Crise climática

Guterres quer fim da publicidade a combustíveis. Galp patrocina FPF

05 de junho 2024 - 20:32

O secretário-geral da ONU chama-lhes “os padrinhos do caos climático”. Guterres apela aos governos para que proíbam a publicidade das empresas de combustíveis fósseis e ao setor dos media para recusar os seus anúncios. Em Portugal, a Galp acaba de lançar uma nova campanha milionária de "greenwashing" através da seleção de futebol.

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Guterres, Galp e FPF
Guterres, Galp e FPF

O secretário-geral da ONU discursou na apresentação dos dados que indicam que em pelo menos um dos próximos cinco anos será ultrapassada a fasquia do 1.5°C de aumento da temperatura fixada no Acordo de Paris, tal como já aconteceu nos últimos 12 meses.

“Estamos a jogar à roleta russa com o nosso planeta”, avisou António Guterres, acrescentando que “precisamos de uma saída de emergência deste caminho para o inferno climático”. E lançou a proposta de acabar com a publicidade a empresas de combustíveis fósseis, tal como já existe em muitos países para as empresas tabaqueiras.

“Apelo a todos os governos para proibirem a publicidade a empresas de combustíveis fósseis. E apelo a todas as empresas de media e tecnológicas para deixarem de aceitar publicidade a combustíveis fósseis”, prosseguiu Guterres, considerando que ao passarem os anúncios estas empresas estão a promover a “destruição planetária” e a associarem-se a empresas que são “tóxicas para a sua marca”.

Petrolífera volta a dar música em campanha milionária nos media portugueses

No seu discurso, Guterres condenou o “greenwashing descarado” praticado pela indústria, ao mesmo tempo que trabalham para atrasar a ação climática, com a ajuda e a cumplicidade de agências de publicidade e de relações públicas.

No caso português, a Galp é desde há 25 anos patrocinadora oficial da Federação Portuguesa de Futebol, usando a ligação dos adeptos com a seleção nacional para as suas campanhas milionárias desse mesmo “greenwashing”, sobretudo em tempo de grandes competições internacionais como a que tem início a 14 de junho na Alemanha. A partir desta semana, os intervalos publicitários em todos os canais de televisão e rádio passam a ser invadidos pela nova campanha da petrolífera para limpar a sua imagem tóxica, desta vez adaptando uma canção de João Pedro Pais, “Nada de Nada”, para entrar no ouvido dos portugueses.

A responsável de marketing da petrolífera, Rute Gonçalves, diz que a campanha serve para “sinalizar que toda a energia é bem-vinda quando nos mobilizamos em torno de objetivos comuns”, leia-se, as vitórias da seleção de futebol. Mas se os adeptos portugueses tiverem por objetivo escapar aos verões com temperaturas acima dos 50°C nas próximas décadas, aí a música já é outra. A empresa anunciou em março que será “improvável” cumprir a meta de energias renováveis para 2025 e semanas depois festejou a descoberta de um poço de petróleo na Namíbia que supostamente dá para abastecer Portugal durante mais de 140 anos, prolongando assim a sua aposta na extração e venda dos mesmos combustíveis fósseis que estão a envenenar o planeta e a contribuir para o aumento da temperatura média global.

Limite de 1,5°C do Acordo de Paris já foi batido nos últimos 12 meses

Os números divulgados pela Agência Meteorológica Mundial confirmam o cenário pessimista para o futuro da vida humana no planeta. Entre junho de 2023 e maio deste ano o aumento da temperatura foi 1.63°C acima da era pré-industrial. E os dados indicam com uma probabilidade de 80% que a fasquia dos 1.5°C voltará a ser ultrapassada em pelo menos um dos próximos cinco anos. Esse número foi fixado em 2015 no Acordo de Paris como o objetivo do limite de aumento da temperatura média global capaz de evitar a multiplicação de fenómenos climáticos extremos, como as ondas de calor, cheias e secas.

Apesar de o limite do acordo de Paris já ter sido ultrapassado, Guterres insiste que ainda é possível alcançá-lo, caso haja um esforço bem maior dos países para cortarem as suas emissões de carbono, aumentarem o financiamento aos países mais pobres.

“Os padrinhos do caos climático - a indústria dos combustíveis fósseis - obtêm lucros recorde e banqueteiam-se com biliões em subsídios financiados pelos contribuintes”, afirmou. "É uma vergonha que os mais vulneráveis estejam a ser abandonados, lutando desesperadamente para lidar com uma crise climática para a qual nada contribuíram.

António Guterres defendeu ainda que “não podemos aceitar um futuro em que os ricos estejam protegidos em bolhas com ar condicionado, enquanto o resto da humanidade é fustigada por condições meteorológicas letais em terras inabitáveis”, embora acredite que “a lógica económica torna inevitável o fim da era dos combustíveis fósseis” e que nos últimos anos houve um grande avanço no investimento em energia limpa como a solar e eólica.