França: Direita endurece projeto de lei da imigração do Governo

09 de novembro 2023 - 17:14

O projeto já era considerado mau pelas associações e pela esquerda francesa. Agora, a direita e o centro tornaram-na ainda pior no Senado.

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Gérald Darmanin durante a apresentação da lei de imigração no Senado francês. Foto de Mohammed Badra/EPA/Lusa.
Gérald Darmanin durante a apresentação da lei de imigração no Senado francês. Foto de Mohammed Badra/EPA/Lusa.

O projeto de lei sobre imigração do ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, foi alterado esta quarta-feira no Senado. Numa votação com 191 votos a favor da direita e do centro e 138 contra, foram eliminadas as duas únicas medidas do documento que poderiam beneficiar alguns imigrantes e requerentes de asilo.

Em causa estavam o artigo três e quatro deste projeto de lei. O primeiro abria uma diminuta possibilidade de regularização por um ano a alguns trabalhadores estrangeiros indocumentados que trabalhem num setor considerado em penúria de mão de obra. Direita e extrema-direita consideraram que esta regularização teria um efeito de “sugadouro para os clandestinos” reiterando a velha posição de que qualquer direito para migrantes implica “atrair” mais pessoas ao país. Esquerda e ecologistas argumentaram que o artigo afetava muito poucas pessoas e a avaliação era feita com base numa lista considerada “imprecisa, incerta e não homogénea territorialmente e inconstante no tempo”.

O segundo permitia aos requerentes de asilo que tenham mais possibilidade de conseguir obter estatuto de refugiado acederem ao mercado de trabalho. Este artigo foi substituído já de madrugada por outro, apresentado pelo senador da União dos Democratas e Independentes, Philippe Bonnecarrère, mas negociado com o partido Os Republicanos, que estabelece que as concessões de autorizações de residência serão feitas de forma casuística, através do “poder discricionário” dos prefeitos, e de forma ainda mais restrita do que atualmente, estando escrito que só poderão ocorrer “a título excecional” e de acordo com critérios como “o respeito pela ordem pública” e a “sua adesão aos modos de vida e valores” da sociedade francesa. Estão previstas ações de controlo junto do empregador para atestar se o emprego é real e a “avaliação” da inserção social e familiar do migrante.

De acordo com o Mediapart, quer o artigo aprovado no Senado quer a versão governamental constituem um recuo face ao que está em vigor desde 2012 na chamada circular Valls, que permitia a qualquer trabalhador estrangeiro em situação irregular, independentemente do setor em que trabalhe, pedir uma autorização excecional de residência se tiver documentação da empresa provando contrato efetivo. A senadora socialista Corinne Narassiguin fez notar que a lei anterior permitia, apesar de tudo, “cerca de 7.000 regularizações por ano”. Agora, considera que “serão ainda menos”.

Foi dada ainda luz verde ao restabelecer do delito de “permanência irregular”, do princípio de quotas migratórias, a redução da possibilidade de reagrupamento familiar e a supressão da “ajuda médica de Estado", o dispositivo que permite às pessoas que estejam indocumentadas terem acesso ao serviço nacional de saúde francês sem terem de pagar.

Para ser efetiva, a lei terá de passar ainda na Assembleia Nacional. Aí enfrenta outra correlação de forças mas sobretudo a oposição de alguns dos macronistas que tinham anunciado que votariam contra a lei sem o artigo três. À mesma publicação online, Sacha Houlié, deputado do Renascimento, o grupo político que apoia o presidente Macron, e presidente da Comissão de Leis do parlamento francês, anunciou que este artigo voltará a ser introduzido na lei a discutir no parlamento em dezembro. Do lado dos Republicanos, o presidente do grupo parlamentar, Olivier Marleix, diz que a retirada deste é uma “linha vermelha” para o sentido de voto do seu partido.

Esquerda e associações contra a lei de imigração

O pacote é rejeitado pelos partidos de esquerda assim como pelas associações de migrantes e de defesa dos direitos cívicos.

Numa coluna no Libération, transformada depois em petição pública, os deputados da França Insubmissa e dos Verdes desfiam as razões que os levam a opor-se à nova lei de imigração. Lembram tratar-se do 22º texto do género em vinte anos e “como em quase todos os precedentes, não responde de todo à urgência humanitária, social e democrática que é melhorar o acolhimento e permanência das pessoas migrantes”.

Pelo contrário, “vem agitar medos e suspeições”, oferecendo à direita e extrema-direita “uma tribuna para propagar as suas obsessões racistas e xenófobas”.

Na síntese que fazem do projeto, consideram que este “outorga poderes exorbitantes à polícia, sistematiza medidas de afastamento, reduz os padrões de produção, degrada os direitos em matéria de justiça, institui medidas discriminatórias consoante as nacionalidades”.

Estes deputados exigem, pelo contrário, a “regularização de todos os trabalhadores e trabalhadoras sem papéis”, prometendo lutar pelos direitos “ao lado daquelas e daqueles que lutam pela sua dignidade”.

E estes também têm tomado posição clara sobre a proposta legislativa. Uma das últimas iniciativas aconteceu em Paris no dia 6 de novembro quando representantes de 35 associações e coletivos de defesa dos direitos das pessoas migrantes se reuniram para a rejeitar.

Numa conferência de imprensa que foi de palavra livre entre os presentes, tinham criticado o agora suprimido artigo três porque “limitaria os sem-papéis a pequenos trabalhos”, dada a definição do que são setores deficitários, e não tem em conta os que trabalham sem contratos, explicou Bchira Ben Nia, do Movimento dos Sem-Papéis. Dembélé Aboubacar, do Coletivo dos Trabalhadores Sem-Papéis de Vitry-sur-Seine, criticou a supressão da Ajuda Médica de Estado, afirmando que “recusar-nos acesso a cuidados é colocar em perigo toda a sociedade porque fazemos parte dela”. E Delphine Rouilleault, dirigente da França Terra de Asilo, manifestou preocupação por medidas como “a detenção de requerentes de asilo” e a “limitação do reagrupamento familiar”.