Para os países em incumprimento com as novas regras da governação económica, a Comissão Europeia apresentou hoje bilateralmente uma trajetória de referência para reduzir a despesa pública. Para Portugal, atualmente com uma dívida pública perto dos 99% do PIB e com um saldo orçamental equilibrado, esperam-se cortes no orçamento nacional de 2,8 mil milhões de euros anualmente a partir de 2025.
Cada trajetória baseia-se na Análise da Sustentabilidade da Dívida feita pela Comissão, cuja metodologia que não é do domínio público, e responderá a duas salvaguardas numéricas. Primeiro, uma redução anual do rácio da dívida pública em 1% do PIB quando estiver acima de 90% do PIB, ou de 0,5% quando estiver entre os 60 e os 90%. Segundo, uma redução de 0,4% ao ano do défice estrutural caso seja maior do que 1,5% do PIB (mais severo do que os 3% previstos nos tratados).
Ainda que estas trajetórias sejam uma referência, funcionam na prática como uma imposição aos governos nacionais. A 20 de setembro os países apresentam os seus planos orçamentais estruturais de médio-prazo, onde plasmam o seu próprio ritmo de redução da despesa pública e o conjunto de investimentos e reformas compatíveis. No entanto, são obrigados a justificar se se desviarem do programado pela Comissão e, caso o Conselho não considere credíveis os planos de investimento e reforma propostos pelos governos, é a trajetória de referência da Comissão que impera. Foi este desenho final que levou José Gusmão a criticar garantir “um poder discricionário sem precedentes à Comissão Europeia”.
Aumento do investimento militar utilizado pela primeira vez para perdoar défices excessivos
Dias antes, na quarta-feira, a Comissão tornou pública a avaliação orçamental de cada país, publicando as recomendações individuais no quadro do Semestre Europeu (e que devem servir de base para os países desenharem os seus planos orçamentais), bem como a lista dos países em incumprimento com o critério do défice orçamental.
Dos doze países que ultrapassam, ou esperam ultrapassar em breve, os 3% do PIB, sete poderão ter um Procedimento de Défices Excessivos (PDE) aberto: Bélgica, França, Itália, Hungria, Malta, Eslováquia e Polónia. Os ministros das finanças irão reunir em julho e emitir o seu último parecer sobre a abertura do PDE para cada caso.
Na análise dos restantes – República Checa, Estónia, Eslovénia, Finlândia e Espanha – a Comissão considerou verificarem-se fatores atenuantes que justificam (e perdoam) esse desvio. Para alguns esses foram a redução significativa da dívida pública ou o desvio do défice ser considerado temporário. No entanto, um novo critério foi importante, levando o Comissário Paolo Gentiloni a dizer “O relatório leva em conta todos os fatores relevantes, incluindo o aumento dos gastos com investimento na defesa, um novo elemento na legislação revista”. No caso da Estónia, esta fator foi particularmente relevante.
Para os PDE que forem abertos, serão apresentadas no outono recomendações políticas para cada país reduzir o seu défice orçamental. Para além disso, as obrigações de ajustamento orçamental ficam mais severas, sendo os países obrigados a reduzir o seu saldo primário estrutural a um ritmo de 0,5% do PIB ao ano, entre 2025 e 2027. A partir de 2028, o ajustamento é feito ao mesmo ritmo, mas sem excluir a despesa com juros. Em caso de incumprimento poderão ser impostas multas pecuniárias.
Esta notícia é particularmente relevante em França dada a campanha eleitoral surpresa e por ser a primeira vez que o país recebe este aviso. Enquanto que a Frente Popular da qual a França Insubmissa faz parte tem sido sempre coerente com a sua posição anti-austeridade, a extrema-direita tem oscilado o seu discurso. Jordan Bardella, presidente da Frente Nacional, disse esta quinta-feira que se fosse eleito primeiro-ministro iria cortar as contribuições francesas para o orçamento comunitário em dois ou três mil milhões de euros. Declarou “não há razão para pedirmos a todos que cortem as despesas [...] mas pedir que as despesas operacionais da UE não sejam também cortadas”. De notar que as contribuições de França são as segundas maiores, podendo estas declarações serem vistas como uma ameaça.