Combustíveis fósseis financiaram universidades europeias com 260 milhões

30 de novembro 2023 - 10:19

Investigate Europe e openDemocracy questionaram 150 universidades europeias sobre ligações a estas empresas. Muitas não responderam, outras fizeram-na de modo “opaco”.

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Ilustração de Alexia Barakou/Investigate Europe.
Ilustração de Alexia Barakou/Investigate Europe.

Uma investigação do consórcio de jornalismo Investigate Europe, elaborada em colaboração com o openDemocracy e publicada esta terça-feira, revela que, desde 2016, algumas das mais importantes universidades europeias aceitaram pelo menos 260 milhões de euros de dinheiro proveniente das indústrias de combustíveis fósseis. Isto apesar de muitas delas jurarem publicamente estar empenhadas na transição energética e na descarbonização.

Este dinheiro chega às instituições de ensino superior através de financiamento à investigação, patrocínios, bolsas e pagamento de propinas. No Reino Unido, o openDemocracy, através da apresentação de um requerimento ao abrigo da lei de liberdade de informação conseguiu descobrir que 60 universidades aceitaram pelo menos 170 milhões entre 2016 e 2023. À cabeça dos investidores tem estado a Shell e as suas subsidiárias que canalizaram pelo menos 62 milhões para universidades britânicas. Depois dela vem a BP, a Petronas, propriedade do Estado malaio, a Total e a empresa de mineração BHP. A italiana ENI, por exemplo, financiou o Centro para a Reputação das Empresas da Universidade de Oxford em 2,1 milhões. Mas o maior beneficiário de financiamento foi o Imperial College de Londres com quase metade do bolo total, sendo a Shell o seu grande financiador, em seguida vem a Universidade de Cambridge, com mais de 18 milhões, e a de Oxford com mais de 12 milhões.

No resto do continente, a Investigate Europe conseguiu descobrir, em apenas oito países, Áustria, Espanha, Itália, Noruega, Polónia, Suécia e Suíça, que as suas universidades aceitaram pelo menos 90 milhões. Os jornalistas sublinham que “a extensão total das relações entre as instituições académicas da Europa e as empresas dos combustíveis fósseis não é clara”. Até porque em muitos países não se aplica a obrigatoriedade de prestação de esclarecimentos ao abrigo do princípio da liberdade de informação. Exemplo disso é a França. Em Portugal, por exemplo, a autonomia das Universidades “isenta-as das obrigações de transparência que cingem outras instituições de Estado”, escrevem. Assim, das 150 universidades europeias, muitas não responderam. Para além disso, outras tantas respostas foram consideradas “opacas”.

Do total de dinheiro, dez das universidades norueguesas receberam 68 milhões, sendo a Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia o maior beneficiário com 29 milhões, vindos da Equinor, BP, Shell, Exxon, Total e ConocoPhillips. A ETH de Zurique recebeu cinco milhões desde 2016, 1,7 deles da Shell.

Em Espanha, o dinheiro das grandes empresas dos combustíveis fósseis somou 5,2 milhões. Entre elas está a Universidade Complutense de Madrid que recebeu meio milhão da Repsol e associadas. Em Itália foi um pouco menos, cinco milhões, a maior parte na forma de apoios a estudantes de doutoramento. Neste país, metade das universidades contactadas não responderam, o que significa que o número pode ser bem maior. Até porque só a Eni tinha já anunciado a doação de dez milhões às universidades do país só no ano passado.

Para além do financiamento ou de situações de não exclusividade de professores, identifica-se outro mecanismo de influência destas empresas. A presença nos seus corpos dirigentes. O exemplo aqui é também a Eni, que está representada em pelo menos quatro comités de direção de universidades. O CEO da Total, Patrick Pouyanné, também faz parte da direção da Escola Politécnica de Paris, enquanto a sua empresa financia um programa de investigação denominado “Desafios tecnológicos para uma energia responsável”.

A situação é considerada preocupante por várias organizações de defesa do ambiente, ouvidas pelo Investigate Europe. Alice Harrison, da Global Witness, identifica estas empresas como “a causa número um do colapso climático” e acredita que “ao doar às universidades pelo menos estão a tentar fazer greenwashing da sua imagem ao associar-se a instituições respeitáveis. No pior caso, estão a tentar deformar a investigação e a aprendizagem de forma a ajudar a integrar os combustíveis fósseis no nosso futuro energético”. Estão, por exemplo, a promover a captura e armazenamento de carbono como uma espécie de cartão “estás livre da prisão”, uma referência ao jogo Monopólio, para continuar a produção de petróleo e gás.