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Limitar margens dos supermercados? Governo vai esperar que baixem

Depois de chumbar em janeiro propostas para fixar o preço de bens essenciais e perante as conclusões da ASAE após a inspeção aos preços praticados, o Governo diz querer dialogar com o setor. Agricultores e transportadores descartam responsabilidade na subida do preço.
Foto Polycart/Flickr

No atual contexto de continuada escalada dos preços de bens alimentares essenciais, quando o resto da inflação parece estar a arrefecer, a ASAE apresentou esta quinta-feira as suas conclusões de aumento das margens médias de lucro bruto dos retalhistas em bens alimentares essenciais. Em alguns desses bens, como laranjas, cenoura, febras e cebolas, ultrapassam os 40 e 50%. 

Nos últimos meses, as investigações da ASAE levaram à instauração de 51 processos-crime por especulação e outros 91 processos de contra-ordenação, tendo identificado dois tipos de práticas abusivas: diferenças significativas (até 70%) entre os preços anunciados nas prateleiras e os cobrados nas caixas e pesagem dos produtos alteradas. 

Contudo, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) mantém a sua posição e alega que o setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização. “Não somos nós que estamos a provocar este aumento dos preços”, frisa Gonçalo Lobo Xavier. “É toda a cadeia agroalimentar que está a ser impactada pela subida dos custos de produção”, como energia, combustíveis, fertilizantes ou rações.

Agricultores estão em protesto e transportadoras rejeitam papel no aumento dos preços

Também esta quinta-feira, centenas de agricultores em Beja, convocados pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), protestaram contra a inação do Governo na proteção do setor. É já a quinta manifestação dos produtores alimentares. 

O presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, sublinha que os agricultores “não são os grandes responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos”, uma vez que estes “nem sequer ainda refletem o aumento dos custos” de produção. Esclarece que, comparando com os agricultores espanhóis que “receberam ajudas nos combustíveis, nos fertilizantes e têm ajudas, agora, em relação ao problema da guerra”, em Portugal o setor “teve que assimilar” o aumento dos custos de produção, uma vez que “os agricultores não receberam as ajudas prometidas”.

Por sua vez, esta sexta-feira, a Associação Nacional dos Transportadores de Mercadoria (ANTRAM) negou responsabilidade na subida generalizada dos preços. Admite em comunicado que o transporte em território nacional aumentou os seus preços entre 5% e 7%, mas, dado o peso marginal que tem na estrutura de custos das empresas de distribuição, o seu impacto na subida do preço dos bens alimentares foi “certamente abaixo de 1%”.

Ministro promete "medidas musculadas", secretário de Estado promete dialogar com quem está a lucrar com a crise

Perante este cenário, o ministro da Economia, António Costa Silva, defendeu que “vamos ser absolutamente inflexíveis, se existirem práticas abusivas” e garantiu estar “a equacionar todas as opções, inclusive as mais musculadas, mas queremos tomar essas medidas na posse da informação devida”.

Afigura-se um processo demorado, uma vez que o Governo pretende ouvir todos os representantes do sector para “perceber se há explicações racionais”. Também ao Expresso, o secretário de Estado do Comércio, Nuno Fazenda, adotou a mesma postura, sublinhando que “queremos uma explicação cabal sobre porque é que isso acontece”. Há a expetativa de não necessidade de medidas e que a pressão pública seja suficiente para que o setor baixe os preços. 

Para já a grande aposta parece ser apenas o reforço de fiscalização da ASAE na formação de preços e da Autoridade da Concorrência (AdC) para averiguar cenários de concertação de preços entre os quatro maiores grupos do setor. 

A decisão política a tomar é a imposição de um teto máximo às margens líquidas de lucro, que até 1984 estava previsto na lei na ultrapassarem os 15%. O inspetor-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, reconhece que “para a ação inspetiva, seria mais linear se houvesse margens predefinidas”, comparando com o que aconteceu durante a pandemia com máscaras e álcool-gel. 

Em janeiro, o Bloco de Esquerda e o PCP apresentaram propostas de lei no sentido de fixar o preço dos bens alimentares essenciais e foram chumbadas na Assembleia. O Governo agora diz não afastar essa medida, mas não avança nessa direção. 

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