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Eleições na República Checa: Babiš perdeu, mas a esquerda “desapareceu”

Nas recentes eleições legislativas da República Checa, o primeiro-ministro centrista populista, Andrej Babiš, foi derrotado, a coligação de centro-direita triunfou e social-democratas e comunistas ficam, pela primeira vez em democracia, fora do Parlamento. Artigo de Jorge Martins.
Movimento ANO do milionário populista Andrej Babiš foi derrotado nas eleições legislativas de 2021 na República Checa – Foto de Martin Divisek/Epa/Lusa
Movimento ANO do milionário populista Andrej Babiš foi derrotado nas eleições legislativas de 2021 na República Checa – Foto de Martin Divisek/Epa/Lusa

As eleições legislativas realizadas nos passados dias 8 e 9, na República Checa, levaram à derrota do primeiro-ministro centrista populista Andrej Babiš, ao triunfo da coligação de centro-direita, à derrota dos Piratas no seio da coligação liberal-progressista, a um ligeiro recuo da extrema-direita e à hecatombe de social-democratas e comunistas, que ficam, pela primeira vez em democracia, fora do Parlamento.

Num próximo artigo apresentaremos o país e a sua história, aqui, descrevemos o sistema político e eleitoral, analisamos os resultados das eleições e as principais perspetivas para o seu futuro próximo.

Uma república semipresidencialista

A República Checa possui um regime semipresidencialista de pendor parlamentar, semelhante ao português.

O Presidente é, obrigatoriamente, um cidadão checo, maior de 40 anos. Desde 2013, é eleito por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de cinco anos, apenas podendo ser reeleito uma vez. A sua eleição ocorre de acordo com o sistema maioritário a duas voltas, tal como entre nós: se, no 1º turno, nenhum candidato conseguir a maioria absoluta dos votos válidos, terá lugar uma 2ª volta entre os dois mais votados. Para alguém se candidatar, tem de recolher 50 mil assinaturas ou ter o apoio de 20 deputados ou 10 senadores.

Entre as suas competências mais importantes estão: a nomeação do chefe do governo; a sua demissão e/ou a de todo o executivo; a marcação da data das eleições parlamentares; a dissolução do Parlamento, em determinadas situações constitucionalmente definidas; a nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional, dos dois principais responsáveis do Conselho Supremo de Auditores, organismo responsável por controlar a gestão da propriedade pública e a execução orçamental, e de alguns administradores do Banco Nacional Checo. Pode vetar legislação, exceto de natureza constitucional, mas o seu veto pode ser levantado pela maioria absoluta da câmara baixa do Parlamento.

O Governo, dirigido por um primeiro-ministro, dispõe do essencial do poder executivo. Aquele é nomeado pelo PR e, após constituir o seu gabinete, submete um voto de confiança à câmara baixa do Parlamento. Se este o negar, o chefe de Estado procede a uma segunda nomeação. Se o executivo voltar a não passar, o presidente daquela assembleia parlamentar sugere um nome ao presidente, que o nomeia. Se, então, falhar a investidura, o PR é obrigado a dissolver aquela e convocar novas eleições.

O Parlamento é o órgão detentor do poder legislativo. É bicameral, sendo constituído por:

  1. Senado. É a câmara alta, composta por 81 membros, maiores de 40 anos, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, em círculos uninominais, através do sistema maioritário a duas voltas. O mandato dos senadores tem a duração de seis anos, mas, a cada dois, há eleições para a renovação de 1/3 do total. Não pode ser objeto de dissolução.

Os seus poderes são reduzidos, apenas podendo atrasar a aprovação de legislação, já que o seu veto pode ser ultrapassado pela maioria absoluta da câmara baixa. Porém, se se tratar de leis constitucionais, eleitorais ou tratados internacionais, aquela não pode reverter a decisão senatorial;

  1. Câmara dos Deputados. É a câmara baixa, sendo composta por 200 membros, maiores de 21 anos, eleitos para um mandato de quatro anos, por sufrágio universal, direto e secreto, através de um sistema de representação proporcional. Constitui a principal câmara legislativa do país, sendo dela que depende a constituição do governo e a aprovação da maioria das leis. Pode votar uma moção de censura ao executivo, da autoria de um mínimo de 50 deputados, necessitando de uma maioria absoluta (101 votos) para ser aprovada. Por seu turno, para se autodissolver, precisa do apoio de 3/5 dos seus membros.

Para além desses casos, as decisões, em qualquer das câmaras são, em geral, tomadas por maioria simples. Porém, o envio de forças militares para o estrangeiro ou participação em programas de organizações militares de que o país faça parte (neste caso, a NATO) necessita de uma maioria absoluta, tanto dos deputados como dos senadores. Já as alterações à Constituição e às leis eleitorais e a aprovação de tratados internacionais requerem uma maioria qualificada de 3/5 das duas casas do Parlamento.

O Tribunal Constitucional constitui a principal instância judicial do país, sendo composto por 15 juízes, nomeados pelo PR e aprovados pelo Senado para um mandato de 10 anos.

Do ponto de vista administrativo, a República Checa divide-se em 13 regiões (Kraje), a que se acrescenta a cidade-capital de Praga, que tem estatuto simultâneo de região e município. Em cada uma delas, existe uma Assembleia Regional, diretamente eleita, da qual sai o Conselho Regional, órgão executivo, presidido pelo governador, geralmente o primeiro candidato do partido vencedor, se este tiver maioria absoluta, ou da maior força política da coligação que se formar na assembleia.

Existem, ainda, 6254 municípios (obce), também com órgãos diretamente eleitos e com estatutos diferenciados: os das principais cidades têm competências bastante reforçadas, os das urbes médias e pequenas algum reforço daquelas, enquanto os rurais têm apenas as atribuições mínimas legalmente definidas.

Um sistema eleitoral alvo de controvérsia

Até às últimas eleições, o sistema eleitoral era muito semelhante ao português. Assim, existiam 14 círculos eleitorais, correspondentes às 13 regiões e a Praga, sendo os mandatos atribuídos através do método de Hondt.

As principais diferenças relativamente ao nosso residiam na existência de uma cláusula-barreira e no voto preferencial.

Assim, a primeira foi fixada em 5% dos votos válidos para partidos que concorressem isoladamente, 10% para coligações de duas forças políticas, 15% de três e 20% para mais de três formações.

Quanto ao segundo, cada eleitor podia (e continua a poder) escolher até quatro nomes da lista em que vota. Se algum elemento desta obtiver mais de 5% do total dos votos da lista, passa para o lugar cimeiro desta; se mais do que um atingir esse valor, passam todos os elementos que o consigam, sendo, então, ordenados pelo número de votos obtidos por cada um deles.

Contudo, após as eleições de 2017, um grupo de 21 senadores da oposição suscitou, junto do Tribunal Constitucional (TC), a inconstitucionalidade da lei eleitoral, considerando que esta não estava de acordo com o princípio da representação proporcional, constitucionalmente definido. Contestavam, em especial, o valor das cláusulas-barreiras para as coligações, que consideravam desproporcionadas; o método de Hondt, por favorecer os maiores partidos, e a existência das 14 circunscrições, por reduzirem a proporcionalidade.

Em fevereiro deste ano, o TC considerou inconstitucionais aquelas cláusulas-barreiras e constitucionais os círculos regionais, mas não o sistema de alocação dos mandatos entre eles. Relativamente ao método de Hondt, entendeu que este podia continuar a ser usado, desde que houvesse compensação das distorções, mas rejeitou pronunciar-se sobre um método alternativo, que, na sua opinião, caberia aos políticos eleitos encontrar.

Apesar da oposição do presidente Zeman, furioso com a decisão do TC, e após acesos debates, o Parlamento aprovou uma nova lei eleitoral para a Câmara dos Deputados.

De acordo com ela, o número de lugares a atribuir a cada circunscrição passou a ser determinado a partir do número de votantes e não de inscritos em cada uma delas. Assim, calcula-se uma quota, resultante da divisão do número total de votos por 200. Depois, para a alocação dos mandatos por aquelas, divide-se o número de votantes em cada uma das regiões pela quota. Se a soma dos valores inteiros dessas divisões não perfizer o total dos lugares a preencher, os remanescentes são atribuídos aos maiores restos. Esta fórmula de cálculo favorece as regiões onde a participação eleitoral tenha sido mais elevada, penalizando as mais abstencionistas.

Por seu turno, as cláusulas-barreiras foram fixadas da seguinte forma: 5% para partidos isolados (tal como antes), 8% para coligações de duas formações e 11% de três ou mais.

Apuradas as listas que ultrapassaram aqueles valores, a atribuição dos mandatos é feita a dois níveis. O primeiro ocorre em cada um dos 14 círculos, através da quota de Imperiali: divide-se o total de votos aí obtidos pelas forças políticas qualificadas pelo número de mandatos a atribuir aí, acrescidos de duas unidades. Os valores correspondentes à parte inteira da divisão do número de votos de cada lista por aquela traduzem-se em lugares parlamentares.

Todos os votos nessas forças políticas que não tenham contribuído para a eleição de um representante são somados num círculo nacional. A sua atribuição é feita através da quota Droop: total desses votos a dividir pelo número de mandatos em falta acrescidos de uma unidade. Se sobrarem mandatos, são atribuídos os sobrantes aos maiores restos; caso excedam o valor definido, serão retirados os excedentários aos menores restos.

Uma polémica de última hora foi a votação dos residentes no estrangeiro. Foram autorizados a votar, sendo os seus votos somados ao círculo de Ústi.

O contexto político

Em 2017, o partido centrista populista ANO 2011, do milionário Andrej Babiš, foi o claro vencedor do ato eleitoral, mas não encontrou parceiros para governar, pelo que optou pela formação de um governo minoritário. Contudo, este foi rejeitado pelo Parlamento em janeiro de 2018, mantendo-se em gestão até junho, altura em que o partido formou uma coligação com os social-democratas (ČSSD), que teve o apoio parlamentar dos comunistas (KSČM).

Os sucessivos escândalos de corrupção em que o primeiro-ministro se envolveu originaram grandes protestos populares a partir de meados de 2019, mas a emergência da pandemia retirou-lhes força. Porém, não prejudicaram muito o seu partido, ao invés do que sucedeu às duas formações de esquerda suas aliadas, que foram vendo o seu apoio eleitoral diminuir, como se viu nas europeias de 2019 e nas senatoriais e regionais de 2020, em que a oposição assumiu o controlo do Senado. Por isso, em abril deste ano, os comunistas retiraram o apoio ao executivo.

No que respeita ao controle da pandemia, a República Checa foi, num primeiro tempo, vista como exemplo. Contudo, no outono de 2020, a situação descontrolou-se e o país passou a deter uma das maiores taxas de mortalidade por 1000 habitantes da Europa devido à Covid.

Para o apear, as principais formações da oposição formaram duas coligações, uma de centro-direita, outra de centro-esquerda.

Análise dos resultados eleitorais

A coligação de centro-direita Juntos (SPOLU), englobando o Partido Democrático Cívico (ODS), a União Democrata Cristã-Partido Popular Checo (KDU-ČSL) e o Tradição Responsabilidade Propriedade (TOP 09), encabeçada por Petr Fiala, líder do primeiro, foi a vencedora do ato eleitoral, obtendo 27,8% dos votos, que lhe garantiram 71 lugares na Câmara dos Deputados (34 do ODS, 23 do KDU-ČSL e 14 do TOP 09).

Teve, assim, uma clara subida face a 2017, quando os seus integrantes somaram, em conjunto, 22,4% (11,3% o ODS, 5,8% o KDU-ČSL e 5,3% o TOP 09) e 42 eleitos (25 o primeiro, 10 o segundo e sete o terceiro).

O ODS é um partido conservador-liberal, fundado em 1991 por Václav Klaus, ex-PM e ex-PR, após a cisão ocorrida no Fórum Cívico. É ultraliberal na economia, defendendo apoios às empresas e a redução da carga fiscal, moderadamente conservador nos costumes e acentuadamente eurocético. Ao mesmo tempo, defende um rigoroso controle da imigração, em especial extraeuropeia. O seu atual líder, Petr Fiala, provável futuro PM, é professor universitário de Ciência Política, tendo sido ministro da Educação e reitor da universidade Masaryk, em Brno.

Por seu turno, o KDU-ČSL, liderado por Marian Jurečka, é um partido democrata-cristão, fundado em 1919, logo apos a criação da Checoslováquia, para representar os católicos, maioritários na Morávia e na Eslováquia. Integrou várias coligações e o governo no exílio, em Londres. Após o “golpe de Praga”, os seus principais dirigentes foram presos e o partido tomado por simpatizantes comunistas. Em 1989, voltou ao ativo e participou em alguns governos de coligação. É pró-UE, defensor de uma economia social de mercado, apoiante das pequenas empresas e dos agricultores e conservador em matéria de costumes.

Já o TOP 09, cuja líder é Markéta Adamová, é uma formação liberal-conservadora, fundada em 2009, após uma cisão nos democrata-cristãos. É abertamente pró-UE, defendendo a adesão ao euro. Na economia, é liberal, advogando a redução da carga fiscal, enquanto nos costumes é moderadamente conservador, embora possua uma ala mais aberta.

Nestas eleições, beneficiou do “voto útil” de muitos que queriam aperar Babiš do poder e viam no SPOLU a coligação com mais hipóteses de o conseguir.

Ao nível territorial, venceu em oito das 14 circunscrições, mas a chave do seu triunfo esteve em Praga, onde conseguiu o melhor resultado em todo o país (40,0%). Para além da capital, teve bons desempenhos na Morávia Sul, onde se situa Brno (30,0%), na Boémia Sul (29,1%) e na Boémia Central (28,7%).

Ao invés, esteve menos bem nas seis regiões onde perdeu, situadas na periferia oeste da Boémia e na Silésia, no Nordeste. Os seus piores resultados ocorreram nos círculos de Ústi (19,8%), Karlovy Vary (20,2%) e Morávia-Silésia (20,6%).

Ou seja, teve as melhores votações nas áreas urbanas mais prósperas e nas áreas rurais católicas da Morávia e as mais fracas nas regiões industriais deprimidas, mais pobres.

Logo atrás, ficou a Ação dos Cidadãos Insatisfeitos (ANO 2011), do primeiro-ministro Andrej Babiš, que obteve 27,1% dos votos. Apesar de ter tido menos votos que o SPOLU, elegeu 72 deputados, mais um que aquela coligação. Em 2017, havia vencido as eleições, com 29,6% e a conquista de 78 lugares.

Fundado pelo seu líder como associação anticorrupção, em novembro de 2011, transformou-se em partido no ano seguinte. O seu acrónimo ANO significa “sim” na língua checa. Estamos em presença de uma formação populista e difícil de definir ideologicamente, embora se possa classificar como centrista. Afirma-se defensor de uma economia social de mercado, baseada numa estrita disciplina orçamental e na redução da burocracia, mas também no aumento do investimento em infraestruturas e no apoio aos pequenos empresários e pensionistas. O partido é eurocético, contrário ao euro, e defende uma política de imigração rígida, em especial face a migrantes e refugiados extraeuropeus, alinhando, nessa questão, com os governantes húngaros e polacos.

Babiš é um rico empresário, um oligarca, detentor da maior fortuna do país, sendo por muitos comparado ao ex-PM italiano Berlusconi. É detentor de um grande grupo económico, que começou no setor agrícola e florestal, mas rapidamente se expandiu para várias áreas da economia, desde o imobiliário à petroquímica, passando pela logística e pelo turismo, com investimentos em vários países da UE e na China. Do ponto de vista político, o mais relevante é o controlo, por parte do grupo, de vários órgãos de comunicação social, entre os quais os dois jornais mais lidos do país, a rádio mais ouvida e uma cadeia de televisão, que servem para propagandear a mensagem do seu partido. Nas eleições de 2013, participou na coligação entre social-democratas e democrata-cristãos, liderada pelos primeiros, assumindo a pasta das finanças, que deixou após se ver envolvido num escândalo de corrupção de contornos internacionais. Porém, essa circunstância não evitou a sua vitória nas eleições de 2017 e, apesar de todos os casos em que aparece envolvido, continua a manter uma elevada popularidade.

Nestas eleições, acabou por lhe cair em cima da campanha a revelação dos Pandora Papers, que mostravam que havia comprado uma luxuosa vivenda no sul de França usando fundos estabelecidos em “off-shores”. Terá sido este facto que precipitou a sua derrota, a par com as críticas de que foi alvo no que respeita à gestão da pandemia e ao estilo crescentemente autoritário da sua governação.

A implantação territorial do ANO é quase simétrica da do SPOLU. Venceu em seis regiões, as quatro da região ocidental montanhosa da Boémia e as duas do Nordeste, onde se situa a Silésia checa. Assim, o seu melhor resultado ocorreu na de Ústi, na primeira daquelas áreas (35,6%), seguido da Morávia-Silésia, na segunda (33,7%), e de Karlovy Vary, também na primeira (33,1%). Por seu turno, o pior registou-se em Praga, onde não foi além de 17,5%, seguido da vizinha Boémia Central (24,5%) e da Morávia Sul (25,4%).

Em terceiro lugar, ficou a coligação dos Piratas e Autarcas (PaS), constituída pelo Partido Pirata Checo (Piráti) e pela formação Autarcas e Independentes (STAN). Liderada por Ivan Bartoš, líder do primeiro, obteve 15,6% dos votos e 37 lugares (quatro o primeiro e 33 o segundo).

Em 2017, os dois partidos somaram 16,0% (10,8% os Piratas e 5,2% o STAN) e elegeram 28 parlamentares (22 e seis, respetivamente).

A aparente contradição entre a ligeira descida percentual e o aumento significativo da sua representação deriva, não apenas do efeito da coligação, mas também de menos forças políticas terem tido acesso à representação parlamentar. Por outro lado, a inversão no número de eleitos dos dois parceiros da coligação deveu-se ao voto preferencial, que favoreceu claramente o STAN.

Os Piratas nasceram em 2009, após o êxito dos seus homólogos suecos nas europeias desse ano. Tendo como causa principal, num primeiro momento, o livre acesso e a cópia sem limitações na Internet, o partido abraçou, posteriormente, outros objetivos, situando-se no centro-esquerda do espectro político. Assim, defende as liberdades cívicas, a transparência da governação, a democracia participativa, a progressividade fiscal e a luta contra os “off-shores”, a defesa do consumidor e a preservação do ambiente, sendo partidário de um desenvolvimento sustentável, de base local. Nos costumes, é progressista, defendendo os direitos das pessoas LGBTQI+. É pró-UE, embora critique o centralismo burocrático de Bruxelas e manifeste reservas face à adoção do euro, que, na sua opinião, só deverá acontecer em circunstâncias favoráveis. Ao contrário do que sucedeu noutros países, mantiveram a influência, porventura devido à existência de uma esquerda antiquada e de uns verdes demasiado ao centro.

Por sua vez, o STAN, encabeçado por Vit Rakušan, é uma formação liberal-conservadora e pró-UE. Criado em 2004 por um conjunto de autarcas, como grupo de pressão destes sobre o poder central, com o nome de Autarcas Independentes pela Região (SNK), adotou a atual designação em 2009, quando passou a atuar em conjunto com o TOP 09, com quem concorreu sistematicamente coligado até 2013, inclusive, e como quem ainda se alia nas europeias. O partido defende uma maior descentralização, assente no princípio da subsidiariedade, a transparência e a boa gestão dos recursos públicos. Advoga a existência de uma economia social de mercado, a defesa do ambiente e do património histórico e um maior investimento na educação e na ciência.

Neste ato eleitoral, conseguiu melhorar os seus resultados, mas à custa do seu parceiro de coligação, sendo vítima do “voto útil” anti-Babiš no SPOLU, que muitos eleitores do centro-esquerda viam com mais hipóteses de derrotar aquele.

Por outro lado, a aliança eleitoral acabou por se revelar um mau negócio para os Piratas, que foram vítimas do voto preferencial. Com efeito, sendo um partido com raízes locais, o STAN colocou nas listas pessoas conhecidas localmente, alguns dos quais autarcas ou ex-autarcas, que asseguraram o voto dos seus próximos em detrimento dos primeiros, que apenas conseguiram eleger os seus em Praga (dois), Boémia Central e Ústi (votos da diáspora), apesar de Bartoš encabeçar a coligação.

Os seus melhores resultados ocorreram em Praga (22,6%), Liberec, região do norte do país, gerida por um movimento independente local (21,4%) e na Boémia Central (19,5%), áreas mais urbanizadas.

Já os piores registaram-se nas zonas mais rurais do Nordeste e Leste: Morávia-Silésia (11,1%), Olomouc (12,4%), Zlin (13,4%) e Vysočina (13,5%).

A última força política a obter representação parlamentar foi o partido da extrema-direita populista Liberdade e Democracia Direta (SPD), liderado por Tomio Okamura, que conseguiu 9,6% dos sufrágios e 20 deputados, um ligeiro recuo face a 2017, quando chegou aos 10,6% e conseguiu 22 eleitos.

O partido foi fundado em 2015 pelo seu líder, curiosamente um checo de ascendência japonesa, que, dois anos antes, havia formado o Aurora-Coligação Nacional (Úsvit-NK), que se apresentou como defensor da democracia direta. Contudo, divisões internas levaram ao fim daquele, do qual resultaram novas formações políticas, mas a única que vingou foi o SPD de Okamura.

Este, de carácter eminentemente unipessoal, é nacionalista e extremamente eurocético, advogando uma consulta popular à permanência do país na UE, que rejeita. Também é anti-NATO e pró-russo. Defende, ainda, a possibilidade de referendos revogatórios de políticos e juízes. É, também, anti-imigração e abertamente islamofóbico, defendo um controle apertado nas fronteiras e a rejeição de imigrantes e refugiados de religião muçulmana. Nos costumes, é bastante conservador. Economicamente, o seu discurso oscila entre o liberalismo radical, com redução substancial de impostos, ao nacionalismo económico, com apoios às pequenas empresas nacionais e a nacionalização dos setores estratégicos.

O seu recuo explica-se pelo “voto útil” de alguns eleitores populistas em Babiš. Aliás, a distribuição espacial do voto no SPD é muito semelhante à do ANO, mostrando a sua maior implantação territorial na Silésia e nas montanhas do oeste da Boémia.

Assim, obteve o seu melhor resultado nas regiões da Morávia-Silésia e de Karlovy Vary, com 12,8% em ambas, seguidas por Olomouc, na primeira daquelas áreas (12,2%), e Ústi, na segunda (11,9%).

Por seu turno, teve um fraco desempenho em Praga, onde não passou dos 4,6%, seguido da vizinha Boémia Central, com 7,8%.

O “desaparecimento” da esquerda

Nestas eleições, 19,9% dos eleitores votaram em partidos que não conseguiram representação na Câmara dos Deputados.

Destes, o mais votado foi o Juramento (Přísaha), que obteve 4,7% dos votos. Trata-se de uma formação anticorrupção, criada em janeiro e liderada por Robert Šlachta, antigo diretor da unidade de luta contra o crime organizado e que, em 2013, investigou um escândalo envolvendo, entre outros, Babiš.

Imediatamente atrás ficou um dos grandes derrotados deste ato eleitoral, o Partido Social-Democrata Checo (ČSSD), liderado pelo ministro do Interior, Jan Hamáček, que não foi além de 4,7%, quando, em 2017, tinha obtido 7,3% e eleito 15 parlamentares.

O partido, de orientação social-democrata e pró-UE, integrante dos socialistas europeus, foi fundado em 1878, ainda no Império Austro-Húngaro, com origens no movimento operário e sindical, tendo sido uma das forças políticas mais importantes da nova Checoslováquia no período de entre guerras. Após a tomada do poder pelos comunistas, em 1948, foi forçado a integrar-se naqueles. Tentou reaparecer na “Primavera de Praga”, mas a invasão soviética frustrou-lhe essa intenção. Após a “revolução de veludo”, em 1989, reganhou a legalidade e, desde a criação da República Checa, em 1993, tornou-se um dos partidos alternantes, como alternativa de centro-esquerda ao conservador ODS.

Contudo, alguns escândalos de corrupção associados à sua governação erodiram a sua base de apoio e, nas eleições de 2013, já tinha registado o pior resultado da sua história. Agora, ainda desceu mais fundo e, pela primeira vez em democracia, ficou fora da Câmara dos Deputados.

O partido pagou cara a sua participação no governo de Babiš. Como muitas vezes sucede aos parceiros menores das coligações, perdeu votos para o ANO, da parte de eleitores favoráveis ao executivo, e para a oposição, dos seus simpatizantes que a ele se opunham.

Outro grande derrotado foi o Partido Comunista da Boémia e Morávia (KSČM), liderado por Vojtěch Filip, que ainda fez pior, não indo além de 3,6% dos votos, um forte recuo face a 2017, quando conseguira 7,8% e 15 lugares.

O KSČM foi fundado em 1989, após a dissolução do Partido Comunista da Checoslováquia (KSČ), que acabara de ser apeado do poder. Os seus fundadores, onde pontificava o realizador de cinema Jiří Svoboda, seu primeiro líder, eram elementos da ala reformista daquele, que se distanciaram do antigo regime e tentaram criar um partido mais democrático e descentralizado. Contudo, aos poucos, a “velha guarda” foi reganhando posições e a nova formação comunista ficou a meio do caminho entre a nostalgia e a renovação.

Anti-NATO e anti-UE, esteve desde sempre na oposição. Foi o único PC do antigo bloco soviético a sobreviver, mesmo que renovado, após a queda daquele, tendo conseguido, até 2013, resultados que oscilaram entre os 10,3% e os 18,5%. Porém, nos últimos tempos, começou a perder força e, em 2017, ficou abaixo dos dois dígitos, pela primeira vez desde a sua primeira participação eleitoral, em 1925. Agora, sofreu uma verdadeira hecatombe, perdendo mais de metade do seu eleitorado de há quatro anos, o que o levou a ficar sem representação na Câmara dos Deputados.

Sendo os seus eleitores, na sua maioria, idosos, tem sofrido a natural erosão demográfica. Por outro lado, e tal como os social-democratas, sofreu forte penalização pelo seu apoio parlamentar a Babiš. A retirada deste, já perto do final da legislatura, foi uma jogada desesperada, que terá até tido o efeito contrário, tendo sido vista por alguns eleitores como o “abandono do barco”. Assim, grande parte do seu eleitorado tradicional terá acabado a votar “útil” no ANO, de quem se sente mais próximo que das duas principais coligações.

Também a coligação direitista TSS (Tricolor-Liberdade-Proprietários), constituída pelo Movimento Cívico Tricolor (Tricolora), da direita nacionalista, os Livres (Svobodní), da direita libertária, e o Partido dos Proprietários (Soukromníci), que se apresentou como partido para não ficar sujeito à cláusula-barreira de 11% para alianças tripartidárias, não foi além de 2,8% dos votos e perdeu os três parlamentares que detinha, após uma cisão no SPD.

Por seu turno, o Bloco Livre (VB), que englobava várias formações da extrema-direita, não passou de 1,3% e o Partido Verde (ZP) de 1,0%, enquanto as outras listas concorrentes tiveram resultados residuais.

Também os votos brancos e nulos tiveram pouca expressão, representando apenas 0,7% dos entrados nas urnas.

Por fim, a abstenção ficou nos 34,6%, uma forte redução face a 2017, quando atingira os 39,2%. Algo que se explica pela enorme polarização da sociedade checa e pela incerteza do resultado, o que levou a uma maior participação eleitoral, apesar da pandemia.

Não por acaso, foi nas zonas onde a oposição é mais forte que a afluência foi maior, com destaque para Praga, onde a abstenção se quedou nos 29,8%. Ao invés, esta foi maior nas regiões ganhas pelo ANO, com destaque para Karlovy Vary (43,0%), ÚstI (42,4%) e Morávia-Silésia (39,4%).

Balanço global

Estas eleições ficaram marcadas por uma intensa polarização entre um país mais rico, urbano e cosmopolita, cujo maior expoente é Praga e se estende à Boémia Central e ao sul da Morávia, e outro mais pobre, rural e industrialmente deprimido, localizado, em especial, nas áreas montanhosas do oeste e norte da Boémia e no nordeste silesiano. O primeiro votou nas duas maiores coligações: o SPOLU, do centro-direita, e a PaS, do centro-esquerda; o segundo optou, essencialmente, pelo ANO 2011 e o SPD.

Por seu turno, com a hecatombe que atingiu social-democratas e comunistas, a esquerda praticamente desapareceu da paisagem parlamentar checa, fortemente penalizada pelo seu apoio a Babiš. Com boa vontade, ainda podemos considerar aí os Piratas, mas, mesmo esses, saem bastante enfraquecidos destas eleições. Ou seja, depois deste desaire no país do antigo bloco soviético em que era mais forte, cada vez a esquerda conta menos nessa região da Europa.

Outro aspeto a salientar foi o fracasso da reforma da lei eleitoral. Afinal, dos 200 eleitos, 199 foram-no logo nos círculos regionais, sendo o único que restava atribuído, a nível nacional, ao SPOLU. Na verdade, a fórmula adotada para os primeiros (a quota Imperiali) era ainda mais danosa para os pequenos partidos que o método de Hondt. Por outro lado, apesar de o critério de repartir os mandatos pelos círculos de acordo com a participação atenuar, teoricamente, esse aspeto, a distribuição dos mandatos pelos círculos foi quase igual à de 2017.

E, pela primeira vez, o partido mais votado não foi o que elegeu o maior número de parlamentares. Se fosse utilizado o sistema anterior, o ANO teria menos um eleito, ficando igual ao SPOLU (ambos com 71), e o SPD mais um (21), mantendo a PaS os mesmos 37. Ou seja, os resultados seriam mais proporcionais. Quando se faz uma lei eleitoral “à pressão”, surgem estas surpresas!

A formação do novo governo e o papel do PR

No final do segundo dia da eleição, as duas coligações concordaram em negociar uma nova solução governativa para o país. Os cinco partidos nelas envolvidos assinaram uma declaração conjunta, em que solicitam ao presidente Miloš Zeman que indigite Petr Fiala como novo PM, cuja investidura as cinco formações prometem apoiar.

Por seu tuno, Babiš reconheceu a derrota, mas atribuiu os resultados ao que considerou ser uma “campanha suja” contra a sua pessoa e o seu partido. Ao mesmo tempo, solicitou uma audiência ao PR, afirmando que este o deve indigitar para formar governo, uma vez que o seu partido, individualmente, é, de longe, o mais representado na câmara baixa do Parlamento.

Durante esta, Zeman sentiu-se mal e foi conduzido, de urgência, ao hospital, onde se encontra internado, gerando especulações sobre o seu estado de saúde, já que há muito sofre de diabetes e terá visto o fígado afetado por um problema do aparelho digestivo no mês passado. Porém, o seu gabinete escuda-se na sua privacidade para se recusar a adiantar quaisquer informações, o que tem contribuído para adensar as especulações.

O atual presidente foi líder do ČSSD, tendo desempenhado o cargo de PM entre 1998 e 2002. Substituído no partido e no governo por Vladimir Špidla, retirou-se para o campo, tendo, em 2009, fundado o Partido dos Direitos Cívicos (SPO–Zemanovci), formação de caráter unipessoal, que combinava uma orientação de centro-esquerda em matéria económica com posições de direita radical em questões de costumes (considera a homossexualidade uma anormalidade) e da extrema-direita em matéria de imigração, com posições islamofóbicas e apoiando as políticas do governo húngaro de Orban nesse particular. Enquanto chefiou o executivo, apresentou-se como pró-UE e, até, favorável ao euro, mas, posteriormente, passou a defender um referendo sobre a permanência do país na União e na NATO, embora afirme apoiar a pertença a ambas. É considerado pró-russo, defendendo o reforço das relações com Moscovo.

Apesar dos fraquíssimos resultados do seu partido, acabou por ser o primeiro presidente eleito do país, em 2013, sendo reeleito cinco anos depois, embora por margem bastante apertada.

Neste ato eleitoral, apoiou Babiš e o seu partido, tendo o desfecho das eleições constituído um choque para si. Caso as duas câmaras parlamentares declarem o presidente incapacitado, temporária ou definitivamente, a função de nomear o chefe do governo passa para o presidente da Câmara dos Deputados, embora, para já, não esteja previsto esse passo.

Resta saber se a unidade das duas coligações, em especial do SPOLU, se mantem. Com efeito, algumas vozes no seio do ODS afirmam preferir coligar-se com o ANO que com a PaS, desde que Babiš saia de cena. Entretanto, o líder do KDU-ČSL manifestou, numa entrevista, a sua oposição ao casamento homossexual, defendido pelos Piratas, mas não voltou a abordar o tema. Contudo, com apenas quatro parlamentares, estes últimos não são essenciais para a formação de uma nova maioria. Por outro lado, Fiala descartou qualquer hipótese de colaboração com o ANO, manifestando a sua vontade de manter o SPOLU unido e constituir uma maioria pentapartidária.

Contudo, caso recupere, Zeman, um político muito experiente e astuto, pode tentar “minar” esse entendimento. Uma hipótese possível seria indigitar Babiš, quanto mais não seja para ganhar tempo, aproveitando as divisões existentes no seio das duas coligações e entre estas.

Se Fiala vier a ser nomeado e vir o seu gabinete aprovado no Parlamento, haverá, por certo, um clima de maior tolerância política, que contrastará com o autoritarismo que marcou o consulado Babiš, a exemplo do que sucedeu na vizinha Eslováquia, após a derrota dos populistas.

Contudo, nessa eventualidade, apesar de tudo a mais provável, o novo PM terá de gerir as diferentes sensibilidades políticas entre o seu partido e os diversos aliados, em especial nas questões europeias (onde o euroceticismo do ODS contrasta com o europeísmo dos outros quatro), o mesmo sucedendo em relação à imigração (em que o mesmo tem uma posição mais fechada que os restantes, em especial os Piratas, bastante abertos nesse tema) e, em menor grau, as posições mais conservadoras do KDU-ČSL nas questões de costumes, em especial os direitos LGBTQI+. É que, derrotado o adversário comum, haverá tendência para vir ao de cima mais o que os separa do que aquilo que os uniu.

Por isso, não se estranharia que, a meio da legislatura, houvesse uma crise política, que acabasse num entendimento governamental ou parlamentar entre o ANO e o ODS, eventualmente sem Babiš nem Fiala.

Para já, resta-nos aguardar a evolução dos acontecimentos, sendo, em princípio, as próximas semanas decisivas para se chegar a uma solução.

Fontes: Wikipedia em língua inglesa e checa (traduzida para inglês). Instituto Estatístico Checo (Volby.cz)

Artigo de Jorge Martins

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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