi Lisa Schmidt, que após o casamento em 2020 adotou o nome de Elizaveta Benoliel de Carvalho Wahnon Martins. Em outubro do ano passado, o casal viu-se envolvido numa polémica política na Roménia, por terem adquirido ao filho do estratega de marketing político Rareș Mănescu a sua quota numa consultora. Mănescu foi alvo de uma investigação do consórcio de jornalistas OCCRP pelos negócios em comum com Aleksei Kozlov, empresário russo que se destacou como propagandista da invasão da Ucrânia desde 2014.

A polémica política surgiu porque Mănescu participou na fase preparatória da campanha presidencial de Mircea Geoană quando este era ainda o secretário-geral adjunto da NATO, saindo depois do cargo para em setembro se candidatar à presidência da Roménia. Geoană negou que Mănescu tenha sido alguma vez o seu diretor de campanha e atribuiu as notícias a uma campanha dos serviços secretos russos para o denegrir, com Mănescu a dizer que tinha saído do projeto em maio. O negócio de aquacultura a meias com o empresário russo é detido em conjunto com a mulher, Ramona Mănescu, que foi eurodeputada liberal  até 2019. O seu mandato foi marcado pelo apoio ao regime do Azerbaijão, o que lhe valeu críticas dos defensores dos direitos humanos. Ramona chegou a ser ministra dos Negócios Estrangeiros da Roménia durante pouco mais de três meses em 2019.

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Em declarações à imprensa romena, a esposa do lobista português, Elizaveta, confirmou a amizade com a família Mănescu e afirmou que a consultora que lhe adquiriu não atua na Roménia. Sobre o empresário russo Kozlov, diz desconhecer os seus negócios, lamentando que a sua foto num encontro com ele tenha ido parar às redes sociais sem o seu consentimento.

Além de ocupar o cargo de secretário-geral da Associação Lusa Portugueses por Israel e de ter sido eleito em 2022 para 1º secretário da Mesa da Assembleia Geral da Comunidade Israelita de Lisboa, Nuno Wahnon Martins tem nesta cidade outra sociedade de consultoria: a empresa Influente Azáfama Lda, com um capital social de 150 euros. No site da consultora, todo em língua inglesa, pode ler-se que a sua atividade é dirigida a start-ups e PME e que boa parte dos projetos dizem respeito à proteção de dados e privacidade.

Segundo os registos públicos da empresa, em 2023 teve receitas de 660 mil euros e um lucro de cerca de 305 mil euros. Tanto a origem das receitas como de quase todas as despesas dizem respeito a entidades fora de Portugal.

Huawei move influências para resistir à expulsão do mercado europeu

Desde 2019, quando entrou na lista negra do comércio nos EUA, a Huawei duplicou as suas despesas com o financiamento de think-tanks europeus e sobretudo com grupos de lóbi junto dos decisores políticos nos corredores de Bruxelas. Ao todo terão sido 1,7 milhões de euros ao longo da última década, que permitiram a dirigentes da empresa participarem ao lado de responsáveis europeus em várias conferências e iniciativas. Em 2020, após a comissária e então vice-presidente da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, ter anunciado que os países membros iriam tomar medidas para afastar os fornecedores da rede 5G considerados de “alto-risco”, um grupo de 41 eurodeputados pronunciou-se a favor da exclusão da Huawei e da concorrente chinesa ZTE da rede de 5G europeia, naquela que ficou conhecida como a “carta Nokia”. Em sentido contrário, oito eurodeputados italianos e romenos - incluindo um que também assinara a “carta Nokia” - assinaram um apelo contra o “racismo tecnológico” na UE. Entre os signatários está Fulvio Martusciello, o italiano do PPE que teve Mahnon Martins como assessor nos primeiros anos de mandato.

O Follow the Money diz que a empresa chinesa contava ainda com aliados de peso na indústria de telecomunicações na Alemanha, país onde a Huawei tem a sua sede europeia. Empresas como a Deutsche Telekom e a Vodafone temem que a exclusão da Huawei do mercado possa dar origem a represálias que ameacem os seus negócios na China. O governo alemão anunciou em julho que iria obrigar as empresas a excluir empresas chinesas dos equipamentos de rede móvel, mas só a partir de 2029, o que as deixará dependentes do hardware e software chinês por muitos anos.

Esquerda lamenta que avisos pós-Qatargate não tenham sido ouvidos

O grupo da Esquerda no Parlamento Europeu reagiu à notícia das buscas em comunicado, lamentando que não tenham sido ouvidos os seus avisos após o ‘Qatargate’, quando exigiu regras éticas mais apertadas e a responsabilização dos eurodeputados que trocam vantagens por influência política.

A Esquerda vai também requerer um debate em plenário sobre este escândalo de corrupção no fim do mês e a implementação rápida de um organismo de Ética no Parlamento Europeu para investigar alegações de corrupção. A criação deste organismo “está a ser ‘empatada’ em procedimentos na comissão, o que permitiu a poderosos lóbis e empresas multinacionais enfraquecer a democracia no coração da Europa com dinheiro, prendas e viagens de luxo”, denuncia o grupo parlamentar onde se inclui o Bloco de Esquerda.

“Apesar dos repetidos avisos da Esquerda de que o Parlamento Europeu está em risco de cair em mais um escândalo de corrupção, quase nada foi feito para o evitar. Precisamos urgentemente de descobrir a profundidade deste escândalo e impor regras éticas e de transparência rigorosas, ou os lóbis continuarão a espalhar dinheiro pelos bolsos de uma instituição cada vez mais corrupta”, afirmou a co-líder parlamentar Manon Aubry, eleita pela França Insubmissa.


Notícia atualizada a 17 de março com a informação de que Wahnon Martins foi suspenso pelo Instituto Milton Friedman após este ter conhecimento da sua detenção.

Luís Branco
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Luís Branco

Jornalista