“A amizade não tem nada que ver com dependência. Eu nunca trabalhei para Ricardo Salgado nem para o Grupo Espírito Santo. Nem um parecer, nem um estudo, nem isto, nem aquilo, nem aqueloutro. Nada”. Estas foram as palavras de Marcelo numa entrevista dada à SIC a um mês das eleições presidenciais de 2016. O jurista e comentador político candidatava-se ao primeiro mandato presidencial e as suas relações de proximidade com o banqueiro caído em desgraça ano e meio antes podiam manchar a sua popularidade.
Uma investigação da SIC, Expresso e do portal Setenta e Quatro à agenda de Ricardo Salgado entre 2008 e 2014 revela que o nome de Marcelo Rebelo de Sousa surge 13 vezes, entre marcações de jantares, viagens e anotações de conversas. O da então sua companheira, a administradora não-executiva do BES Rita Amaral Cabral, surge naturalmente mais vezes, com 29 ocorrências. E é justamente num email encaminhado por Rita Amaral Cabral em março de 2013 para o administrador executivo Rui Silveira que surge o parecer com autoria de Marcelo Rebelo de Sousa, pedido por Ricardo Salgado para a Ascendi, a concessionária de auto-estradas detida a 40% pelo BES e que temia que o Governo incumprisse ou cancelasse os contratos de concessão por causa da austeridade e dos constrangimentos do memorando da troika. Um cenário que no parecer de Marcelo era tido como viável juridicamente.
Contactado pelos jornalistas, Marcelo confirma agora a autoria do parecer que em campanha eleitoral negava existir, alegando tratar-se de "um parecer prévio, que seria seguido de um eventual parecer desenvolvido" que não chegou a existir. “Era meu uso, nessas circunstâncias, não apresentar conta nem ser pago, devido ao teor do parecer, que é, aliás, preliminar e curtíssimo”, pelo que não foi remunerado pelo serviço jurídico solicitado por Salgado.
Na agenda de Salgado, com algumas partes apagadas e posteriormente restauradas pelo laboratório da Polícia Científica da PJ, os jornalistas encontraram nesse período de quase sete anos referências a encontros ou conversas com 112 políticos portugueses: 54 do PSD, 36 do PS, 13 do CDS e 3 do PCP. Destes, 72 eram governantes ou ex-governantes de todos os executivos desde o 25 de Abril, à exceção dos liderados por Nobre da Costa e Maria de Lourdes Pintasilgo.
Além da agenda, os jornalistas tiveram acesso a mais três mil ficheiros, alguns com milhares de páginas, incluindo atas, emails, processos judiciais e escutas. Das 26 personalidades cujo nome aparece na agenda do banqueiro e foram contactadas para a reportagem, apenas João Duque, Teixeira dos Santos e Fernando Negrão aceitaram gravar entrevista. Outros, como Durão Barroso - o político mais mencionado na agenda de Salgado -, Paulo Portas ou Passos Coelho, optaram por responder por escrito.