Inundações em Espanha

Governante do PP valenciano atrasou alertas, empresas não deixaram sair trabalhadores

31 de outubro 2024 - 14:36

As consequências da tempestade do leste de Espanha continuam a fazer-se sentir e surgem os primeiros balanços. Os sindicatos e a esquerda criticam as empresas que obrigaram os trabalhadores a permanecer nos postos de trabalho depois dos avisos do temporal.

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Cheias em Valência.
Cheias em Valência.Foto de Manuel Bruque/EPA/Lusa.

As consequências da depressão DANA que atingiu o sul e leste de Espanha, com especial incidência em Valência, continuam por apurar na sua totalidade, muitos destroços por limpar e ainda há buscas por desaparecidos. Pelo menos 104 pessoas morreram por causa das cheias.

Alertas tardios

Entretanto, aumentam as críticas relativas ao aviso tardio. Os SMS de alerta sobre a situação, enviados pelo sistema “Es-Alerta”, da responsabilidade das comunidades autonómicas, chegaram com oito horas de atraso.

E não foi por falta de aviso da Agência Estatal de Meteorologia, AEMET, que já tinha emitido vários avisos que tinham começado, aliás, a semana passada. A 25 de outubro, a agência pública explicava que a formação da depressão isolada em níveis altos implicaria “chuvas muito fortes”, especialmente no dia 29. Um dos seus especialistas alertava no X sobre o potencial de “alto impacto” do fenómeno”. Enfrentou então o gozo dos negacionistas das alterações climáticas.

Às 7h30 da manhã de terça-feira o AEMET decretava “zona vermelha” o litoral de Valência devido à previsão de chuvas torrenciais que poderiam provocar “inundações e cheias”, aconselhando que se limitassem as deslocações ao “estritamente necessário”. Depois desse, houve ainda, ao longo do dia, mais quatro avisos semelhantes.

O presidente do Governo da Generalitat de Valência, Carlos Mazón, do PP, não só decidiu não suspender atividades letivas e laborais como declarou em conferência de imprensa às 13h, pelo contrário, que a situação iria amainar: “o temporal desloca-se para a Serranía de Cuenca, pelo que se espera que por volta das 18h diminua a sua intensidade”.

O vídeo desta intervenção foi também publicado na sua conta do X. Mais tarde, a meio da tragédia, foi apagado. A atitude de apagar a mensagem, denunciada por vários utilizadores daquela rede social, aumentou a indignação com publicações a dizerem “achavam que apagando ninguém se ia lembrar?” Também a conta oficial do PP apagou um tuíte na noite do temporal. Enquanto as chuvas causavam uma tragédia, o partido colocava uma mensagem jocosa da sede do PSOE em que colocou a mensagem “zero dias sem fazermos asneiras”.

Quando os alertas chegaram, às 20h, já havia inundações e muitos regressavam do trabalho, outros trabalhavam e outros ainda não tinham tempo para se preparar para as consequências nas suas casas.

Ainda assim, o chefe dos Bombeiros de Valência, José Miguel Basset, desculpava o governo regional porque “não se pode lançar (alertas) assim como assim” porque “temos que pensar que estes avisos chegam a milhares de pessoas e que uma má manipulação dessa informação pode gerar um efeito contrário ao que se pretende”.

A disputa sobre a responsabilidade do alerta tardio começou com o Ministério do Interior a lembrar que este e a ativação dos planos territoriais de proteção civil é da “responsabilidade exclusiva” das comunidades autónomas, Mazón a refugiar-se na explicação de que os alertas “obedecem a atos protocolizados e padronizados” e a afirmar que “não somos meteorologistas, seguimos os protocolos” e o líder nacional do seu partido, Alberto Feijóo, a responsabilizar o governo nacional e desculpar o líder do governo local que teria agido em função da informação disponível, vincando que esta chega “de organismos com competência exclusiva do Governo central”.

Depois deste ataque ao executivo de Pedro Sánchez, Mazón e o primeiro-ministro surgiram afinal lado a lado com este a agradecer ao “querido presidente” pela “rápida presença” e pela “proximidade”. Da parte do chefe de Governo retribui-se com a garantia do “máximo compromisso com a Generalitat Valenciana”, numa “mensagem de absoluta colaboração e cooperação” que parecia desarmar o tom confrontacional do líder da direita.

Desmantelamento da Unidade Valenciana de Emergências

Junto com o partido de extrema-direita Vox, o Governo de Mazón tinha desmantelado pouco depois de chegar ao poder a recém-criada Unidade Valenciana de Emergências, um centro de coordenação cujo objetivo era aumentar a coordenação e eficácia na gestão de desastres naturais

Depois dos discursos sobre só servir para dar empregos aos próximos do poder anterior e o da poupança face ao Estado gastador, chamando-lhe um “gasto desnecessário” e um “chiringuito”, um bar de praia, lembra o CTXT, tanto liberalismo não foi suficiente para deixar de conceder 17 milhões de euros aos negócios das touradas.

Ao fechar a unidade, a conselheira Ruth Merino garantiu que esta seria substituída por vias “mais eficientes” e menos dispendiosas, sendo que tal nunca se concretizou, como realça no El Salto Laura L. Ruiz.

As críticas que agora crescem sobre este encerramento não são novidade. Já em fevereiro, quando um prédio de habitação ardeu em Campanar, no centro da capital valenciana, tendo falecido dez pessoas e 450 ficado desalojadas, se tinham feito sentir. Então, o governo regional foi obrigado a pedir ajuda à la Unidade de Emergência Militar.

Patrões impedem trabalhadores de sair dos locais de trabalho

O El País refere que centros comerciais de Valência não deixaram os seus trabalhadores ir para casa, apesar do cenário de emergência generalizada. O Público falou com destes trabalhadores. Bárbara Jiménez, por exemplo, que trabalha num dos restaurantes do Centro Comercial Bonaire, diz que “mantiveram-nos aqui a trabalhar, sem fechar, foram os nossos supervisores. Não nos deixaram ir. Não pode ser. Brincaram com as nossas vidas”. Ela e vários dos seus colegas tiveram que passar a noite no centro comercial “quase sem comida” nem “sítios onde sentar-se”. Outro testemunho recolhido confirma que, mesmo depois do alerta ter chegado, os trabalhadores foram obrigados a permanecer no local de trabalho.

História semelhante contam os trabalhadores do Ikea de Alfafar que decidiu manter o horário habitual. Um trabalhador explica que “a empresa não ponderou suspender o horário de trabalho em momento algum” e que dadas as características do imóvel, madrugada fora, acabaram por ajudar pessoas que foram chegando e que também aí pernoitaram.

Este jornal acrescenta que a “Lassal, Mercadona, Glovo e Aquaservice são outras das grandes empresas que não tomaram medidas face aos efeitos da DANA”. Nos parques empresariais dos arredores pelo menos 800 trabalhadores ficaram retidos.

Notícias como estas fizeram com que a ministra do Trabalho, Yolanda Díaz, se sentisse obrigada a fazer uma declaração em que sublinhava que, de acordo com a Lei de Prevenção dos Riscos Laborais, os trabalhadores podem faltar ao trabalho em caso de “riscos graves e iminentes” e instava-os a “não ter nenhum tipo de medo” em não ir trabalhar para salvaguardar a sua segurança.

As centrais sindicais, como as CCOO e a UGT, tinham-se já pronunciado no mesmo sentido. Os Ecologistas en Acción denunciaram a “atitude desprezível” dos patrões que obrigaram os trabalhadores a ficar nos locais de trabalho e que “colocaram em risco” milhares de vidas.

Uma exceção a isto veio da Deputação de Valência. O El Diário dá conta que esta instituição mandou para casa todos os seus trabalhadores às 16 horas de 29 de outubro devido a um “risco muito alto para população”, seis horas antes do aviso por SMS chegar ao resto das pessoas. No e-mail que enviou aos funcionários, a Deputação referia as previsões do AEMET.

Críticas à esquerda

Do lado do Podemos valenciano, a exigência é de uma “resposta política à altura” mas não se desarmam as críticas. María Teresa Pérez, coordenadora do partido na região, considera que “é difícil imaginar uma gestão mais nefasta do que nesta ocasião”. Para ela, é claro no meio disto tudo que há muitas “mortes evitáveis”.

O partido exige agora “ajuda urgente à reconstrução e bens domésticos para as famílias afetadas, sanções exemplares para as empresas que obrigaram os seus trabalhadores a colocarem-se em risco, expropriação temporária de apartamentos turísticos para os colocar à disposição das pessoas que necessitam de ser temporariamente realojadas noutra habitação e ajuda psicológica especializada”.